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O Governo mais curto da história de Portugal

O XX Governo Constitucional de Portugal caiu ao fim de apenas 12 dias. Uma coligação composta pelo Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, unidos somente pela sua rejeição à austeridade, foi a responsável. English.

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Manuel Nunes Ramires Serrano Francesc Badia i Dalmases
21 Novembro 2015
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Lisboa, Portugal. Flickr: some rights reserved.

Depois da vitória da coligação Portugal à Frente (PAF) nas eleições legislativas, e através de um surpreendente e inteligente movimento político, António Costa, o atual líder o Partido Socialista, foi capaz de concluir três acordos por separado com o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e os Verdes. Este inusitado desenvolvimento alterou drasticamente o cenário político em Portugal. Imprevisivelmente, o líder da oposição foi capaz de transformar uma derrota clara numa aparente vitória. A dúvida, porém, é por quanto tempo.

Um executivo anti austeridade governará Portugal, pelo menos no futuro mais próximo, em detrimento duma coligação de direita que ficou aquém da maioria absoluta. Isto já aconteceu noutros sistemas democráticos, mas é um cenário ímpar e uma situação sem precedentes na história da política portuguesa.

Momento Histórico

Desde que se instaurou o sistema democrático em Portugal foram adotadas dissemelhantes fórmulas governativas. Desde governos maioritários formados por um único partido, governos de coligação, governos minoritários de partido único até governos minoritários de coligação. Mas esta é a primeira vez que Portugal assiste a um “acordo de governo” entre o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.

Uma moção de rejeição (e não uma moção de confiança) foi por primeira vez aprovada pela esquerda em Portugal. Esta instituição é o mais importante mecanismo sancionador que um grupo parlamentário dispõe para responsabilizar politicamente o governo. Os quatro partidos da oposição (incluído os Verdes), apresentaram quatro distintas moções de rejeição. Só houve necessidade de votar a primeira. Para que uma moção desta natureza passe, requere uma maioria absoluta. O resultado foi de 123 a favor da rejeição do Governo de Pedro Passo Coelho e 107 em contra. O resultado? O governo mais curto da história de Portugal.

Constitucionalidade

De acordo com a Constituição Portuguesa de 1976, uma vez que um Governo é rejeitado na Assembleia da República, tem que ser substituído. O Presidente da República está obrigado a convidar o líder do segundo partido mais votado a formar governo. Contudo, uma vez indigitado, o Presidente deve decidir se o Governo proposto cumpre os requisitos mínimos para tomar posse. Se o eventual Governo não cumpre com as condições colocadas pelo Presidente, a única alternativa, de acordo com o constitucionalista Jorge Miranda, é um Governo de Iniciativa Presidencial, uma figura hibrida que recorre a personalidades independentes e não impõe compromissos partidários, mas que por natureza, tende a ser um governo precário.

Contudo, é improvável que o Presidente de República, Aníbal Cavaco Silva, no final do seu mandato, esteja disposto a convocar tao singular fórmula governativa. O Presidente garantiu que não daria posse a um governo que fosse contra “os compromissos históricos assumidos por Portugal” (uma referencia à União Europeia e à NATO), mas, legalmente, não tem alternativa.

O Presidente não pode atuar como um poder obstrutor e impor a sua vontade sobre a Assembleia da República. Convocar novas eleições não é possível, uma vez que a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses seguintes as eleições. Também não é possível convocar eleições no último semestre do mandato presidencial. Como ambos cenários se aplicam, Cavaco Silva tem as mãos atadas.

Jogando a carta comunista

Francisco Sá Carneiro, antigo primeiro ministro de Portugal, disse que a “política sem risco é uma chatice e sem ética uma vergonha». Noutras palavras: vale tudo na política? No caso em questão, tem António Costa suficiente legitimidade política para tomar posse como Primeiro-Ministro?

António Costa enganou a coligação Portugal à Frente (PSD/CDS), ao falsamente sentar-se a negociar quando não tinha intenção alguma de o fazer. Depois, enganou o Presidente, levando-o a acreditar que tinha um acordo de governo com o BE e o PCP. Mas, e sobretudo, enganou os eleitores. Durante a campanha eleitoral, uma coligação nunca esteve em cima da mesa, e muito menos uma coligação com dois partidos (PCP e BE) que não querem nem ser parte da União Europeia nem da NATO, algo que não só choca frontalmente com o programa eleitoral do PS mas também com a vontade maioritária do povo português.

Ainda assim, esta falta de legitimidade política não é o único problema em cima da mesa. Como veio a ser sabido, António Costa não fechou um acordo de governo com os Verdes, o Partido Comunista e o BE. Em vez disso, assinou três acordos diferentes, cada um deles reconhecendo implicitamente que não há acordo.

