
Resistência Munduruku escancara a perversidade do sistema
Ao longo do rio Tapajós, indígenas da etnia lutam contra violações amparadas pela política extrativista vigente na Amazônia

A estratégia funciona, mas não significa que o estrategista seja inteligente, principalmente em um sistema pouco inteligente que está destruindo o planeta.
O presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, sabe monopolizar as notícias com suas declarações desprezíveis, comparando, por exemplo, Terras Indígenas demarcadas a doenças ("Se olharem o mapa do Brasil ... lembra quando a criança tava com catapora, o corpo todo tomado"), mantendo assim seu racismo, machismo e outras visões sociopatas vivos. A grande imprensa joga junto, ecoando ora de forma inerte e ora fingindo estar escandalizada com suas opiniões que, afinal, não passam de uma expressão desavergonhada do sistema global que as engendra.
O sistema precisa de seus Bolsonaros não só para fazer outros servos fiéis parecerem menos nocivos do que realmente são, mas também para desviar a atenção de verdades inconvenientes, como as evidências de que precisamos desesperadamente de um sistema social radicalmente diferente se quisermos prosperar ao lado de outras espécies neste planeta.
As notícias sobre os povos indígenas, se não são tão rudes quanto as opiniões de Bolsonaro, tendem a retratá-los como miseráveis, atrasados, vítimas, pitorescos, exóticos ou a transformá-los em obras de arte que estetizam brutalidade e tragédia, como por exemplo o trabalho de Sebastião Salgado.
Os cerca de 13 mil Munduruku, que vivem ao longo do rio Tapajós em 14 Terras Indígenas em variadas fases de reconhecimento pelo Estado brasileiro, desafiam todos os clichês. Para começar, eles estão enviando uma mensagem poderosa ao governo, o atual e o que vencerá as eleições de outubro deste ano: eles não podem ser enganados, eles entendem e estão expondo a podridão no coração do sistema que quer destruí-los e, ao fazê-lo, mostraram que a história, como é contada hoje, está errada.
Os Munduruku – "povos de formigas de fogo", uma alusão a sua antiga e feroz estratégia de batalha – que se autodenominam Wuujuyû ("nós somos o povo"), vivem principalmente em cerca de 130 aldeias localizadas nas margens do Alto Tapajós e seu afluente, o rio Cururu, no oeste do Pará. Apesar de o rio e seus afluentes terem sido nomeados separadamente nos mapas oficiais elaborados para fins de exploração colonial, os Munduruko o conhecem por apenas um nome: Idixidi. Seu território se estende até onde flui o Idixidi, uma vez que essas águas são uma só, criada por Karosakaybu quando ali jogou três cascas de tucumã.
O rio é a essência da vida Munduruku, fornecendo alimento, água, transporte e, em particular, por estar no centro de sua cosmologia. Qualquer luta contra interferência ou invasão de seu território vai muito além da terra em que vivem. Mas é essa a imagem que passam as pessoas de fora, que começaram a ocupar a área após os primeiros contatos registrados na segunda metade do século 18 e, sobretudo, cem anos depois com os primeiros missionários e o ciclo da borracha, que catapultou a região amazônica para o mercado capitalista mundial e trouxe milhares de não indígenas para trabalhar em situações análogas à escravidão nos seringais.
O governo obstrui o STF, anula a Constituição, sabota a legislação ambiental e dá luz verde para extração ilegal de madeira e o desmatamento
As incursões de forasteiros continuam, trazendo violência e doenças, como a epidemia de sarampo dos anos 40 que dizimou a população, e agora o envenenamento por mercúrio como resultado da mineração descontrolada. Desde a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, vêm aumentando os ataques de garimpeiros ilegais e, direta ou indiretamente, grandes pecuaristas, sojeiros e outros grileiros, com o conluio de autoridades locais e nacionais, que se uniram após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obriga o governo a proteger os Yanomami e Munduruku.
Equivalendo a presença de indígenas em terras demarcadas a animais em zoológicos e sob promessas de não demarcar nem mais um "centímetro quadrado" de terra, Bolsonaro incita a violência para gerar apoio em sua cruzada extrativista. Afinal, "onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela", afirma Bolsonaro. O governo obstrui o STF, anula a Constituição, sabota a legislação ambiental e dá luz verde para extração ilegal de madeira e o desmatamento na Amazônia. Os Munduruku não são o único povo indígena que resiste às depredações do capitalismo, mas como seu território é uma das Terras Indígenas mais exploradas do Brasil, a corrupção desenfreada tem aqui alguns dos seus piores e violentos efeitos. E eles a trouxeram à tona.
