democraciaAbierta: Analysis

A inconstitucionalidade de lei pró-CPI após 21 anos de vigência

Há de se analisar a segurança jurídica quando uma lei de interesse público é declarada inconstitucional após duas décadas

Sostenes Marchezine
Sostenes Marchezine
29 Setembro 2021, 12.01
o STF julgou procedente e declarou definitivamente que partes conjunturais da lei são inconstitucionais
|
Rafael de Matos Carvalho/Alamy Stock Photo

No início deste mês, a Lei nº 10.001, de 4 de setembro de 2000, completou 21 anos. A norma dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos a respeito das conclusões das Comissões Parlamentares de Inquérito, bem como acerca do dever de informar no prazo de trinta dias as providências adotadas – ou a justificativa pela omissão – e a cada seis meses a fase processual em que se encontra.

A lei foi gestada para garantir efetividade corretiva e condenatória, uma vez que as CPIs são órgãos parlamentares sui generis que detêm poderes extras de investigação, próprios das autoridades judiciais, mas são impedidas de julgar e não tem competência punitiva. Trata-se, portanto, de uma lei pró-CPI atemporal e de relevância conjuntural, num claro aceno de cooperação institucional para eficácia das investigações parlamentares.

Ocorre que, em 27 de julho de 2015, a Procuradoria-Geral da República propôs ao Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.351 para contestar três dos cinco artigos da Lei nº 10.001/2000 – a sua essência meritória. A medida foi adotada cerca de 15 anos após sanção presidencial sem vetos e regular trâmite congressual.

A PGR arguiu a inconstitucionalidade das expressões “no prazo de trinta dias” e “ou a justificativa pela omissão” constantes do caput do art. 2º, além do seu parágrafo único e dos arts. 3º e 4º da Lei 10.001/2000, argumentando – dentre outros aspectos formais e materiais – que “somente a Constituição e lei complementar de iniciativa do respectivo procurador-geral pode legitimamente impor atribuições a membros do Ministério Público”. A discussão, no entanto, é ampla, sobretudo no que tange a análise jurídica ao termo “atribuições” em comparação a referências legais e jurisprudenciais pacíficas, além do alcance da lei – indistinta a quaisquer órgãos destinatários dos relatórios das CPIs.

Relacionado

2F709HH.jpg
Apesar dos períodos de instabilidades, o Brasil demonstra querer ser não apenas uma nação receptiva do capital verde, mas referência em sustentabilidade

A ADI nº 5.351 foi distribuída sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, que prontamente adotou o rito do art. 6º da Lei n. 9.868/1999 para requisitar informações ao Congresso Nacional e sequencialmente conceder vista sucessiva à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República para manifestação. Após o cumprimento de tais diretrizes formais, a tramitação restou paralisada em setembro de 2016, ficando inerte por cerca de cinco anos, até que impulsionada nos últimos meses, a partir de junho de 2021.

A inconstitucionalidade foi contraditada pela AGU e pelo Senado Federal – que muito recentemente embargou sem sucesso o acórdão proferido parcialmente pela maioria plenária do STF, à revelia do voto contrário fundado pelo ministro Gilmar Mendes.

De toda forma, faz-se essencial conhecer o espírito do legislador com a lei em questão. Em detida análise à origem da norma sob confronto está a propositura do Projeto de Lei do Senado nº 158/1999, de autoria do saudoso senador Ramez Tebet – ex-presidente do Senado Federal e pai da senadora Simone Tebet, parlamentar líder da bancada feminina e um dos nomes em destaque nas investigações em curso na CPI da pandemia.

Na justificativa, o então Senador Tebet destacou que os trabalhos das CPIs não se limitam a resultados internos, revestem-se de coatividade e projetam-se a amplo alcance, argumentando ser “inaceitável que os órgãos a que se destinam os resultados das comissões parlamentares de inquérito (...) venham a neutralizar, por acúmulo de serviço, ou de qualquer outra razão, os trabalhos realizados por um dos poderes da República".

Já no Parecer nº 821/1999, sob relatoria do então senador Pedro Simon, há explicado o cuidado do Congresso Nacional em solicitar manifestações externas e ter contado com contribuição da subprocuradora-geral da República, Dra. Ela Wiecko, que assim teria se manifestado: “o dever de informar facilitará a caracterização de retardamento injustificado ou de omissão para o fim de aplicação de sanções de natureza política (crime de responsabilidade), administrativa e penal”.

