Enquanto a Argentina, depois de uma longa luta feminista, celebra a legalização do aborto, Honduras está nos antípodas. Hoje, Honduras é o país latino-americano com as leis mais repressivas contra a medida. Na última quinta-feira (21), 88 parlamentares aprovaram a reforma que proíbe absolutamente o aborto.
Chamada de "escudo contra o aborto", a reforma do Artigo 67 visa evitar que o aborto seja legalizado no futuro em Honduras. A reforma surgiu em resposta ao imparável movimento feminista verde que busca defender os direitos da mulher e legalizar o aborto gratuito em todos os países da América Latina.
O aborto em Honduras é ilegal sob quaisquer circunstâncias, incluindo em casos de estupro, incesto e perigo para a saúde da mãe ou do feto. O Código Penal hondurenho afirma que "o aborto é a morte de um ser humano a qualquer momento durante a gravidez ou durante o parto". A proibição é tal que qualquer pessoa que auxilie uma mulher a fazer um aborto pode ser criminalmente acusada e encarcerada. O governo também proíbe o uso da pílula do "dia seguinte".
Mulheres protestando a favor da legalização do aborto | Creative Commons
Para as ativistas feministas, esta iniciativa é um precedente regressivo que poderia ser replicado no resto da região. A relutância em suavizar a lei em Honduras foi observada em 2017, quando a tentativa de aprovar uma lei de descriminalização do aborto em casos de incesto e estupro recebeu apoio de apenas 8 dos 128 parlamentares.
"Vivemos em uma sociedade extremamente conservadora, mas esta é uma questão de saúde pública", diz Beatriz Valle, ex-parlamentar hondurenha.
A nova reforma constitucional também exclui a possibilidade de que uma decisão judicial possa limitá-la ou que uma nova constituição possa modificá-la, impondo um bloqueio absoluto para impedir que mulheres tenham acesso a abortos seguros.
"La Línea"
Em resposta à criminalização do aborto, nasceu em Honduras um serviço clandestino chamado "La Línea" (A Linha), que há anos ajuda mulheres que não têm a quem recorrer.
Mencionada discretamente entre amigos e conhecidos através de folhetos distribuídos em universidades e escolas em Tegucigalpa, capital do país, La Línea era um simples número de telefone que qualquer mulher hondurenha podia ligar e pedir informações sobre o aborto.
Arquivo pessoal
As mulheres por trás da La Línea são voluntárias e se mantêm no anonimato. Em um país católico com uma crescente influência de igrejas evangélicas, todo e qualquer assunto sobre aborto e qualquer iniciativa para apoiá-lo é considerado pecado.
Apesar disso, La Línea nasceu em 2016 e se tornou tão popular que, em 2018, decidiu expandir seu alcance. Em uma jogada arriscada, suas criadoras tentaram colocar um anúncio no popular jornal La Tribuna, incluindo o número de telefone que as mulheres poderiam ligar. O jornal recusou-se a publicá-lo e, pouco depois, o número de telefone da organização parou de funcionar.
As mulheres por trás da La Línea entenderam que La Tribuna havia denunciado o número, o que as colocou em uma situação precária. Se mudassem o chip do telefone, milhares de mulheres que tinham esse número seriam deixadas à deriva. Assim, alguns meses depois, em outubro de 2018, elas compraram outro telefone e, para sua surpresa, puderam retomar o serviço com o mesmo número.
La Línea permanece ativa clandestinamente e sem nenhuma certeza de quanto tempo será capaz de se manter.
Cifras de horror
Em um país com uma das maiores taxas de homicídios do mundo, uma mulher morre de forma violenta a cada 22 horas. Além disso, uma em cada quatro mulheres foi vítima de abuso sexual. De acordo com uma pesquisa governamental, 40% das gravidezes indesejadas no país são resultado de estupro, enquanto mais de 30 mil meninas e adolescentes entre 10 e 19 anos deram à luz no último ano.
De acordo com um relatório de 2019 da Humans Right Watch (HRW), entre 50 mil e 80 mil abortos são realizados a cada ano no país centro-americano. Todos esses abortos são feitos de forma ilegal e clandestina
A questão do aborto precisa ser abordada para além da esfera repressiva e incluir questões como educação sexual, educação reprodutiva e formas de contracepção. Honduras precisa urgentemente revisar os direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres em Honduras para permitir ações políticas concretas.
A Covid-19 traz mais violência
O confinamento resultante da crise da Covid-19 agravou a situação das mulheres em Honduras.
Em 2020, mais de 800 meninas entre 10 e 14 anos deram à luz e a linha direta recebeu mais de 100 mil ligações de mulheres vítimas de violência doméstica, incluindo abuso sexual e falta de cuidado e educação reprodutiva.
Diante disso, a posição do presidente Juan Orlando Hernández e de seu partido, Partido Nacional, permanece a mesma expressa em 2017 diante da possível descriminalização do aborto em casos de incesto, estupro e malformações fetais: "o único que pode dar e tirar a vida é Deus".
Este é o contexto no qual a nova reforma foi votada, condenando as mulheres hondurenhas a continuar buscando ajuda clandestina e a se submeter a abortos ilegais, perigosos e, em muitos casos, mortais.
O movimento feminista latino-americano e todos aqueles que trabalham pelos direitos humanos têm um desafio colossal pela frente: o de evitar a perpetuidade dessa injustiça gravíssima na terceira década do século 21.
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