A corrida do ouro na TI Munduruku dá uma ideia da magnitude do problema. Em 2018, a bacia do Tapajós produziu 30 toneladas de ouro ilegal, cerca de um terço do total do país. Os números não são confiáveis, uma vez que se trata de um negócio sigiloso que compra, processa e vende de centros ilegais como Itaituba e Jacareacanga, no Pará, mas com tentáculos que se estendem a outras cidades do Brasil. Esse braços conectam-se ao narcotráfico pela Colômbia, Guiana Francesa e Venezuela. Para detectar, garimpar, extrair, escavar e dragar o metal, o esquema faz uso de equipamentos e infraestrutura sofisticados, como pistas de aterrissagem, aviões, helicópteros e tratores, além de comunicação via satélite, geradores, cadeias de abastecimento de alimentos e empresas de fachada para lavagem de dinheiro.
O negócio tem longas raízes coloniais, envolvendo mais de 800 mil escravos desde a primeira corrida do ouro global em 1690. Os ataques e envenenamento dos Munduruku são parte de uma longa ofensiva contra os povos indígenas do Brasil, que foram vítimas de genocídio, grilagem e devastação de terras por mais de cinco séculos, em um processo que ganhou novo fôlego com os objetivos de desenvolvimento da ditadura militar.
As indústrias extrativas não são estranhas ao assassinato. Em outubro do ano passado, Bolsonaro conseguiu driblar acusações de genocídio em uma investigação do Senado, apesar do relatório final determinar que o presidente "comandou uma política anti-indígena que deliberadamente expôs os povos originários à desassistência, ao assédio, a invasões e violência desde antes da pandemia, intensificando esses atos de franca hostilidade, somados à desinformação, após a chegada do vírus". De fato, segundo o documento, Bolsonaro viu na Covid-19 “uma oportunidade” de prejudicá-los. "Não há disfarce suficiente para encobrir a disposição confessa do Presidente da República de atingir os indígenas", afirma o relatório.
O Art. 231, § 5º, da Constituição de 1988 dispõe: "É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, 'ad referendum' do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”. No entanto, a lei e as agências governamentais não oferecem proteção – elas são parte do problema. De fato, o governo vem ativamente usando o Ministério do Meio Ambiente para destruir proteções legais e converter reservas naturais e áreas protegidas, incluindo territórios indígenas, em propriedade privada.
Por exemplo, apesar da proibição constitucional, a Agência Nacional de Mineração (ANM) aprovou 13 requerimentos de exploração mineral no território Munduruku Sawré Muybu, que não foi totalmente demarcado como Terra Indígena, além de outros 14 em Mato Grosso, por parte da gigante mineradora britânica Anglo American (conhecida por sua explorando de mineiros negros na África do Sul durante o apartheid), como a InfoAmazônia revelou em novembro de 2020.
Durante a pandemia, o governo retirou as forças de segurança da bacia do rio Tapajós, que registrou a pior taxa de mortalidade entre distritos sanitários indígenas
Pior ainda, durante a pandemia, o governo retirou as forças de segurança da bacia do rio Tapajós, que registrou a pior taxa de mortalidade entre os Distritos Sanitários Indígenas do Brasil. Assim, incentivados pelo aumento dos preços do ouro, os garimpeiros — pessoas pobres e muitas vezes desesperadas, pouco capazes de resistir aos planos nefastos do governo para elas — vieram aos milhares, estabelecendo centenas de operações de mineração ilegal, invadindo Terras Indígenas protegidas, envenenando rios e infectando comunidades que, de outra forma, permaneceriam isoladas. Em abril de 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que o governo aproveitasse a distração da pandemia para contornar o Congresso e pressionar por mais desregulamentação da política ambiental.
No entanto, nem toda a destruição de Terras Indígenas foi cometida pela direita. Mesmo que Bolsonaro seja substituído por um governo progressista nas eleições de outubro, nada garante o fim do processo destrutivo. A situação atual do Brasil clama pelo abandono dos modelos de "desenvolvimento" do passado. É preciso desenvolver uma abordagem baseada no conhecimento ancestral. Nesse sentido, o Brasil tem a sorte de ter grupos de pessoas que ainda sabem viver em harmonia com a terra. Agora precisa de um governo que esteja disposto a aprender esse conhecimento e aplicá-lo.