Não mais seria esse o posicionamento da PGR em 2015, quando da proposição da ADI, 15 anos após a sanção da lei pró-CPI; tal como parece não ser o da atual gestão, 21 anos depois. Tratar essa temática é ainda mais relevante ao observar o atual cenário nacional de polarização ideológica e de relevantes desafios institucionais interpoderes.

Não há aqui – e não poderia haver – qualquer restrição à propositura de ações diretas de inconstitucionalidades – desiderato legal inerente não apenas à PGR, como também ao presidente da República, às Mesas do Senado, da Câmara ou de Assembleia Legislativa, a governador, a Ordem dos Advogados do Brasil, a partido político e a entidade sindical ou de classe. Quanto ao impulsionamento é conhecido que uma vez proposta a ação direta, a lei não admite desistência – o que obriga posicionamento decisório do Poder Judiciário.

Há de se observar, todavia, aspectos importantes quanto a segurança jurídica, sobretudo em casos como o presente, em que uma lei de interesse público é declarada inconstitucional após mais de duas décadas de vigência – numa decisão irrecorrível, com eficácia contra todos e efeito vinculante nas instâncias federal, estadual e municipal.

Relacionado

TCTMHH.jpg
Apelo das Nações Unidas pela Agenda 2030 encontra eco na sociedade civil ávida por influenciar positivamente o seu país e transformar o mundo.

O STF, no âmbito da ADI 5.351, proferiu acórdão no sentido de julgar “parcialmente procedente para declarar inconstitucionais as expressões “no prazo de trinta dias” e “ou a justificativa pela omissão” postas no caput do art. 2º, no parágrafo único do art. 2º e no art. 4º, todos da Lei federal n. 10.001, de 4 de setembro de 2000”.

Como se vê, o acórdão manteve incólume o art. 3º da lei, ao decidir que “não viola a proporcionalidade ou razoabilidade a opção do legislador de priorizar a tramitação de procedimentos administrativos ou judiciais que derivem de apurações das Comissões Parlamentares de Inquérito, considerando o interesse público atingido e a deferência constitucional ao poder fiscalizatório do Congresso Nacional”.

Por outro lado e com as devidas vênias, o acórdão pode carecer de reforma pontual, na medida que – à exceção do caput do art. 2º – inexiste as expressões “no prazo de trinta dias” e “ou a justificativa pela omissão” tanto no parágrafo único do art. 2º – que trata de comunicação semestral – como no art. 4º – que remete a sanções por descumprimento.

Na prática, compreende-se da análise que o relatório final das CPI’s deve continuar a ter impulsionamento prioritário por parte do Ministério Público e dos demais órgãos destinatários, mas sem a estipulação de prazos, tampouco de sanções. No entanto, fica a dúvida sobre a pertinência e eficácia de uma lei com tais lacunas – ou se regulamentação interna por cada órgão seria uma solução. Sobre estes pontos, portanto, talvez prudente manifestação do STF para dirimir dúvidas e deixar suficientemente claro o alcance decisório e eventuais recomendações, sobretudo em caso tão relevante e conjuntural.

Ainda num esforço analítico em cotejo à lei e ao caso concreto, observa-se que ao declarar inconstitucionalidade e tendo em vista razões de segurança jurídica e interesse social, o STF poderá restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de determinado momento a ser fixado. Talvez, uma providência necessária que urge.

Por fim, a lei permite a manifestação de órgãos ou entidades representativas no âmbito de ADI, em matérias relevantes. Assim, cabível seria a interface de CPIs em curso no Congresso, nas Assembleias e Câmaras, que tenham interesse na utilização cabal da Lei nº 10.001/2000 perante os órgãos destinatários dos seus respectivos relatórios finais.

We’ve got a newsletter for everyone

Whatever you’re interested in, there’s a free openDemocracy newsletter for you.

Assine nossa newsletter Acesse análises de qualidade sobre democracia, direitos humanos e inovação política na América Latina através do nosso boletim semanal Inscreva-me na newsletter

Comentários

Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy
Audio available Bookmark Check Language Close Comments Download Facebook Link Email Newsletter Newsletter Play Print Share Twitter Youtube Search Instagram WhatsApp yourData