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O Brasil contra o seu futuro

Os brasileiros não estão contentes com a sua democracia. Mas a democracia deve prevalecer se quiserem evitar que as gerações futuras cresçam na escuridão e repitam os erros do passado. English, Español

Manuel Nunes Ramires Serrano
18 Setembro 2018
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Ciro Gomes, Jair Bolsonaro e Marina Da Silva. Candidatos para as eleições presidenciais brasileiros 2018.

"As ditaduras fomentam a opressão, as ditaduras fomentam a escravidão, as ditaduras fomentam a crueldade; mas o mais abominável, é que as mesmas fomentam a estupidez". - Jorge Luís Borges

As eleições presidenciais que se celebram no mês de Outubro representam um dos maiores testes ao que a democracia brasileira alguma vez se enfrentou.

Além de eleger o presidente do país, os representantes da Câmara dos Deputados e dois terços do Senado, assim como os governadores e legisladores estatais, os brasileiros decidirão se os votos valem mais do que as balas.

A corrupção, a desigualdade e a insegurança debilitaram a capacidade das instituições políticas brasileiras para convencer muitos cidadãos que vale a pena defender a democracia, abrindo as portas a um pesadelo do passado.

Os eleitores devem decidir no dia 7 de Outubro entre um sistema democrático, ainda que disfuncional, ou um desvio autoritário, que flerta abertamente com a violência, a tortura e a censura.

Uma democracia que se afunda

A maioria dos brasileiros não estão satisfeitos com a democracia que têm – e é fácil entender porquê. Uma recessão económica em 2014, desencadeada pela irresponsabilidade fiscal e por uma política económica desacertada, deixaram treze milhões de pessoas sem emprego e reduziu o PIB do país em 8.6% em dois anos.

Uma investigação sobre branqueamento de capitais, conhecida como Lava Jato, revelou um esquema complexo de pagamentos políticos e corporativos ilegais que debilitaram a confiança dos cidadãos no sistema político. Além disso, a destituição de Dilma Rousseff há dois anos avivou uma polarização social que Michel Temer não soube, ou não quis, combater.

A corrupção e a insegurança, acompanhadas por altas taxas de desemprego, constituem um cocktail perigoso – especialmente antes dumas eleições.

A luta judicial contra a corrupção tem sido eficaz, não dando trégua à mesma e responsabilizando a classe política. Políticos de todos os quadrantes foram imputados, desde deputados locais a ex-presidentes.

No entanto, esta investigação, sem dúvida necessária, também está a abalar a fé dos cidadãos na democracia, abrindo as portas aos juízes estrela,  que tendem a exceder os seus poderes e a sobrepor as suas motivações e simpatias políticas à justiça.

A corrupção e a insegurança, acompanhadas por altas taxas de desemprego, constituem um cocktail perigoso – especialmente antes dumas eleições.

E num momento em que a confiança dos cidadãos nas instituições políticas atinge novos mínimos, muitos temem que Jair Bolsonaro disponha da oportunidade para conseguir o impensável: o retorno dos militares ao governo dum país que se libertou da ditadura há apenas trinta anos.

Nostalgia sombria

Com o tempo, as memórias da opressão parecem desvanecer-se, e muitos brasileiros acreditam que a única maneira de restaurar o sistema é devolver o poder ao exército.

Devido à ignorância ou à indiferença perante os crimes cometidos pela ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985, muitos decidiram que é hora de dar "uma oportunidade" a Jair Bolsonaro.

O candidato presidencial da extrema direita, ex-capitão do exército, é uma figura política que polariza o Brasil, sendo conhecido pelos seus comentários contra as mulheres e as minorias, assim como por ser um apologista da ditadura militar e da tortura.

Bolsonaro serviu sob as ordens de um regime que utilizava a repressão sistemática para manter a "ordem pública" e que foi responsável pelo assassinato documentado de cento e noventa e um brasileiros e pelo "desaparecimento" de outros duzentos e quarenta e três.

Apesar disso, continua a anelar aqueles tempos que muitos brasileiros prefeririam esquecer, recusando-se a classificar o regime militar brasileiro como uma ditadura.

Em 1993, pediu o encerramento do Congresso, afirmando que o Brasil "nunca resolveria os seus problemas nacionais com essa democracia irresponsável".

Mais tarde, em 1999, apelou à convocação duma guerra civil para, segundo ele, eliminar trinta mil pessoas –  entre elas Fernando Henrique Cardoso, naquele então presidente do país.

Admirador confesso de Augusto Pinochet, Bolsonaro quer aumentar a responsabilidade dos militares no governo e reformar radicalmente o Supremo Tribunal Federal, pondo assim em perigo a separação de poderes.

Admirador confesso de Augusto Pinochet, Bolsonaro quer aumentar a responsabilidade dos militares no governo e reformar radicalmente o Supremo Tribunal Federal, pondo assim em perigo a separação de poderes.

