democraciaAbierta: Opinion

Marielle Franco: A mulher assassinada todo dia

Quando cinco anos se passaram do assassinato. Como o passado-presente, ele assombra os que escondem, os que fingem e os que mentem

Jean Wyllys
15 Março 2023, 9.35

ESPECTRO Carbón y sanguina sobre papel (fragmento)

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Jean Wyllys

Marielle Franco segue sendo assassinada todos os dias pela extrema-direita brasileira. O assassinato mais recente que consegui monitorar e registrar se deu no último dia 07 de março em um chat entre bolsonaristas que se abre todos os dias no Twitter. Mas é provável que de lá até o dia 14 - em uma semana, portanto - eles já a tenham matado inúmeras vezes.

Claro que o assassinato real e brutal de minha amiga e vereadora carioca (digo: a morte de seu corpo físico) por sicários de milícias ligadas aos Bolsonaro se deu há cinco anos.

Porém, os ataques não menos violentos à sua memória - logo, um esforço em matá-la também como nome e símbolo - seguem sendo perpetrados abertamente em mídias sociais sob os olhos de uma polícia que não só já deveria ter chegado aos mandantes do assassinato como já teria que ter desbaratado a rede de criminosos que insistem em difamá-la como forma de “justificar” sua execução.

Se algum de vocês tiver estômago para escutar mentiras e insultos saídos da boca de “cidadãos de bem” “cristãos” manipulados pela desinformação programada e/u agindo de pura má-fé, pode pesquisar esse áudio.

O crime político que tirou a vida de Marielle Franco em março de 2018 gerou uma imediata comoção em todo Brasil e em outros países. Produziu uma identificação e uma empatia imediatas em relação à vítima e às suas causas e agenda parlamentar, que incluíam uma política de segurança pública respeitosa, que tratasse os moradores das favelas e os negros e negras pobres como cidadãos – como deveria ser a segurança pública em qualquer democracia que se preze.

Para esvaziar essa identificação; para minar essa comoção, as economias da desinformação e da difamação – este complexo onde se articulam redes sociais analógicas (igrejas neopentecostais, corporações militares, associações de policiais civis, clubes de militares reformados, partidos políticos e startups) e digitais – colocaram em circulação na internet, horas depois do assassinato da vereadora, essas fake news que acionam os preconceitos e as emoções - principalmente entre os membros da classe média branca ou que se pensa branca - em relação aos moradores das favelas e às mulheres pretas pobres.

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O fato de uma desembargadora e um deputado federal terem endossado essas fake news só as fortaleceu e ampliou sua virulência, drenando parcialmente a empatia e a solidariedade geradas imediatamente pelo assassinato da vereadora naquela noite tenebrosa se março de 2018. Aliás, o componente da “confiança na idoneidade e autoridade” da fonte que divulgou a mentira fortalece seu conteúdo e amplia a sua virulência (possibilidade de ser compartilhado para mais pessoas no menor tempo).

Não é só por mera maldade que as mentiras que buscam “explicar” e “justificar” a execução da vereadora carioca sigam sendo reproduzidas em circuitos de extrema-direita analógicos e digitais. É também por estratégia política. A elucidação completa do assassinato de Marielle Franco - ocorrido sob a intervenção militar no Rio de Janeiro comandada pelo do general Braga Netto, que viria a ser ministro da Casa Civil e, depois, da Defesa do governo Bolsonaro - poderá dilapidar por completo o capital político a extrema-direita. Portanto, até lá, esta precisa enfraquecê-la o quanto puder.

A direita sabe o quanto essa verdade também a afetará, uma vez que compactuou com o banditismo da extrema-direita tanto no golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016 quanto na eleição de Bolsonaro em 2018. Por isso, sua mídia se encarrega da light difamation contra os políticos de esquerda que buscam preservar a memória e o legado de Marielle Franco.

Recentemente um dos mais acessados e importantes portais de notícia brasileiro, o UOL, publicou um tweet - “manchete” do Twitter- enganoso em relação à ministra da Igualdade Racial do novo governo Lula, Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada.

Com o propósito de divulgar o fato de que Anielle havia sido incluída na lista da prestigiada revista americana Time de mulheres influenciadores, o portal redigiu o tweet de modo a sugerir que a ministra era “bilionária e defensora do aborto”, gerando uma onda de ódio contra Anielle e reforçando as calúnias e mentiras contra sua irmã morta nas mídias sociais da extrema-direita. Não, não se trata de “erro”, mas comunicação política antipetista e anti-esquerda que venha a isentar a mídia de direita na cumplicidade indireta no assassinato da vereadora carioca.

Em entrevista concedida em 2019 à imprensa internacional logo após meu exílio, eu disse que ao fim e ao cabo seria Marielle a derrubar Bolsonaro; que sua morte não era o fim. Mantenho a afirmação mesmo depois de termos vencido, por meio do voto, a eleição do ano passado. Primeiro porque Bolsonaro aí figura como metonímia da extrema-direita brasileira; e, como tal, ainda não foi derrubado.

Marielle Franco amedronta esses fascistas como um poderoso espectro. Um aspecto está, assim como o passado, ainda que ausente, presente! E, como o passado-presente, ele assombra os que escondem, os que fingem e os que mentem.

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