E agora de novo, tudo indica que esta última onda de abertura, desregulação e privatizações que foram responsáveis pelo aumento da desigualdade, da miséria e da fome no país está chegando ao fim, e o Brasil poderá então retomar o caminho interrompido da reconquista dos direitos sociais e trabalhistas de sua população, de proteção da sua natureza, e de expansão de seus graus de soberania internacional.
O Brasil tem a seu favor, nesta conjuntura mundial de guerra entre as grandes potências, e de crise energética, alimentar e hídrica em quase todo o mundo, a sua própria autossuficiência em fontes de energia, em grãos, e em disponibilidade de águas. Seu maior problema não está deste lado, está na forma desigual em que esta riqueza está distribuída e a grande resistência de sua classe dominante à qualquer tipo de política redistributiva. E neste ponto não há como enganar-se: é impossível avançar no plano da soberania externa do país sem avançar na luta contra a sua desigualdade social interna, o que exigirá do novo governo brasileiro a declaração de uma verdadeira guerra interna contra a miséria e a desigualdade de sua população. A raiz última deste problema remonta sem dúvida aos 350 anos de escravidão que ainda pesarão por muito tempo sobre as costas da sociedade brasileira, somando-se às consequências sociais deletérias da longa ditadura militar do século passado. Período em que os militares dividiram ainda mais os brasileiros ao criar a figura do “inimigo interno” do país formado por seus próprios compatriotas que foram combatidos com as armas do próprio Estado brasileiro. Uma aberração histórica, que também pesará ainda por muito tempo sobre o país, e que foi imposta ao Brasil pela vassalagem internacional dos seus militares. Neste sentido, também não haverá como avançar na luta pela soberania do país sem fazer uma revisão radical da posição interna e externa das FFAA brasileiras.
A resistência será enorme e virá de uma coalizão de forças que se consolidou nos últimos anos dentro do país à sombra do fanatismo ideológico e religiosos de uma “nova direita” que somou seu fascismo caboclo ao ultraliberalismo econômico da “velha direita” primário-exportadora e financeira, que agora é liderada pelo agrobusiness do centro-oeste, formando uma coalizão de poder “líbero-teológico-sertanejo” que financia a sua “vanguarda miliciana carioca” e inclui também os militares brasileiros que voltaram à cena aliados à direita, como sempre, mas agora convertidos ao catecismo econômico neoliberal. Assim mesmo, apesar destes obstáculos internos, é possível o Brasil superar este momento amargo da sua história e retomar o caminho de construção da sua soberania demarcando seu lugar dentro deste novo mundo multipolar e agressivo que está se configurando à nossa frente. O Brasil não tem inimigos na América Latina, e seria um absurdo ou loucura iniciar uma corrida armamentista com nossos vizinhos, ou mesmo submeter-se à corrida militar de outros países dentro do continente latino-americano. Pelo contrário, o Brasil deve procurar ocupar no futuro o lugar de uma “grande potência pacificadora” dentro do sistema no seu próprio continente e dentro do sistema internacional.
Assim mesmo, uma coisa é certa, se o Brasil quiser redesenhar sua estratégia internacional e assumir esta nova posição continental e internacional “não há dúvida que terá que desenvolver um trabalho extremamente complexo de administração de suas relações de complementariedade e competição permanente com os Estados Unidos, sobretudo, e também – ainda que seja em menor grau – com as outras grandes potências do sistema interestatal. Caminhando através de uma trilha muito estreita e durante um tempo que pode prologar-se por várias décadas. Além disto, para liderar a integração da América do Sul e o continente latino-americano dentro do sistema mundial, o Brasil terá que inventar uma nova forma de expansão continental e mundial que não repita a “expansão missionária” e o “imperialismo bélico” dos europeus e dos norte-americanos” [Fiori em “A inserção internacional do Brasil e da América do Sul”]
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