Depois de quase trinta anos no Congresso, representa actualmente o Partido Social Liberal, um pequeno partido que conta apenas com oito dos quinhentos e treze assentos na Câmara dos Deputados. No entanto, a sua campanha concentra-se principalmente nele e nos seus 8,5 milhões de seguidores nas redes sociais, que mobiliza através dos seus ataques conta o aborto legal, a liberalização das drogas e o controlo de armas.

A sua base de apoio inclui uma parte da classe média educada, assim como aqueles que vivem em pequenas e médias cidades, especialmente no Sul e no Oeste do país.

O seu discurso de lei e ordem contra o crime convenceu muitos brasileiros de que ele é o homem certo para o trabalho. Mas de acordo com as últimas sondagens, a sua campanha está a ter mais sucesso naqueles estados onde a corrupção é a principal preocupação dos eleitores: muitos brasileiros acreditam que Bolsonaro é o messias anticorrupção que veio libertar o Brasil do Partido dos Trabalhadores.

Um resultado imprevisível

Em 2016, poucos imaginavam que Jair Bolsonaro pudesse tornar-se num sério candidato à presidência. A pior recessão na história do país, o impeachment de Dilma Rousseff e a falta de confiança nas instituições ajudam a explicar como um político de extrema direita que defende a intolerância, o ódio, o racismo e o militarismo é hoje o favorito para ganhar a primeira volta das eleições presidenciais.

Ainda assim, a fragmentação do sistema eleitoral brasileiro torna praticamente impossível prever o que acontecerá no dia 7 de Outubro.

Lula da Silva continua a ser o político mais popular do país. Mas apesar de liderar todas as sondagens, está a cumprir uma sentença de doze anos por corrupção, tendo sido proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral de concorrer às próximas eleições presidenciais, de acordo com a actual lei eleitoral, aprovada durante a sua presidência.

O antigo presidente apresentou um recurso perante Supremo Tribunal Federal e perante a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, acreditando a maioria dos especialistas que se tratou duma estratégia para ganhar a simpatia dos eleitores e transferir os seus votos para Fernando Haddad, que o substituiu como candidato presidencial no dia 11 de Setembro.

Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo e ex-ministro da educação, foi responsável pela expansão do sistema educativo do país e pela construção de novas universidades, tendo aberto as portas do ensino superior a estudantes de diferentes origens sociais e raciais.

Embora careça do carisma e da influência de Lula, Haddad representa a nova geração de líderes políticos progressistas dos que o Brasil precisa desesperadamente se quiser deixar para trás o passado e garantir o progresso cultural, económico e social.

Mas, ainda que os partidários de centro-esquerda transfiram os seus votos de Lula para Haddad, a maioria das sondagens indicam que milhões de brasileiros ainda não decidiram em quem vou votar e os especialistas alertam que a potencial transferência de votos é muito difícil de medir nestas circunstâncias.

As sondagens reflectem que Bolsonaro lidera as sondagens na primeira volta com 26%, mas que perderia contra a maioria dos candidatos na segunda volta. Seguem-se-lhe Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) com 13%, Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo, e Marina Silva, do Partido Rede Sustentabilidade.

A democracia morre na escuridão

O que está em jogo no Brasil não é nada mais e nada menos que o seu futuro, que depende da responsabilidade dos seus cidadãos e do seu compromisso democrático.

Nos últimos anos, muitos políticos foram incapazes de governar para todos os brasileiros e actuaram em função dos seus interesses particulares. Outros, que acreditavam ser semideuses, foram derrubados dos seus pedestais.

Mas a democracia deve prevalecer se os brasileiros quiserem evitar que as gerações futuras cresçam na escuridão e repitam os erros do passado.

O ataque contra Jair Bolsonaro na semana passada foi, neste sentido, um ataque contra a democracia, reflectindo como a violência foi reintroduzida na vida politica brasileira.

Hoje, a maioria dos candidatos têm dificuldades para aceitar a legitimidade dos seus oponentes, tendo o conflito entre a esquerda e a direita atingido níveis perigosos.

Em Março, Marielle Franco, conselheira municipal e defensora dos direitos humanos, foi assassinada no Rio de Janeiro. Poucos dias depois, um autocarro da campanha de Lula da Silva foi baleado várias vezes no sul do Brasil.

Hoje, separar a racionalidade da emoção é praticamente impossível no Brasil. E isso é perigoso. Ao mártir na cadeia temos agora que acrescentar o mártir no hospital, que não desperdiçará a oportunidade para ganhar votos.

Desta forma, num momento em que o dia a dia é impregnado de nostalgia, ódio e medo, e a razão é insuficiente para moderar o debate político, poucos especialistas se atrevem a prever o resultado das eleições.

No entanto, as chamas que consumiram o Museu Nacional do Rio de Janeiro, o maior museu de história natural da América Latina, deviam servir para lembrar os brasileiros do seu passado –  às vezes brilhante, às vezes sombrio.

Recordar que Bolsonaro representa o último deve ser suficiente para que a maioria dos brasileiros tomem a decisão correcta e votem contra ele. 

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