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Guatemala em chamas: nova onda de protestos percorre a América Latina

A Guatemala pegou fogo no fim de semana, juntando-se à onda de protestos na América Latina. O povo está mostrando que não será um mero espectador das crises políticas, econômicas, institucionais e sociais que assolam a região.

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24 Novembro 2020, 10.49
Milhares de guatemaltecos saíram às ruas nos dias 21 e 22 de novembro em manifestações contra o governo de Alejandro Giammattei
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Prensa Libre

A Guatemala pegou fogo no fim de semana. Literalmente. Milhares de manifestantes saíram às ruas de cidades de todo o país no sábado (21) e domingo (22), uma mobilização que culminou com um grupo ateando fogo a uma ala do edifício do Congresso.

O estopim dos protestos foi um polêmico projeto de lei orçamentária para 2021 – o maior da história da Guatemala, alcançando quase US$ 13 bilhões – que propunha cortes financeiros para assistência alimentar a mães e crianças, para o sistema hospitalar do país e para o sistema judicial. Paralelamente, este orçamento aumentou a contribuição para a alimentação de deputados e funcionários públicos, bem como a contribuição para infraestruturas, beneficiando empresas e construtoras.

Em um país com a sexta maior taxa de desnutrição crônica do mundo, afetando cerca de metade de todas as crianças menores de cinco anos, o corte de US$ 25 milhões para combater a desnutrição causou indignação em todo o país, forçando o Congresso a aprovar uma emenda para restaurar esses fundos.

No entanto, a retificação não foi suficiente para apaziguar a ira do povo. A lei orçamentária foi apenas a gota d'água em um cenário de insatisfação social que já vinha ganhando força nos últimos anos.

Dois furacões em duas semanas

A velocidade com que o Congresso aprovou o orçamento para 2021 contrasta com a inação do governo durante as enchentes causadas pelas chuvas torrenciais causados pelo furacão Iota, que assolaram o Caribe e a América Central nas primeiras semanas de novembro.

Tempestades tropicais deixaram milhares de guatemaltecos desabrigados, enterraram mais de 100 indígenas em deslizamentos de terra e destruíram plantações de subsistência em vastas áreas do país.

Iota atingiu a costa enquanto o furacão Eta ainda causava desastres em toda a região. Juntos, os furacões deixaram pelo menos 53 mortos, 94 desaparecidos, mais de 100 mil desabrigados e 211 mil evacuados na Guatemala.

Muitos setores da sociedade julgaram que o governo de Alejandro Giammattei – um líder de direita – não ofereceu a ajuda necessária às populações atingidas, o que já havia causado indignação entre os cidadãos. Giammattei foi especialmente criticado pela incapacidade das autoridades de proteção em alertar as populações em risco.

Além disso, pouco antes das tempestades, Giammattei vetou um projeto de lei aprovado pelo Congresso para congelar as tarifas de serviços, como eletricidade, água, transporte, em um esforço para aliviar os efeitos da Covid-19.

Covid-19 e a crise econômica

Para fazer frente à pandemia, o Congresso aprovou um aumento de US$ 2,2 bilhões no orçamento de 2020 como auxílio emergencial para famílias de baixa renda.

Em apenas dez meses no cargo, Giammattei já acumulou uma série de críticas que vão além da pandemia e dos furacões

Este "Bono Familia" prometia pagar US$ 390 em três prestações. Porém, oito meses após o primeiro caso de Covid-10 no país, em março, muitos acreditam que a distribuição da ajuda tem sido, no mínimo, irregular. A ONG Paraíso Desigual estima que apenas US$ 292 serão entregues no total e que o governo priorizou a distribuição da ajuda na região central do país, negligenciando os departamentos mais pobres.

A má gestão do auxílio emergencial deu origem a um dos principais gritos de protesto ecoado pela população no fim de semana: Onde está o dinheiro?

Sua gestão da crise sanitária teve um forte impacto na popularidade de Giammattei. Em abril, no início da pandemia, o presidente conseguiu elevar sua popularidade para 86% graças às primeiras medidas de contenção do novo coronavírus. Em outubro, sua aprovação havia despencado para 21%.

Crise política

Em apenas dez meses no cargo, Giammattei já acumulou uma série de críticas, que vão além da pandemia e dos furacões. Já nas primeiras semanas da sua presidência, a imprensa local publicou denúncias de que Giammattei estava usando seu cargo para beneficiar empresários aliados ou diretamente ligados a sua gestão, como é o caso de Luis Miguel Martínez.

Em janeiro, Giammattei confirmou a nomeação de Martínez como chefe do recém-criado Centro de Governo, órgão que regula os 14 ministérios e que dá a Martínez grande poder político. Giamattei e Martínez são sócios de uma empresa com contratos com o governo, laços comerciais fortemente questionados pela imprensa guatemalteca.

A imprensa também levantou suspeitas de que os fundos de emergência da pandemia foram desviados por altos funcionários do governo. As investigações realizadas por promotores locais sobre essas duas questões foram bloqueadas pela Corte Suprema de Justiça da Guatemala.

Em uma região que já acumula uma série de crises políticas, econômicas, institucionais e sociais, o povo está mostrando que não será um mero espectador desta anunciada tragédia

As suspeitas de corrupção do governo de Giammattei também estiveram entre as demandas dos manifestantes do último fim de semana, que exigiram a renúncia do presidente.

As críticas a Giammattei aprofundam uma crise política de longa data no país. Em 2015 e 2017, os guatemaltecos saíram às ruas para protestar casos de corrupção envolvendo seus respectivos presidentes. O movimento social de 2015 foi apelidado de "primavera guatemalteca" por sua dimensão e impacto, uma vez que contribuiu para a renúncia do presidente Otto Pérez Molina em setembro do mesmo ano.

Os protestos na Guatemala são os mais recentes de uma série de revoltas sociais que marcam a realidade latino-americana desde 2019.

No mês passado, o Chile se viu novamente em meio a uma onda de protestos violentos no primeiro aniversário da revolta social de outubro de 2019. Mostrando sua indignação, os chilenos conseguiram abrir um processo constitucional para substituir a atual constituição, herdada dos tempos do general Augusto Pinochet.

Neste mês, os peruanos também saíram às ruas do país após a decisão do parlamento de remover o presidente Martín Vizcarra por incapacidade moral.

Em uma região que já acumula uma série de crises políticas, econômicas, institucionais e sociais, a pandemia tem o potencial de levar a América Latina à beira do caos se os governos não reagirem a tempo. O povo está mostrando que não será um mero espectador desta anunciada tragédia.

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