Uma das principais ameaças para o país hoje é o plano de desenvolvimento através da energia hidrelétrica gerada pelos rios amazônicos, nos quais foram planejadas inicialmente 43 usinas. Um deles – como detalha Andy Robinson em seu excelente Gold, Oil and Avocados: A Recent History of Latin America in Sixteen Commodities – foi o projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, a segunda maior do Brasil depois de Belo Monte, no rio Xingu, também no estado do Pará, e o principal projeto do Programa de Aceleração do Crescimento de Luiz Inácio Lula da Silva em seu segundo mandato como presidente.
A situação atual do Brasil clama pelo abandono dos modelos de 'desenvolvimento' do passado
Em grande parte graças à resistência Munduruku, levada a cabo em parte por cartografia militante auxiliada por GPS, mapeamento como estratégia de empoderamento comunitário, defesa da terra, produção de provas nos tribunais do país, visibilidade, enfrentamento, insistência em direitos e autodeterminação, o projeto São Luiz do Tapajós foi arquivado. Os mapas, feitos com tecnologia de ponta e incorporando os lugares e narrativas da cosmologia antiga e mitológica, são usados como evidência em reuniões comunitárias para desafiar os mapas oficiais. Os Munduruku expressaram a ontologia e a geografia do estado, assim como as intenções colonizadoras, para refutar cientificamente os pronunciamentos de figuras poderosas como Maurício Tolmasquim, ministro de Minas e Energia no primeiro mandato de Lula, que declarou que "não há ocupação humana" onde as usinas de São Luiz e Jatobá foram planejadas.
De fato, as lutas dos povos indígenas da Amazônia chamaram a atenção para as mentiras e equívocos ensinados por uma cultura imperial que se acredita superior. Em sua magnum opus 1499: o Brasil antes de Cabral (2017), que Reinaldo José Lopes levou 15 anos para escrever devido à enorme quantidade de material dos campos da arqueologia, paleontologia e biologia evolutiva, entre outros, mostra que a floresta amazônica abrigava cerca de 8 milhões de pessoas antes da chegada dos europeus. Esse habitantes viviam em grupos multiétnicos e politicamente organizados de cerca de 50 mil pessoas, com redes comerciais complexas e tradições artísticas sofisticadas. Juntos, construíram praças monumentais e "uma densa rede de estradas com até dezenas de metros de largura; diques e fossos de fazer inveja a castelos medievais, com vários metros de profundidade; sinais de grandes paliçadas defensivas" (p. 12). E conseguiu, como disse Lopes a Andy Robinson (p. 328), "uma integração sutil e gradual entre áreas habitadas, 'parques' e terrenos florestados". As armas, a cavalaria e a estratégia dos portugueses e espanhóis não dizimaram o povo e sua cultura. Microrganismos trazidos pelos europeus e seus animais fizeram a maior parte da matança por eles.
Uma questão vital, mas que é amplamente ignorada hoje (por exemplo, o importante livro de Lopes não está traduzido para o inglês), é que grandes áreas da floresta amazônica no início do século 21, longe de serem natureza virgem, eram na verdade "o resultado de uma relação complexa entre a matéria-prima da biodiversidade e a cultura humana" (Robinson citando Lopes, p. 330).
A "flora amazônica é, em parte, o legado de seus antigos habitantes" ou, como diz o pesquisador de Manaus Charles Clement, "mesmo áreas da Amazônia que hoje parecem vazias estão repletas de vestígios antigos". Citando Lopes, Robinson escreve: "As cidades-pomar igualitárias e os parques culturais que se espalharam pela Amazônia sob gestão coletiva da terra e propriedade comunal antes da chegada dos europeus ainda deveriam ser modelos hoje" (p. 332).
O nome "Amazônia" é enganoso. "Não existe 'uma' Amazônia, mas uma imensa variedade de florestas ditas 'de terra firme' (ou seja, que não costumam ficar submersas na época das chuvas mais intensas) e alagadas, áreas de savanas e de campos abertos, matas mais ou menos sujeitas à seca e até uma ou outra região montanhosa" (Lopes 2017 : 86). A história dos nomes é muitas vezes uma maneira de chegar ao básico da história de um conceito, lugar ou objeto. No caso da "Amazônia", conta a história dos povos indígenas e da invasão colonial. Em linhas gerais, os nomes múltiplos remetem aos tempos pré-coloniais e o nome único à identidade colonial e pós-colonial ou, em outras palavras, às histórias contadas pelos locais e as contadas pelos forasteiros.
