Também é necessária uma dose de realismo político para que esses diálogos — e esperamos que as negociações — atendam às necessidades regionais, com transformações a serem implementadas no curto, médio e longo prazo, acompanhado de cessar-fogo sustentado e verificável. Soma-se a isso o momento organizacional pelo qual passa o ELN e os desafios de sua ingerência binacional, com unidades mais degradadas, possíveis conflitos no comando e processos decisórios internos típicos de um processo político-militar que ainda não conhecemos. Além disso, muitas análises cometem o erro de equacioná-la com as antigas FARC-EP. Todos os itens acima devem ser considerados na decisão de negociar com toda ou parte da organização.
Um terceiro elemento são as medidas relacionadas à dissidência das ex-FARC-EP e à submissão à justiça de outros grupos, como as Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC). Este fenômeno, que vem evoluindo há seis anos de forma fragmentada e sem um projeto comum, se tornou uma das principais fontes de violência, por exemplo, contra ex-combatentes.
Muito falou-se sobre uma reincorporação desses grupos após o Acordo de Paz de 2016. No entanto, a hipótese de retorno ao rebanho não parece viável, uma vez que a janela de oportunidade que existia há alguns anos já se fechou. Além disso, as lideranças que se retiraram do processo de paz, tachados de "traidores", hoje estão em conflito entre si. Esses grupos não serão reconhecidos politicamente, nem serão objeto de uma nova negociação, mas é positivo que Petro reconheça que este é um problema político que requer soluções políticas e jurídicas que vão além das de curto prazo, como a prisão de líderes ou tratá-los como cartéis de narcotráfico.
Em relação às AGC, argumentei que a submissão não pode se limitar ao aparato armado, mas, sobretudo, deve considerar seus vínculos com os setores público e privado — que foram instrumentais de duas maneiras. As AGC reúnem muitas trajetórias e legados da guerra na Colômbia. Se o país minimizá-las a um grupo de líderes, sem levar em conta suas redes, e terceirizar suas lógicas com diferentes atores armados e de alcance transnacional, cairá em uma nova subjugação ou “pequena paz” sem nenhuma transformação real.
O presidente eleito deu alguns indícios sobre seu posicionamento nessa questão. Petro enfatizou a necessidade de reformar o arcabouço legal da submissão à justiça e permitir a submissão coletiva com garantias e segurança tanto para as vítimas quanto para quem se submete, assim como garantias de não repetição, especialmente em relação àqueles que se beneficiaram desse grupo armado e do paramilitarismo em geral. Um desafio enorme.
Por fim, a esses elementos somam-se linhas estratégicas que tornariam as “pequenas pazes” em uma agenda de paz mais abrangente. São importantes os diálogos que Petro manterá com setores e adversários políticos, que não se limitam às maiorias legislativas e que possam potencializar dívidas pendentes com o país, como as agendas de convivência, não estigmatização e (re)conciliação.
Ele também apoia o sistema de justiça transicional, que deve garantir sua independência e solidez financeira. Da mesma forma, demonstrou apoio à reforma do setor de segurança, mencionada nas recomendações do relatório da Comissão da Verdade, que deve contemplar as transformações que vêm ocorrendo nos últimos 20 anos, fortalecer a liderança civil, buscar construir confiança entre a sociedade e o Estado (a força pública registra os piores índices de aprovação de sua história) e assumir seu passado abusivo, entre outros aspectos.
Da mesma forma, o governo deve promover uma mudança no paradigma de segurança, que precisa garantir o controle territorial de acordo com os tipos de ameaças e se basear nos princípios de prevenção e proteção, além de abandonar a lógica da estigmatização.
É claro que o presidente eleito observou e criticou a situação de segurança e reconhece a necessidade de uma paz que não se limite a acordos entre organizações armadas. Semana após semana, o contexto político torna-se mais favorável para que sua aposta seja realizada.
Muitos de nós esperamos que Petro consiga superar os obstáculos e sabotadores e nos permita contemplar a ilusão de uma Colômbia capaz de sair do eterno impasse entre paz e guerra.
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