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Cúpula das Américas: fortalecimento ou fratura regional?

O sucesso do encontro depende da capacidade de liderança dos EUA e do realinhamento de seus principais aliados na região

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Miguel González Palacios democracia Abierta
7 Junho 2022, 12.01
A Cúpula das Américas acontece esta semana
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B Christopher / Alamy Stock Photo

Após 28 anos de sua primeira edição, os Estados Unidos voltam a sediar a Cúpula das Américas. Em seu nono capítulo, a reunião realizada em Los Angeles de 6 a 10 de junho terá o lema: "construindo um futuro sustentável, resiliente e equitativo". No entanto, o panorama não parece favorável para que o evento alcance seu objetivo de avançar a integração regional.

Os EUA não têm um plano claro para a América Latina. Enquanto isso, a China vem conquistando espaço e influência ao mesmo tempo em a Rússia continua a desestabilizar o Ocidente, aproveitando a profunda animosidade de uma grande parte da sociedade latino-americana em relação ao imperialismo norte-americano, cujos abusos na região durante a Guerra Fria ainda estão frescos na memória. A grande distração dos EUA com as guerras no Afeganistão e no Iraque nas últimas duas décadas deixou um espaço geopolítico na América Latina que foi bem explorado por seus rivais.

A Cúpula das Américas, que ocorre a cada três ou quatro anos em um país diferente, é o único evento que reúne todos os chefes de Estado e de governo do hemisfério. A primeira cúpula foi realizada em Miami em dezembro de 1994, formalizando uma série de reuniões ad hoc que aconteciam desde a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948. E embora o evento seja independente da estrutura da OEA, a cúpula é frequentemente vista como o fórum de mais alto nível entre seus países membros.

Quais países são convidados e quais líderes políticos participam sempre foi motivo de controvérsia, uma vez que costuma simbolizar a orientação geopolítica do momento. E nesta ocasião, como reafirmou recentemente Brian Nichols, subsecretário de Estado da Casa Branca para o Hemisfério Ocidental, Cuba, Nicarágua e Venezuela não estarão na lista de convidados por serem países “que não respeitam a democracia”.

Hoje, os ventos que sopram na região parecem menos favoráveis ​​aos interesses de Washington

Por um lado, Cuba, que foi expulsa da OEA em 1962, reiterou repetidamente sua disposição de participar do evento, mas foi convidada apenas para as duas últimas cúpulas – na Cidade do Panamá, em 2015, e em Lima, em 2018. No caso da Venezuela, que ainda é formalmente membro da OEA, foram convidados para a cúpula de 2018 apenas representantes do governo auto-proclamado de Juan Guaidó, reconhecido como o presidente legítimo do país pela organização. Diante da recente deriva autoritária de Daniel Ortega, a Nicarágua não foi convidada para a mais recente edição pela primeira vez em sua história.

No entanto, pode haver mais cadeiras vazias na cúpula de Los Angeles. Em resposta à exclusão desses três países, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, anunciou que não comparecerá pessoalmente ao evento a menos que todos os países da região sejam convidados. Os presidentes da Bolívia, Guatemala e boa parte das nações caribenhas também ameaçam boicotar o evento pelo mesmo motivo. Os líderes da Argentina, Chile e Honduras não suspenderam sua participação, mas manifestaram apoio à adesão de Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Teste decisivo para Biden

A Cúpula das Américas serve como oportunidade única para o governo Joe Biden em seus esforços de colocar os EUA outra vez na liderança dos espaços multilaterais e recuperar o terreno perdido em seu “quintal”. Em 2018, o ex-presidente Donald Trump cancelou sua participação na Cúpula de Lima, enviando o vice-presidente Mike Pence como seu representante.

Como um sinal da vontade dos EUA de recuperar a liderança regional, a Casa Branca escolheu sediar o evento em Los Angeles – uma cidade em que mais de 50% da população é latina, que tem laços estreitos com o México e outros países do hemisfério e que opera como um microcosmo da crescente conexão entre a política interna e externa dos EUA.

Essas características também fizeram com que Miami fosse escolhida como sede da Cúpula de 1994. Mas hoje, os ventos que sopram na região parecem menos favoráveis ​​aos interesses de Washington.

Naquela época, após a recente queda da União Soviética, a hegemonia dos EUA parecia inquestionável. Como anfitrião da primeira Cúpula das Américas, o governo Bill Clinton selou o triunfo de seu país na Guerra Fria da região. Ao final da reunião, os países participantes concordaram em trabalhar juntos para a criação de uma área de livre comércio que abrangesse todo o hemisfério, a ALCA, um antigo sonho americano ao qual dedicaram boa parte das cúpulas seguintes até ser abandonado na cúpula de 2005, em Mar del Plata, na Argentina.

Hoje, a América Latina está passando por uma nova "onda rosa", que poderia tentar fortalecer a integração dentro da região através de fóruns como a Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (CELAC), criada explicitamente como um fórum regional que exclui os Estados Unidos e o Canadá.

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O presidente eleito Joe Biden prometeu ter a política externa como uma das prioridades de sua administração e retornar os Estados Unidos ao mundo e ao multilateralismo.

Do outro lado do espectro político, o presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, também se mostrou contrário ao evento, confirmando sua relação tensa com o atual presidente norte-americano. Dessa forma, Bolsonaro mantém seu assentimento em relação à Rússia, seu principal fornecedor de fertilizantes, e à China, seu principal parceiro comercial, demonstrando que a insatisfação dos governos latino-americanos com os EUA é generalizada.

Outros fatores também afetam a Cúpula das Américas, como a crise de legitimidade da OEA, agravada por sua crescente polarização e seu polêmico papel nas eleições bolivianas de 2019, e o apoio ou morna rejeição de diversos governos latino-americanos à invasão russa da Ucrânia.

A cúpula também enfrenta adversidades no país anfitrião. Há poucos meses das eleições de meio de mandato em novembro, o governo democrata de Biden precisa mostrar alguns ganhos em política externa, especialmente após a controversa retirada de suas tropas do Afeganistão em agosto de 2021. O governo Biden também enfrenta pressão de grupos hispânicos republicanos, que criticam a flexibilização das sanções contra Cuba e Venezuela nos últimos meses.

Em meio a essa situação complicada e à crise do multilateralismo nos níveis regional e global, a cúpula deve representar um avanço significativo em questões urgentes que exigem ação coordenada entre os países da região, como a emergência climática, a crise migratória, a cooperação sanitária e a recuperação econômica e social dos estragos deixados pela pandemia de Covid-19, além do realinhamento geopolítico global que a guerra na Ucrânia está causando.

Se realmente querem reconstruir pontes com seus vizinhos do sul, os Estados Unidos têm a oportunidade nesta cúpula de redesenhar sua estratégia regional e assumir o compromisso de fortalecer laços e restabelecer alianças sólidas e duradouras após décadas de negligência e menosprezo.

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