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O FMI impõe mais austeridade ao Equador, embora pregue o contrário

O FMI que aparece nas reuniões anuais não é o mesmo FMI que elabora os programas de empréstimos, como mostra o caso do Equador.

Lara Merling
16 Outubro 2020, 8.13
Graffiti que diz: "FMI, vamos bem", durante os protestos em massa contra o FMI em Quito, Equador, em outubro de 2019
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Francesc Badia i Dalmases

Em seu discurso de abertura da reunião anual deste ano, a diretora administrativa do FMI Kristalina Georgieva alertou para os perigos de uma recuperação desigual e da desigualdade crescente. Falou também da necessidade de uma recuperação inclusiva. Caso contrário, Georgieva advertiu, corremos o risco de recriar o mundo distópico do romance "Um Conto de Duas Cidades" de Charles Dickens.

Poucos dias antes desse discurso, o FMI publicou seu último acordo de empréstimo com o Equador. Nele, encontramos exatamente as mesmas prescrições políticas contra as quais Georgieva advertiu.

A discrepância entre a retórica do FMI e suas ações não é nova. Há anos, o departamento de pesquisa do FMI mostra que a austeridade e muitas das reformas impostas pelo FMI agravam a desigualdade, enquanto os líderes falam de um FMI que apoia o "crescimento inclusivo".

O programa de empréstimos para o Equador inclui as mesmas políticas fracassadas do passado: austeridade, cortes nos investimentos públicos, supressão de salários, privatização e desregulamentação

Enquanto o mundo se encontra no meio da pior crise em um século, Georgieva, juntamente com o economista-chefe do FMI, desenvolveu um plano para uma recuperação inclusiva que defendia políticas que apoiassem uma recuperação inclusiva, rica em empregos e contra a austeridade. O FMI também publicou pesquisas promovendo os benefícios do investimento público.

Entretanto, o programa de empréstimos para o Equador inclui as mesmas políticas fracassadas do passado: austeridade, cortes nos investimentos públicos, supressão de salários, privatização e desregulamentação. Frases como "proteger os mais vulneráveis" aparecem nos documentos juntamente com as políticas que dificilmente alcançarão esse objetivo.

Para piorar a situação, de acordo com a própria descrição do FMI, o programa procura "avançar a agenda de reformas estruturais iniciada sob o [acordo] anterior". O acordo do ano passado desmoronou após violentos protestos e rejeição do povo equatoriano.

A principal exceção no novo empréstimo é permitir alguns gastos adicionais temporários relacionados à Covid-19, o que dificilmente compensará os cortes anteriores nos gastos com saúde que ocorreram sob a supervisão do FMI. Não há reconhecimento do FMI de como esses cortes prejudicaram gravemente a capacidade do Equador de administrar a pandemia de Covid-19.

Austeridade ainda está no cerne do novo acordo, com o FMI exigindo rápida consolidação fiscal através de aumentos de impostos, principalmente na forma de impostos sobre vendas, e cortes de gastos visando diretamente o investimento público e os trabalhadores do setor público.

O programa de reforma estrutural segue a receita típica do Consenso de Washington de "remover a rigidez salarial e de preços, melhorando a confiabilidade e a eficiência do setor energético e dos mercados de capitais". O acordo também levou o Equador a estabelecer uma legislação para facilitar as parcerias público-privadas, apesar das crescentes evidências de que estas frequentemente resultam em serviços de menor qualidade e mais caros.

O novo programa de empréstimos visa os trabalhadores equatorianos, com o objetivo explícito de baixar seus salários. O FMI afirma que isso "impulsionará a competitividade". Os trabalhadores do setor público são visados diretamente: o programa exige uma "racionalização das despesas salariais" a ser realizada através de demissões e cortes salariais. Para aqueles do setor privado, a "reforma trabalhista" visa colocar os trabalhadores em uma posição precária e diminuir ainda mais seus salários.

O programa afirma que essas medidas tornarão o Equador mais atraente para investidores estrangeiros, que ajudarão o país a se recuperar. Essas são as mesmas suposições que não se materializaram repetidas vezes

Essas medidas devem ser mitigadas por meio de maiores gastos sociais. No entanto, os esquemas que o FMI propõe em colaboração com o Banco Mundial geralmente deixam de fora os mais vulneráveis. Além disso, é improvável que acompanhem os aumentos acentuados da pobreza e do desemprego.

Apesar de o FMI ter publicado recentemente uma pesquisa destacando os benefícios do investimento público e o impacto positivo que ele pode ter – especialmente durante uma crise – tanto no emprego quanto no crescimento, o FMI pede que o Equador reduza seus investimentos públicos e seus gastos de capital.

O programa afirma que essas medidas tornarão o Equador mais atraente para investidores estrangeiros, que entrarão em ação e ajudarão o país a se recuperar. Essas são as mesmas suposições que não se materializaram repetidas vezes, mesmo antes de o mundo inteiro estar no meio de uma pandemia e de uma crise econômica.

O programa do FMI para a Argentina, de 2018, é um exemplo recente de como essas reformas se materializam no mundo real: uma economia esmagada e pobreza crescente.

O programa do Equador é apenas um sinal do que podemos esperar ver em outros programas de empréstimo. O FMI se prontificou para fornecer empréstimos de emergência em resposta à crise Covid-19. Esses empréstimos, de escopo relativamente pequeno, não traziam restrições.

No entanto, os documentos do empréstimo traçam um quadro claro do que os programas futuros podem implicar e os planos dos governos em colaboração com o FMI. O FMI projeta que a consolidação fiscal ocorrerá em 72 dos 80 países que receberam fundos de emergência no próximo ano e que todos os 80 alcançarão a consolidação fiscal dentro de três anos, como mostra um relatório detalhado da Eurodad.

O FMI deve procurar evitar esse cenário desastroso, ajudando os governos a expandir os impostos progressivos e corporativos e ajudando todos os países a coordenar medidas de estímulo para o emprego e o desenvolvimento sustentável. O que não deve fazer é continuar a impor medidas de austeridade que aumentam a desigualdade.

O FMI que aparece nas reuniões anuais não é o mesmo FMI que elabora os programas de empréstimos.

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