democraciaAbierta: Opinion

A gestão catastrófica da pandemia no Brasil ameaça o mundo inteiro

A incapacidade de Bolsonaro de conter o surto foi além de criar uma tragédia nacional – produziu uma ameaça global.

democracia Abierta
10 Março 2021, 1.49
Parentes se abraçam durante um funeral no cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus (AM)
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Lucas Silva/dpa/Alamy Live News

Enquanto o mundo esperançosamente contempla a luz do fim do túnel pandêmico através da eficácia das medidas de isolamento, distanciamento social, uso exaustivo de máscaras e início de campanhas de vacinação em massa, há um ponto fraco que ameaça esse cenário: o Brasil.

À catastrófica negação do presidente Jair Bolsonaro diante do vírus soma-se agora a variante que surgiu no estado do Amazonas, que vem colocando o país – e o mundo – em alarme. A situação atual do país nos ensina algumas coisas sobre a Covid-19 e a importância de levar as epidemias a sério.

Conhecida como P.1, a nova variante do coronavírus que causa a Covid-19 não é só mais contagiosa, mas também parece ser capaz de infectar pessoas que já se recuperaram de outras versões do vírus, como sugerem estudos preliminares.

Acredita-se que a nova variante tenha surgido em meio ao caos vivido em Manaus, a cidade proporcionalmente mais afetada pela pandemia no segundo país mais afetado pela pandemia. E nem tudo é coincidência.

O Brasil vem vivendo seus piores dias de infecções e fatalidades desde que registrou o primeiro caso em fevereiro de 2020. Nesta terça-feira, 9 de março, o país registrou 1.954 mortes em 24 horas, o pior número desde o início da pandemia. A situação nos hospitais é cataclísmica, com a ocupação de leitos de UTI já em 100% em 17 municípios do país.

Se não é diretamente responsável por todo o caos, a gestão de Bolsonaro o é em grande parte. Como argumentou Robert Muggah, do Instituto Igarapé, a negação da gravidade da doença e a incapacidade de conter o surto, junto com sua cruzada antivacina, foi além de criar uma tragédia nacional – produziu uma ameaça global.

Brasil: terreno fértil para novas variantes

A incompetência – e resistência – de Bolsonaro de administrar a pandemia não é citada como motivo da situação atual no Brasil apenas por cientistas políticos, como Muggah. Em entrevista ao The Guardian, o neurocientista da Duke University, Miguel Nicolelis, exortou a comunidade internacional a pressionar o governo brasileiro por sua incapacidade de conter a pandemia.

O Brasil vacinou cerca de 4% da população. Nesse ritmo o Brasil levaria quatro anos para alcançar a imunidade de rebanho

Nicolelis explicou que a situação no Brasil gera um terreno fértil para variantes. Liderado por um presidente que continua negando a ameaça do vírus, que já matou quase 270 mil brasileiros, e questionando o uso de máscaras, o que fez recentemente em um dos dias de maior mortalidade do país, o Brasil permitiu que o vírus se reproduza em níveis que aumentam a possibilidade de mutações, disse o neurocientista.

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A proliferação do vírus nos níveis vistos atualmente no Brasil abre as portas para o surgimento de novas mutações e de variantes ainda mais letais, disse Nicolelis na entrevista..

"De que adianta controlar a pandemia na Europa ou nos Estados Unidos, se o Brasil ainda é terreno fértil para o vírus? ”, questionou, acrescentando que “o Brasil é um laboratório a céu aberto para o vírus se proliferar e criar mais mutações letais. É sobre o mundo. É global," alertou.

Campanha de vacinação lenta sem lockdown

Outro agravante no Brasil é a lentidão das campanhas de vacinação. Dados desta semana mostram que o Brasil vacinou pouco mais de 8 milhões de pessoas, o equivalente a 4% da população. Segundo especialistas, nesse ritmo o Brasil levaria quatro anos para alcançar a imunidade de rebanho.

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Em reunião recente, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) criticou o ritmo das campanhas de vacinação em toda a América Latina, alertando para o risco que a lentidão oferece para o surgimento de variantes mais resistentes.

Isso ocorre, entre outros motivos, porque o contato entre pessoas que receberam a vacina no início do processo favorece o surgimento de mutações "superpotentes" capazes de evadir a ação do imunizante, conforme explicam pesquisadores do Imperial College London e da Universidade de Leicester, segundo a BBC. Por isso, é fundamental combinar planos de vacinação com lockdowns, quarentenas e outras medidas de contenção do vírus, como explicam os pesquisadores britânicos.

No Brasil, essa lentidão se soma às variantes com a mutação E484k, que dribla os anticorpos, e aos altos níveis de contágio pela falta de medidas preventivas, que tornam o país uma ameaça não só para a sua população, mas também para o mundo. Desde janeiro, vários países fecharam suas fronteiras a voos vindos do Brasil para evitar a chegada de variantes perigosas.

Consequências do desgoverno de Bolsonaro

No começo da pandemia, Bolsonaro insistiu que o país não poderia parar por causa de uma "gripezinha", afirmando que as consequências econômicas seriam muito graves. Mas Bolsonaro parece ter se preocupado menos com as consequências econômicas da sua péssima gestão da pandemia.

A convicção, até agora confirmada pelas pesquisas, de que faça o que fizer a maioria continuará a votar nele faz com que Bolsonaro se sinta apoiado em sua política letal

Segundo o Valor Econômico, o maior jornal financeiro do Brasil, o custo da demora do governo federal para solicitar as vacinas contra a Covid-19 ao índice Bovespa, mais conhecido como Ibovespa, é de aproximadamente 13 mil pontos, ou 10%.

“A raiz do nosso problema, o que mais nos afetou este ano, foi a má gestão da vacinação”, disse o estrategista de mercado do UBS Wealth Management, Ronaldo Patah, ao jornal. “Se o governo tivesse fechado acordos lá atrás, o Ibovespa deveria estar perto da máximas, em 125 mil pontos, e não em 112 mil pontos”, disse.

No ano passado, o governo brasileiro rejeitou uma proposta da farmacêutica Pfizer, que previa o fornecimento de 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. O Ministério da Saúde afirmou que tomou essa decisão para não cair em um esquema de “marketing” por parte dos produtores de vacinas – ou seja, por razões políticas.

O estrategista do UBS Wealth argumentou que, se o governo federal tivesse comprado as doses em setembro, o Brasil hoje poderia estar vacinando a uma taxa semelhante à dos Estados Unidos.

Embora Bolsonaro não possa ser responsabilizado por todo o complexo processo de mutação do vírus e o desenvolvimento de uma pandemia sem precedentes na história moderna, é mais do que evidente que seu governo poderia ter contido o agravamento da situação através da aplicação de medidas simples que têm provou ser eficaz em muitos países.

Mas a ideia ultraconservadora de que as consequências econômicas das medidas restritivas são piores do que a morte de alguns milhares de cidadãos representa o desprezo absoluto pelas condições de vida das classes populares, o que no Brasil se soma a um forte racismo estrutural.

A convicção, até agora confirmada pelas pesquisas, de que faça o que fizer a maioria continuará a votar nele faz com que Bolsonaro se sinta apoiado em sua política letal. Mas nem o país nem o mundo podem esperar as próximas eleições para ver uma mudança na atitude do governo brasileiro. Somente uma pressão internacional coordenada poderá impedir novas variantes perigosas e salvar milhares de vidas, não só no Brasil, mas no mundo inteiro.

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