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Na Colômbia não há massacres – apenas 185 vítimas de 'homicídios coletivos' até agora no ano

Trinta dias em que ocorreram massacres na Colômbia toda semana. Trinta dias de declarações confusas. Trinta dias que marcarão agosto de 2020 como o mês em que o terror voltou ao país e o governo nada fez.

democracia Abierta
4 Setembro 2020, 12.01
Foto do funeral das cinco crianças assassinadas em Llano Verde
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Foto especial para democraciaAbierta.

Os números dos assassinatos coletivos em agosto na Colômbia são assustadores.

Em 2 de agosto, na zona rural de La Gabarra, Norte de Santander, seis camponeses foram massacrados. No dia 12 de agosto, em Llano Verde, Cali, cinco crianças foram mortas. No dia 13 de agosto, em Corinto, Cauca, foram dois indígenas. Em 15 de agosto, em Samaniego, Nariño, foi a vez de oito estudantes. No dia 18 de agosto, na reserva indígena Pialapí, em Pueblo Viejo, três indígenas foram massacrados. No dia 21 de agosto, em Tambo, Cauca, seis camponeses. No dia 21 de agosto, em Arauca, cinco camponeses. Em 22 de agosto, na área rural de La Guacamaya em Llorente, Tumaco, foram outros seis camponeses. No dia 26 de agosto, na estrada que liga os municípios de Ocaña e Ábrego em Norte de Santander, três jovens foram assassinados. Em 28 de agosto, nos Andes, Antioquia, três jovens. Total de agosto: 47.

Essa é a lista do mês passado. Pode parecer inacreditável para muitos, mas a realidade, como sempre, é mais do que ficção. De acordo com dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), até agora em 2020, 185 pessoas foram mortas em 46 massacres, definido como o assassinato de pelo menos duas pessoas em um mesmo evento. O mapa a seguir mostra os massacres por departamento (estado) e o número de pessoas que morreram em cada um.

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Mapa de Indepaz sobre las masacres en Colombia en 2020. | Indepaz

O que está acontecendo?

Em primeiro lugar, há definitivamente uma deterioração na segurança do país que se reflete em ataques às forças públicas, massacres e conflitos entre organizações criminosas. Além disso, este ano houve um aumento no número de ataques entre organizações criminosas e grupos armados ilegais.

Em 2006, as Autodefesas Unidas Colômbia (AUC), mais conhecidas como paramilitares, se desmobilizaram, pelo menos no papel. Após este desarmamento, eclodiu uma guerra entre várias organizações pelo controle dos territórios. Então, em 2016, após a assinatura do Acordo de Paz, estes confrontos se intensificaram ao ponto de hoje as vítimas serem as comunidades.

Mas o governo continua culpando a todos, menos a si: Juan Manuel Santos, a paz, a guerrilha, mas ninguém no Estado está procurando uma solução. A incerteza sobre quem está por trás dos massacres só contribui para agravar a situação.

Enquanto isso, o governo do presidente Iván Duque continua a colocar a culpa da violência sobre os mesmos atores. Como mostra esta declaração do ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, segundo o El País: "Os massacradores de hoje são os mesmos de ontem e pelas mesmas razões. Ex-FARC, o Exército de Libertação Nacional, grupos de tráfico de drogas e criminosos de todos os tipos". Mas os números contam uma história diferente.

Segundo o Centro de Memória Histórica, embora todos os grupos tenham usado massacres como métodos de controle e terror, dos 1.982 massacres ocorridos entre 1985 e 2012, 58% foram perpetrados por paramilitares (os mesmos que haviam se "desmobilizado" em 2006).

Além disso, o conflito na Colômbia e, portanto, seus autores, sofreu uma mutação. Segundo Christoph Harnisch, o último chefe da delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em entrevista ao El País, há pelo menos cinco conflitos armados internos na Colômbia. Um envolvendo o Exército de Libertação Nacional (ELN), considerado o último grupo guerrilheiro do país, que veio se fortalecendo até se tornar o mais ativo; outro envolvendo a estrutura do Clã do Golfo, que surgiu a partir dos remanescentes dos grupos paramilitares; outro com o Exército de Libertação Popular (EPL), que vem se fortalecendo desde 2017; com os dissidentes das FARC, ou seja, aqueles que se afastaram do Processo de Paz; e o último entre o ELN e o EPL, que estão lutando em algumas áreas do país.