Esta “coligação” não foi capaz de pôr-se de acordo em relação ao Orçamento de Estado, como também não incluiu nos citados acordos medidas concretas sobre o relacionamento de Portugal com a União Europeia e o que podem os Portugueses esperar no futuro. Incrivelmente, foi incapaz também de chegar a um acordo sobre a restituição dos feriados nacionais. O único ponto em comum parece ser o desejo de acabar com a austeridade. Se esta “cola anti austeridade” é suficiente forte para garantir a sustentabilidade dum governo de “esquerda” está por ver.

Passando a culpa

A coligação Portugal à Frente (PAF) também é responsável por este impasse político. A adopção dogmática e ortodoxa do neoliberalismo teve custos sociais e económicos muito graves para a sociedade portuguesa. Como resultado destas medidas, demasiados Portugueses estão desempregados, outros não tem casa, e muitos, não tem esperança. Demasiados foram obrigados a pagar pelos erros dos políticos e pelo esbanjar dos bancos e dos banqueiros, tanto em Portugal como a nível internacional, onde parece que se tomam as “verdadeiras” decisões.

A realidade é que as medidas de austeridade destruíram o centro. Num lado está a direita, noutro a esquerda. No meio não há nada. Num lado está o credo neoliberal, no outro uma aparente falta de ideias mais além do slogan que exige o “fim da austeridade”.

Mas a esquerda não é homogénea. Inclui o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, partido de extrema-esquerda que compartilha certas similitudes com movimentos como Podemos ou o Syriza no sul da Europa. O PCP é um partido estalinista, coletivista por natureza e ultrapassado pela historia. O BE é um partido de extrema-esquerda, que abertamente já disse que quer abandonar o Euro e reestruturar a dívida interna. Ambos encontram-se a anos-luz do que defende o Partido Socialista, que como sabemos quer permanecer no Euro, quer permanecer na NATO e não quer sequer ouvir falar de nada que se pareça a uma restruturação da divida interna.

Como resultado, Portugal encontrasse sumido numa profunda contradição: quer permanecer na União Europeia, mas, ao mesmo tempo, quer acabar com a austeridade a qualquer preço. Para resolver esta contradição o país precisará dum tipo de flexibilidade que os comunistas portugueses não podem oferecer.

O comunismo ortodoxo acabou em todo lado. Mas sobrevive em Portugal como um anacronismo, uma relíquia possibilitada por décadas de politicas económicas e sociais que foram longe demais e muitas vez na direção contrária ao interesse público. Em Portugal, ao contrário do que acontece no continente, um ganancioso e não regulado capitalismo permitiu ao Marxismo-leninismo “viver” para contar a história.

Maturidade ou loucura?

Muitos celebrarão o histórico “acordo” que foi assinado. Muitos reivindicarão que este é o fim do bipartidismo tal como o conhecemos, trazendo mais pluralidade ao cenário politico. E é verdade, as coligações parecem estar na ordem do dia nos países europeus. Mas somente isto não significa que a política Portuguesa vai mudar para melhor.

A democracia Portuguesa tem uma oportunidade de amadurecer e evoluir. Uma maior participação, assim como maior diversidade de atores políticos, poder conduzir-nos a uma melhor democracia. Mas é duvidoso que o atual “acordo para concordar”, vinculando um político derrotado (António Costa) e dois partidos que não querem jogar pelas regras europeias, consiga tal feito. 

A direita usa poucas palavras, mas muitos números. A esquerda escreve demasiado, mas usa poucos números. Contudo, existe crescente consenso na Europa que as medidas de austeridade impostas pela Alemanha não são a forma correta de resolver os problemas do Sul, mas que a solução também não passa pelo radicalismo. O exemplo do Syriza é um aviso para políticos sérios, em Bruxelas ou em qualquer outro sítio. Admitidamente, o preço a pagar pela austeridade foi demasiado alto, e a justiça social, a participação da sociedade civil e participação local são, para muitos uma melhor alternativa. Mas trocar as medidas de austeridade por um plano inconcebível não é de todo um plano.

Se António Costa, de repente – como foi capaz de fazer com a sua inesperada coligação – apresentar um programa de Governo concreto que permita a Portugal aumentar os salários, diminuir o desemprego, proteger os direitos sociais e económicos, potenciar a educação e a participação cidadã, e ao mesmo tempo cumprir com as regras Europeias, então… chapeau!

Infelizmente, parece que estamos destinados a testemunhar o mesmo, e fútil, debate: a esquerda vs. a direita, a direita vs. a esquerda, sem fim. E, no meio, ninguém a não ser os portugueses, que uma vez mais, serão chamados a resolver um puzzle irresolvível, numas novas eleições.

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