Antes de Colombo chegar às costas americanas, o rio, a zona e a selva não tinham um nome geral. Cada povo tinha seu próprio nome, dependendo da área que ocupava e de suas tradições culturais e linguísticas. As tribos Tupi-Guarani chamavam o rio de Paranaguazu (Grande Parente do Mar), enquanto o nome dado pelos Amara Mayu significava "Mãe Serpente do Mundo". Os conquistadores tinham outras ideias. Eles tinham planos indiscriminados para conquistar toda a área.
Em 1500, Vicente Yáñez Pinzón, comandante de uma expedição espanhola, depois de se aventurar cerca de 50 milhas rio acima do mar, nomeou-o Río Santa María de la Mar Dulce, impondo assim um motivo religioso católico à grande dimensão do rio. Por volta de 1502, era conhecido como Río Grande e, em 1515, como Río Marañón, nome que alguns acreditam derivar da palavra espanhola maraña (emaranhado), transferindo o significado do nome de seu tamanho às dificuldades de navegação (para forasteiros, mas não para os indígenas com seus pequenos barcos e seu conhecimento íntimo de seu habitat).
Em 1541, o espanhol Francisco de Orellana fez a primeira jornada dos Andes até o mar pelos rios. Acredita-se que, após uma batalha com uma tribo Pira-Tapuya em 1542, em que mulheres lutaram lado a lado com os homens, ele adotou o nome "rio das Amazonas", evocando assim a mítica tribo de guerreiras descrita pelos gregos Heródoto e Diodoro. Assim, diante dos Europeus, a Amazônia era uma mulher a ser explorada, como sugeriu Walter Raleigh, em carta para seus financiadores em Londres, ao escrever que a Guiana era um "país ainda virgem; nunca saqueada, virada ou forçada; a face da terra não foi rasgada... nunca conquistada nem possuída". A história dos nomes mostra diferentes formas de pensar a Amazônia, um grupo sugerindo a convivência respeitosa com as particularidades de seus diferentes lugares e o outro conquista, a imposição de valores externos e pilhagem por atacado.
Agora, como convém ao segundo grupo, o nome em inglês dado pelos Europeus à maior floresta tropical do mundo em inglês, "Amazon", foi apropriado por um dos homens mais rico do mundo, Jeff Bezos, para designar a "empresa de tecnologia mais maligna do mundo", pelo menos em parte porque sugere enormidade. Essas duas visões de mundo — confisco grandioso por atacado e atenção cuidadosa às particularidades locais — se manifestam hoje na forma de efeitos de destruição em massa da Amazônia e resistência contra ela. Muitos cientistas tentam nos dizer que a única maneira de salvá-la é aprendendo com ela.
Os Munduruku e outros indígenas defensores da floresta expuseram o racismo, a corrupção, a violência e a incompetência dos círculos governamentais, a conversão dos processos de licenciamento ambiental em mera burocracia e a fragilidade das leis. Mas além disso, através de sua história e ações, questionam também os danos causados pelas ideias de desenvolvimento ocidentais (incluindo o Programa de Aceleração do Crescimento) e seus fracassos, em um momento em que todo o planeta está criticamente ameaçado por elas.
Usinas hidrelétricas não são apenas usinas. As que já foram construídos e as que estão em construção nos rios Tapajós, Teles Pires e Juruena, por exemplo, por meio de parcerias envolvendo a estatal brasileira de energia e empresas de países como China, França, Portugal e Espanha, foram planejadas para também fornecer rotas fluviais baratas para levar produtos básicos, como soja, para o Atlântico e energia para explorar as reservas minerais da floresta.
Nos últimos dez anos, o movimento de resistência Munduruku Ipereğ Ayũ (eu sou forte, posso me proteger), que agora se opõe a projetos de barragens fora do Tapajós, tem focado em estudos de impacto ambiental, unindo-se ao povo Beiradeiro para reivindicar seu direito à consulta prévia, conforme estipulado no Art. 231 da Constituição e pela Convenção Nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (ratificada por apenas 23 países em 2019). Os Munduruku elaboraram seus próprios "protocolos de consulta", indicando como deveriam ser informados sobre projetos governamentais e como tomariam decisões coletivas de acordo com suas próprias especificidades culturais.
