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Não haverá golpe. Lula será presidente

O presidente eleito terá dificuldade para governar em um Brasil rachado, mas a esperança ganhou e a transição já começou

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Francesc Badia i Dalmases
3 Novembro 2022, 12.01
Luiz Inácio Lula da Silva venceu o segundo turno das eleições em 30 de outubro com 51% dos votos
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Alamy

Um país altamente passional, o Brasil viveu o resultado eleitoral como uma final de futebol entre dois rivais históricos. A tensão que dominou a campanha foi para as ruas. O bloqueio de centenas de rodovias por grupos radicais de apoiadores do atual presidente, Jair Bolsonaro, em uma clara atitude golpista, colocou a democracia do país em xeque. Mas, por fim, e depois de mais de dois dias de tenso silêncio, Bolsonaro disse que agiria de acordo com a Constituição, embora não tenha tido a dignidade de reconhecer explicitamente sua derrota.

Mas o resultado da eleição é incontestável. No fim, foram 2.148.645 votos que decidiram a vitória de Lula, que obteve 50,90% contra 49,10% de Bolsonaro. Esse resultado, embora represente uma divergência de votos bem menor do que a do primeiro turno, em que Lula obteve 6.187.159 votos a mais que seu oponente, é ampla o suficiente para ser irrespondível.

Diminuir em mais de 4 milhões de votos a distância eleitoral em menos de um mês é um grande resultado para a agressiva campanha de desinformação de Bolsonaro, que colocou todos os meios, legais e ilegais, e o peso da máquina do governo a seu favor. Mas não foi suficiente para superar Lula.

Os incidentes que prejudicaram sua campanha não foram triviais, como a prisão de Roberto Jefferson por crime eleitoral, ou as ações da deputada Carla Zambelli, que perseguiu com arma em punho um apoiador de Lula, que era negro — fato que não passou despercebido diante da violência racista encarnada por Bolsonaro.

Mas a vitória de Lula é uma vitória heróica para a democracia e os valores da diversidade e da justiça social, especialmente tendo em vista que há quatro anos Lula era um personagem preso e destruído e que seu partido, o PT, lutava para sobreviver.

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O ex-presidente é o único político brasileiro capaz de impor a paz em um país fraturado

Em seu discurso na noite eleitoral, Lula exibiu seu perfil mais moderado, apelando para a união do Brasil. Mas as eleições mostraram um país dividido por linhas grossas entre direita e esquerda, norte e sul, áreas rurais e centros urbanos, evangélicos e católicos, classes média e alta e classes populares.

Lula vai ter que governar para todos nesse Brasil partido ao meio. Isso não vai ser fácil depois de quatro anos de divisão e ódio promovidos por Bolsonaro e seu programa neofascista, sua incompetência e seu espírito provocador, despótico e messiânico. Sua dolorosa derrota eleitoral — ele é o primeiro presidente a não conquistar a reeleição desde a restauração da democracia em 1988 — faz do ressentimento uma das emoções que Lula terá que lidar no futuro próximo em seus esforços de reconciliação.

O presidente cessante, em atitude inédita, demorou mais de 40 horas para se pronunciar sobre o resultado, alimentando todo tipo de especulação enquanto seus partidários bloqueavam estradas em todo o país. Foram desencadeados protestos coordenados que buscaram mobilizar os bolsonaristas para questionar a eleição de Lula, com clara intenção de golpe. Felizmente, após alguma hesitação da Polícia Rodoviária Federal, os esforços não tiveram o apoio necessário nem dos bolsonaristas, nem das autoridades judiciárias, da polícia ou das Forças Armadas, que pressionaram o presidente a impor a lei e restaurar a ordem no país.

Por fim, em um vago discurso de apenas dois minutos e alguns segundos, fruto de uma longa negociação interna, Bolsonaro aludiu ao sentimento de injustiça e indignação sobre o processo eleitoral para justificar as mobilizações e incentivar o golpe. Incluindo-se entre os que protestaram, Bolsonaro defendeu "o direito de ir e vir", que não pode ser violado. Ele também disse, e isso talvez seja o mais importante, que cumpriria suas responsabilidades constitucionais. Teve covardia de sobra e faltou coragem e decência para reconhecer explicitamente sua derrota eleitoral, embora parecesse aceitar como bons os 58 milhões de votos recebidos e apelou para as cores verde e amarelo, ao lema “ordem e progresso” e a sua máxima “Deus, pátria, família”.

O efeito eufórico da vitória sobre o fascismo bolsonarista e a energia positiva de Lula trazem um ar de otimismo ao Brasil, à região e ao mundo

Logo em seguida, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou ter recebido autorização do presidente para dar início ao processo de transição. Assim, o ministro disse que entraria em contato com Geraldo Alckmin, vice-presidente de Lula, para ativar a transferência de poderes em 1º de janeiro. Com isso, o tão temido golpe foi descartado.

Na noite de sua vitória, Lula traçou uma intensa agenda social e educacional, enfatizando o combate à crise climática (prometeu desmatamento zero na Amazônia) e o retorno do Brasil ao cenário mundial. Mas, para cumprir seus objetivos, Lula terá de forçar as costuras de um equilíbrio fiscal rompido pelo adversário político na ânsia de ser eleito.

Este será o terceiro mandato de Lula — e provavelmente o mais difícil. Além da divisão social existente, o governo Lula deverá enfrentar uma situação econômica complexa, com um ambiente internacional sombrio determinado pelo fim da pandemia e pela guerra russo-ucraniana, que tem causado tensões inflacionárias significativas e uma alta generalizada dos juros que prevê um período de instabilidade de dimensões ainda incertas.

Além de inventar a fórmula para financiar sua agenda social, Lula buscará frear a degradação acelerada da Amazônia, que se encontra em situação crítica após décadas de superexploração que se acelerou notadamente nos últimos quatro anos, protegida pelo sinal verde à depredação concedida pelo governo Bolsonaro. Desmatamento, mineração ilegal, expansão do agronegócio e ocupação de terras são problemas que precisam de atenção urgente.

Nessa frente, Lula poderá contar com a solidariedade da comunidade internacional. Mesmo antes assumir, muitos dos recursos para a proteção da Amazônia retirados durante o governo Bolsonaro já estão previstos para retornar. A volta de Marina Silva, a líder ambientalista e ex-ministra do Meio Ambiente de Lula em seu primeiro governo, é uma boa notícia.

Outra frente importante para Lula será a volta do Brasil ao cenário internacional, onde tentará recuperar seu papel de liderança regional e seu compromisso com um sistema multilateral latino-americano muito fragilizado e desorientado. Lula deve também rever a posição do Brasil nos chamados BRICS, dada a acentuação do autoritarismo na Rússia e na China e a deriva antidemocrática na Índia, além de repensar as relações Sul-Sul.

A volta do Brasil ao cenário global nesses momentos críticos é uma ótima notícia. Se a bandeira é a defesa dos valores democráticos e de uma Amazônia em vias de destruição, o mundo saiu vitorioso nesta eleição. A tensão nas ruas e a divisão no país continuarão por alguns dias, se não alguns meses. Mas o efeito eufórico da vitória sobre o fascismo bolsonarista e a energia positiva de Lula trazem um ar de otimismo ao Brasil, à região e ao mundo.

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