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Bloco 28: exploração petroleira que ameaça a Amazônia equatoriana

As comunidades indígenas da bacia dos rios Napo e Pastaza lutam para manter as montanhas vivas e livres do extrativismo

Andrés Tapia
20 Abril 2021, 12.01
As misteriosas montanhas azuis da minha infância acabaram sendo um tesouro de biodiversidade para todo o mundo
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Andrés Tapis

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Eu vivi e cresci no campo. As minha primeiras memórias se remontam a mais ou menos 1990, quando morava com minha família no Centro Fátima, uma fazenda de 28 hectares conhecida no Equador como uma experiência pioneira na conservação da floresta tropical úmida.

Dos degraus da casa, eu e minha irmã admirávamos as famosas "montanhas azuis", como meu pai as chamava devido a sua coloração peculiar. Décadas depois, durante minha carreira universitária como biólogo de campo, as conheceria como Andes subtropicais, correspondentes à Floresta Protegida Abitahua do Corredor Ecológico Sanday Llanganates, uma área de transição (ecotone) que conecta as encostas orientais dos Andes equatorianos com as planícies amazônicas.

Em nossa casa, meus parentes contavam inúmeras histórias e lendas sobre essas míticas montanhas, às quais muitos tentaram aceder guiados pelas fábulas de tesouros pré e pós incas, bem como pela sua fauna e flora selvagens. Mas naquela época, e na minha simples compreensão de jovem, poucas pessoas as haviam explorado — pelo menos que eu soubesse.

Ao longo dos anos, vários biólogos e pesquisadores se uniram às legiões históricas de expedicionários que adentraram suas selvas para desbravar uma das áreas mais biodiversas do planeta. Suas características biogeográficas deram origem a uma grande variedade de habitats e microclimas que permitem uma biodiversidade e endemismo de espécies extraordinária, assim como corpos de água abundantes: encostas, riachos e rios que descem através dos contrafortes.

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Por isso, a área é considerada um hotspot de biodiversidade, uma das cinco que existem no Equador junto com as Ilhas Galápagos, o Choro equatorial, as lagoas Cuyabeno e o Parque Nacional Yasuni – além de ter sido declarada, em 2002, como “Presente para a Terra” pelo WWF, o mais alto prêmio que esta organização concede à natureza.

As misteriosas montanhas azuis da minha infância acabaram sendo um tesouro de biodiversidade para todo o mundo.

Uma relação intrínseca

Cresci e aprendi a cuidar da natureza graças ao Centro Experimental de Fátima, um programa piloto de conservação da fauna amazônica da Organização dos Povos Indígenas de Pastaza (OPIP). Hoje chamada de Pastaza Kikin Kichwa Runakuna (PAKKIRU), continua sendo minha organização de base e conta com mais de 180 comunidades de base e 13 associações.

Após a histórica marcha Allpamanda, Kakwsaymanda, Jatarishun de 1992, liderada na época pela OPIP, o Estado protegeu mais de 1 milhão de hectares de floresta tropical, incluindo não apenas as cadeias montanhosas de Abitahua e Llangantes, mas também as grandes planícies das selvas das terras baixas historicamente habitadas por indígenas Kichwa de Pastaza.

Cresci cercado por estas histórias e experiências organizacionais, imbuído do espírito da luta coletiva dos Runakuna (homens e mulheres da floresta), para quem esta relação intrínseca entre o povo da selva e seu ambiente natural é evidente.

Para os Kichwa e os povos indígenas em geral, existe uma relação intrínseca com a água que vai muito além de suprir suas necessidades básicas. Existe uma relação espiritual íntima já que, de acordo com nossa cosmovisão, os ecossistemas aquáticos são o lar de seres imateriais, espíritos, deuses, supais (seres imateriais e espíritos da floresta), entre outros.

Uma questão de vida ou morte

As nascentes e encostas dos rios da cabeceira cantonal de Mera também se tornaram uma fonte de renda sustentável para a população local. Muitas comunidades sobrevivem neste recanto amazônico do interesse turístico na região, gerado pelas águas límpidas e cristalinas que atraem turistas nacionais e estrangeiros.

A renda que os empreendimentos de ecoturismo geram para as famílias locais é altamente valorizada, o que faz da conservação dos rios e florestas algo vital para a população local. Os homens e mulheres da floresta – indígenas ou camponeses – habitam estes cantos da floresta há gerações, mantendo uma relação poderosa com a água, os rios, a floresta e os riachos.

Isso fortalece o espírito de defesa e luta para evitar que qualquer fenômeno alheio à ideocultura local afete ou ameace a conservação das cabeceiras desses rios. Neles crescemos, aprendemos a nadar, conhecemos suas trilhas e aprendemos a dominar a orientação dentro da floresta.

Portanto, para nós, lutar para manter as Montanhas Azuis vivas e livres de petróleo, mineração ou exploração hidrelétrica é uma questão de vida ou morte.

A luta contra o Bloco 28

Atualmente, representantes da petroleira estatal Petroamazonas estão realizando processos de suposta "socialização petroleira" sobre o Bloco 28, chegando com ofertas de desenvolvimento e presentes para as diferentes comunidades. Eles não se preocupam com a realidade das comunidades e o tecido social cultural existente com a natureza que nos cerca na Amazônia – especialmente nas altas montanhas de Pastaza.

Mapa do Bloco 28 em Pastaza
Delimitação do Bloco 28 em Pastaza

Por isso, as forças vivas da província de Pastaza estão em estado de alerta: indígenas, camponeses, mestiços, operadoras de turismo. Nossa população lançou um manifesto que declara que a água e os recursos naturais não são negociáveis ​​com nenhuma petroleira. Somos defensores das águas, e de nossas terras nascem as principais bacias que alimentam o grande rio Amazonas: iremos defendê-las até as últimas consequências.

A partir de organizações de base, realizamos grandes assembleias em toda a província ao longo de 2019, nas quais emitimos resoluções consensuais ratificando a posição de combate à exploração do petróleo. É o caso das declarações do Povo Anzu do Rio Ancestral, da Comuna de San Jacinto del Pindo e do Povo Indígena Kichwa de Santa Clara, subsidiárias da Nacionalidade Kichwa de Pastaza, que ao mesmo tempo promove uma proposta de proteção da Floresta Viva ou Kawsak Sacha como patrimônio da vida para as gerações atuais e futuras.

Os límpidos rios das montanhas
De acordo com nossa cosmovisão, os ecossistemas aquáticos são o lar de seres imateriais, espíritos, deuses e supais
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Andrés Tapia

Esta é uma proposta alternativa para avançar em direção a uma fase pós-extrativa na qual a água e a natureza são colocadas acima dos grandes interesses econômicos e a vida acima dos negócios das companhias petrolíferas nacionais e transnacionais.

Estamos determinados a mostrar ao mundo a importância desta zona biodiversa e os danos que ocorrerão no caso de processos de extração de hidrocarbonetos na área, que destruirão a água e a vida de nossas montanhas azuis. Queremos aumentar a consciência de todos. Queremos que a voz das comunidades que decidiram dizer NÃO à exploração de petróleo seja ouvida.


Esta história faz parte da série 'Flamas da Amazônia', produzida pelo openDemocracy/democraciaAbierta. A equipe da CONFENIAE participou no Equador junto com jornalistas indígenas de Lanceros Digitales. A série é apoiada pelo Rainforest Journalism Fund do Pulitzer Center. Agradecemos os testemunhos e material gráfico fornecidos pelos membros das comunidades retratadas nesta história, que permanecem isolados por causa da Covid-19.

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