Mas o então governo de Dilma Rousseff respondeu com a Operação Tapajós, em que pessoal fortemente armado acompanhou os pesquisadores dos projetos de barragens para protegê-los na "perigosa" região. Para os indígenas, a palavra "pesquisador" adquiriu conotação negativa devido a sua associação aos consórcios de barragens.
A Amazônia abrigava cerca de 8 milhões de pessoas antes da chegada dos europeus. Em 400 anos, a população indígena foi reduzida a cerca de 200 mil
Os Mundukuru venceram a batalha, mas provavelmente não a guerra. O projeto São Luiz do Tapajós foi suspenso quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) considerou os estudos de impacto ambiental inadequados e inconstitucionais. Mas a barragem de Belo Monte, assim como as de Teles Pires e São Manoel, seguiram em frente, apesar de não atenderem às exigências da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mais tarde, também descobriu-se que o estudos de impacto ambiental de ambas as barragens minimizaram sistematicamente os riscos e impactos negativos de sua construção.
Alguns deles ficaram evidentes através de Belo Monte, com a origem da cidade violenta e criminosa de Altamira que envia seus esgotos para o Xingu por falta de infraestrutura. Além dos danos sociais e ambientais que causou, a barragem produz, mesmo na alta temporada, apenas uma fração dos 11.233 MW mensais prometidos, porque os rios amazônicos, com seus ritmos sazonais cambiantes, não se prestam a este tipo de uso.
Mas nem todos perdem. O projeto de US$ 10 bilhões seguiu adiante porque sua construção traria grandes benefícios para alguns. Bret Millikan, da ONG International Rivers, observa: "Havia grandes construtoras e interesses políticos ligados a elas por meio de redes de patrocínio, esquemas de suborno, etc., que tinham muito o que ganhar [com a construção]. Penso que parte da evidência disso é que todas essas grandes construtoras migraram dos investidores [de geração de energia] de Belo Monte."
Agora vemos o efeito cascata (literalmente: as famosas Cataratas do Iguaçu se converteram em um mero fio de água em meados de 2021). Graças aos efeitos combinados do desmatamento e da seca, as usinas hidrelétricas estão funcionando bem abaixo da capacidade (29%) em uma "escassez crítica de recursos hídricos", elevando os preços da energia e dos alimentos e ameaçando apagões.
Para Bolsonaro, é simplesmente uma questão de falta de sorte. "Não chove, né? É a maior crise que se tem notícia. Demos mais um azar aí", disse em julho do ano passado. Os cientistas dizem o contrário: o desmatamento contínuo e o aquecimento global atuam juntos em um ciclo mortal (ilustrado no diagrama abaixo), tornando a floresta tropical mais inflamável do que nunca. E sem os rios voadores — formados pelas 20 bilhões de toneladas de vapor de água exaladas pelas árvores da Amazônia —, o centro e o sul do Brasil, incluindo cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, podem se tornar um deserto.

Em 400 anos, toda a população indígena da Amazônia foi reduzida a cerca de 200 mil pessoas. Tudo o que vemos agora na catástrofe climática está relacionado com esse número. Os danos paulatinos causados às pessoas, animais, plantas, habitats, rios, solo, ar, sem falar à sabedoria, beleza e direitos humanos e animais, hoje se estendem a todo o planeta.
Em 1972, Ursula Le Guin resumiu o que os humanos devem aprender com o título de um de seus livros, Floresta é o nome do mundo. Mas o que vemos hoje não é ficção científica. Se os habitantes das florestas da Terra sempre entenderam seu habitat como um mundo, um cosmos, um conjunto bem ordenado de muitas partes que interagem harmoniosamente, também sabem que danificar a floresta significa danificar o mundo, talvez irremediavelmente.
Em carta que escreveram aos políticos em 2013, os líderes Munduruku alertaram: “As pessoas querem transformar em negócios a tão preciosa riqueza que temos. Aonde que querem chegar com essa destruição, quando preservamos e os destruidores dizem para nós, que mantemos em equilíbrio a natureza, que estamos devastando a natureza. Totalmente contrário ao nosso modo de pensar. Porque nós nunca destruímos os nossos bens naturais, tão somente nós nos preocupamos em guardar para não ser destruídos. O homem não está destruindo somente a natureza, está destruindo a sua própria natureza humana, isso eles não entendem, estão destruindo a si mesmo."
Uma versão em inglês deste artigo foi publicada por Counter Punch. Leia o original aqui.
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