Como se tudo isso não fosse suficiente, a ONG revelou que, desde a assinatura do Acordo de Paz, 466 casos de desaparecimento foram registrados no sul do país.

“Homicídios” ou “homicídios múltiplos”

O número excessivo de massacres em agosto fez o mundo voltar seus olhos para a Colômbia, mesmo no meio da pandemia de Covid-19. Isso é apenas um sintoma do óbvio: alguém tem que agir.

Obrigatoriamente, o Estado deve a assumir esse papel. No entanto, a reação governamental tem sido, no mínimo, desanimadora. Embora os números falem por si só, em 22 de agosto – quando o presidente Duque chegou a Chachagüí, Nariño, para se dirigir à comunidade do sudoeste do país após o massacre de oito estudantes em Samaniego – ele usou a palavra "homicídios" para se referir a esses eventos, um termo que foi endossado nesse mesmo dia pelo ministro da Defesa Holmes Trujillo, que os caracterizou como "homicídios múltiplos".

Soma-se a isso a indignação com as declarações do presidente Duque no Twitter, em que enfoca no número de mortes violentas entre 2010 e 2018, anos do mandato de Santos, em comparação com as mortes entre 2019 e 2020.

Nos causam dor as mortes causadas pela violência do narcotráfico e do terrorismo. Entre 2010 e 2018, nosso país sofreu 189 homicídios coletivos e, entre 2019 e 2020, 34 ocorrências dessa natureza. Continuaremos lutando contra as FARC, ELN, o Clã do Golfo, cartéis e outros dissidentes.

Uma análise superficial dos dados do gráfico que o presidente compartilhou nas mídias sociais mostra o seguinte: tomando a média de vítimas e casos por ano em cada um dos grupos do gráfico, o país teve uma média de 23,6 massacres por ano entre 2010 e 2018, e uma média de 109,6 vítimas. Ao fazer o mesmo exercício para os anos de 2019 e 2020, a média é de 17 massacres por ano e 86,5 vítimas. Se pararmos aí, somos obrigados a concordar com a afirmação do presidente. No entanto, o gráfico não conta as vítimas do mês de agosto, e o ano ainda tem mais quatro meses pela frente. Isso sem contar a falta de respeito pelas vítimas, como se o presidente quisesse lavar suas mãos usando um gráfico que, estatisticamente, é duvidoso.

Se voltarmos aos números do Indepaz, vemos que o presidente usa cifras escolhidas a dedo. O centro de investigação relata 46 massacres, não 17, e 185 mortes, não 85, o que indica que os números e 2020 devem exceder em muito os de qualquer ano do mandato de Santos.

Por sua vez, em 2017, segundo a ONU, ocorreram 11 massacres; em 2018, 29 e no ano passado, 36. O que mostra, novamente, a defasagem dos números do presidente.

Além dos números, o importante é destacar que os massacres geram terror nas comunidades e são a causa de outros tipos de violência, como o deslocamento forçado. Para citar apenas dois casos: este ano em El Catatumbo, na fronteira com a Venezuela, onde ocorreram cinco massacres, 2.600 pessoas fugiram de seus territórios. Além disso, ontem, 3 de setembro, ocorreu um novo deslocamento em massa em Cáceres, Antioquia, conforme mostram as imagens abaixo:

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Fotos del desplazamiento en Cáceres el 3 de septiembre de 2020. | Foto especial para democraciaAbierta.

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Fotos del desplazamiento en Cáceres el 3 de septiembre de 2020. | Especial para democraciaAbierta

A verdade é que o governo de Duque continua a afirmar que a escalada da violência é incompreensível, algo que naturalmente está além de seu controle. Enquanto isso, os "homicídios" continuam, ninguém propõe uma solução e o medo toma conta dos territórios que são vistos como lugares distantes, de "realismo mágico", onde os fatos vão além de qualquer explicação.

A responsabilidade do governo é agir rápida e efetivamente para esclarecer o que está acontecendo e trazer os responsáveis à justiça. A evidente negligência dessa responsabilidade fomenta a impunidade e torna o governo co-responsável pelo intolerável aumento de massacres na Colômbia, um país que merece outro futuro, outros governantes.

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