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Caos no Brasil à medida que o epicentro da pandemia chega ao Sul Global

Enquanto o Norte Global espera o sinal verde para retornar à (nova) normalidade, o Brasil vive o colapso do sistema de saúde em regiões vulneráveis. Español

Manuella Libardi
8 Maio 2020, 5.06
Homem dormindo na rua no Rio de Janeiro aguardando a abertura de agências bancárias para receber assistência do Governo Federal
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Fabio Teixeira/Zuma Press/PA Images

O coronavírus atiçou a atenção mundial em janeiro, quando a China começou a reportar a extensão do brote, iniciado no fim do ano passado. Quando chegou, como um furacão, na Itália, o mundo parou para assistir a devastação que se expandia para a Espanha e outras partes da Europa, até chegar nos Estados Unidos.

Agora que a pandemia está afetando partes mais pobres, as atenções voltam a se desviar. Neste momento, a mídia global e suas audiências querem notícias sobre quando os governos reabrirão o comércio. A população ocidental está com o pé no batente da porta da frente, esperando o sinal do recreio para desembestar para as ruas.

Enquanto o mundo se prepara para retornar à normalidade, ou alguma versão dela, a América Latina vê seus hospitais em colapso, suas populações originárias ameaçadas e seus cidadãos em guerra moral, debatendo se a pandemia é real o não.

Brasil: próximo epicentro da pandemia

Neste contexto, o Brasil é o caso mais assustador. Com mais de 9,100 mortes – 615 em um dia – o Brasil assumiu esta semana o sexto lugar no ranking mundial de vítimas fatais pela Covid-19 e a oitava posição em número de casos confirmados, somando mais de 135,000.

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Esta semana, foram publicados dois estudos – um de um conjunto de pesquisadores brasileiros e da universidade Johns Hopkins e outro de pesquisadores da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo) e da Universidade de Oxford— que projetam o Brasil como o novo epicentro global da pandemia.

Apesar das notícias alarmantes, os brasileiros acreditam ter a mesma capacidade de conter o vírus que os Estados Unidos – ou de se recuperar dele. Não podíamos esperar outra coisa em um país comandado por um presidente que desfila com a bandeira dos Estados Unidos e de Israel em uma manifestação contra o fim da quarentena. Enquanto Jair Bolsonaro desgoverna, o Brasil vai se encaminhando para o olho do furacão.

Impactos em regiões desfavorecidas

Crises globais têm impactos maiores sobre países do Sul Global e a pandemia não será diferente. O baque de lidar com centenas de mortes diárias não é igual na Itália ou Espanha, como é no Brasil. As regiões que mais sofrem com as infecções pelo coronavírus não são a zona oeste de São Paulo ou a zona sul do Rio de Janeiro. Estão em estados como Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas. Os números são os indicadores menos relevantes nesses cenários.

No Amazonas e no Ceará, 90% de todos os leites de UTI estão ocupados. Já no Maranhão, esse número chega a quase 97% e em Pernambuco a 98%

O Maranhão registra um total de 270 mortes pelo coronavírus. O Amazonas conta com aproximadamente 650 mortes, no total. Os números podem não assustar quem estava acompanhando os números europeus e norte-americanos.

Mas as taxas de ocupação de leitos de UTI mostram o que significa a chegada de uma pandemia em regiões menos privilegiadas. No Amazonas e no Ceará, 90% de todos os leites de UTI estão ocupados. Já no Maranhão, esse número chega a quase 97% e em Pernambuco a 98%. No Pará, 84% dos leitos estão ocupados. Fora da região Norte/Nordeste, o Rio de Janeiro é o único estado com uma taxa tão assustadora, com 98% de ocupação.

Isso significa que pessoas idosas, pacientes com doenças crônicas e populações de baixa renda não estão recebendo atendimento de saúde adequado. Significa, também, que milhares de pessoas continuarão morrendo, com o sem o vírus, meses ou anos depois que o país consiga aplanar a curva de contágio, diante de sistemas dilapidados em estados estrutural e historicamente negligenciadas.

A situação em muitas cidades da região é de caos. A população local em Belém derrubou o portão de um hospital público , logo após haver sido transformado em pronto-socorro exclusivo para casos do novo coronavírus. Após o anúncio da medida, dezenas de pessoas se dirigiram ao local e tentaram entrar à força. O portão do hospital foi derrubado e a polícia acionada.

Os ricos e privilegiados de Belém estão chegando a pagar R$ 120 mil para voar, em jatinhos de luxo equipados com UTI, para São Paulo e receber tratamento em hospitais estrelados.

Números duvidosos

Embora os efeitos severos estejam sendo sentidos em diferentes partes da América Latina, os números provavelmente não fazem jus ao cenário.

Entre os países mais afetados no mundo, o Brasil é o que menos fez testes

Entre os países mais afetados no mundo, o Brasil é o que menos fez testes. Com um pouco menos de 330,000 testes realizados, o Brasil testou um pouco mais de 1,500 pessoas para cada 1 milhão de habitantes. Em comparação, o Peru testou mais de 6,300 pessoas para cada 1 milhão. O Equador testou 4,600 e o Chile 12,100. Abaixo do Brasil está o México, que testou apenas 820 habitantes por cada 1 milhão.

Olhando para os países desenvolvidos, as taxas sobem para 41,100 por 1 milhão na Espanha, 38,000 na Itália, 32,900 na Alemanha, 24,000 nos Estados Unidos, e por aí vai.

Além da baixa execução de testes, o Brasil também conta com um alto índice de subnotificação. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que reúne dados atualizados em tempo real pelos cartórios de registro civil, as declarações de óbito apontam um número 48% maior de mortes por Covid-19 do que os dados oficiais apresentados pelo governo federal.

Efeitos a longo prazo

Enquanto progressistas e conservadores no Norte Global debatem se os atuais bloqueios e quarentenas representam uma reação exagerada ou se seria medieval fazer algo além de tentar evitar o maior número possível de mortes por coronavírus, os países ao sul da linha da pobreza esperam o pior chegar.

A pandemia causada pelo novo coronavírus vai acarretar recessões econômicas a nível global. Mas elas terão consequências desproporcionais no Sul Global. Países pobres, tenham eles sido golpeados pela Covid-19 ou não, serão os perdedores a longo prazo.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estima que as perdas de renda excedam US$ 220 bilhões em países em desenvolvimento. Com aproximadamente 55% da população global sem acesso à proteção social, essas perdas reverberarão em sociedades pobres, tendo impacto na educação, nos direitos humanos e, em muitos casos, na segurança alimentar e nutricional básica.

“Essa pandemia é uma crise sanitária. Mas não apenas uma crise sanitária. Para vastas áreas do mundo, a pandemia deixará cicatrizes profundas”, observou Achim Steiner, administrador do PNUD. "Sem o apoio da comunidade internacional, corremos o risco de uma reversão massiva de ganhos obtidos nas últimas duas décadas e uma geração inteira perdida, se não em número de vidas, em direitos, oportunidades e dignidade.”

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