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Ocupa Política 2019: um sopro de otimismo e resistência

O democraciaAbierta esteve no Ocupa Política 2019, um evento que promove a democracia radical e articula a transição de movimentos sociais da rua para a política institucional. É um sopro de otimismo em um Brasil que vive uma emergência política e social. Español

Manuella Libardi
10 Setembro 2019, 12.01
Ativistas participam do Ocupa Política 2019 em Recife.
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Daniel Pereira, Pedro Maia/Chama, Kati Tortorelli/Chama, Rafaella Gomes. Todos os direitos reservados.

Durante os eventos que deram largada ao Ocupa Política deste ano na Praça do Arsenal, no Recife Antigo, um menino e uma menina, magros e altos – seus corpos em entre a infância e a vida adulta – se olham e exclamam: “Olha, a Áurea Carolina tá ali!”.

A jovem deputada federal por Minas Gerais de fato estava logo ali na frente deles, vestida com um macacão comprido de estampa preta e branca. Os adolescentes vão ao seu encontro e se revezam para tirar fotos com Áurea Carolina.

Esse momento, no qual dois jovens negros refletem nos olhos o brilho de se verem representados na política, captura o que foi o Ocupa Política 2019. Depois de passar por Belo Horizonte e São Paulo, a terceira edição do encontro foi ao Recife entre os dias 29 de agosto e 1 de setembro. O evento é uma articulação nacional que se baseia no conceito de democracia radical. O objetivo é conseguir fazer com que os movimentos sociais – já articulados – façam a transição das ruas para a política, sendo assim seus próprios representantes institucionais.

Além de representante nacionais, o Ocupa Política também contou com a presença de ativistas e políticos de vários países latino-americanos, e até dos Estados Unidos, criando, assim, uma corrente de inovação política que vai além das nossas fronteiras.

Em um país onde negros e pardos constituem pelo menos 50% da população, mas com uma representatividade de apenas 24% na Câmara dos Deputados, estar em um ambiente onde a maioria era negra simboliza a potência desse movimento

A ideia para o Ocupa Política surge em 2016, quando mandatos coletivos e de formação popular começaram a ser eleitos, como As Muitas, em Belo Horizonte, Marielle Franco e Talíria Petrone, no Rio de Janeiro, Marquito, em Florianópolis, Ivan Moraes, no Recife, entre outros exemplos. Cria-se assim, uma fábrica de renovação e inovação da política.

Quem esteve no evento este ano conhece a sensação de estar em um ambiente revolucionário. Em um país onde negros e pardos constituem pelo menos 50% da população, mas com uma representatividade de apenas 24% na Câmara dos Deputados, estar em um ambiente onde a maioria era negra simboliza a potência desse movimento. Como um dos ativistas em um dos eventos disse, “Eles têm o dinheiro, mas nós temos o povo”.

Além disso, o Brasil está entre os piores países em representatividade política feminina, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. Segundo esse ranking, a nossa taxa é de mais ou menos 10 pontos percentuais a baixo que a média global que permanece estável desde a década de 1940.

A edição deste ano tinha um tema otimista: Pra todo mundo viver bem. Como disse Beatriz Sánchez, jornalista e política chilena candidata presidencial do Frente Amplio, “O carinho é político”. Sánchez participou de uma mesa de discussão na sexta-feira (30) no Cinema São Luiz, cujo tema foi “Por que ocupar a política Insurgindo frente à onda de conservadorismo no mundo”, mediado por Áurea Carolina.

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Foto: Áurea Carolina fala durante o Ocupa Política 2019.
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Daniel Pereira, Pedro Maia/Chama, Kati Tortorelli/Chama, Rafaella Gomes. Todos os direitos reservados.

O Ocupa Política deste ano foi dividido entre mesas de discussão, nas quais políticos e ativistas tiveram a chance de compartilhar suas histórias de transição das ruas para a política institucional, e oficinas que apresentavam diferentes assuntos e que permitiam que ativistas e pessoas locais compartilhassem suas perspectivas. Na sexta-feira à tarde, as oficinas foram distribuídas em diversas regiões periféricas do Recife, nas comunidades do Bode, Coque, Ilha de Deus e Xambá. As oficinas trataram de assuntos como política na periferia, feminismo anti-sistêmico, ocupação da cidade, e também fé e política.

As vozes negras, pobres e indígenas sobressaltaram nessas oficinas. Nesses espaços, é possível sentir o pulsar da urgência com que as comunidades mais prejudicas pelo atual governo brasileiro estão se organizando. Para muitas comunidades, a única saída nesse momento e hackear o sistema, um termo que ouvi repetidamente durante esses quatro dias, como um aforismo para transformar o sistema a partir de dentro.

Como disse um dos articuladores da roda de diálogo, “Antiproibicionismo como estratégia de defesa de defesa de vidas negras”, as comunidades negras estão à mercê das políticas feitas de branco para branco porque eles estão à margem delas. “A gente não tá atrelado à política. Então a gente vira vítima dela”, ele disse.

Esse movimento que busca ver os seus corpos criando políticas de dentro das instituições parece estar ganhando momentum. Apesar de negros e pardos continuarem sendo sub-representados na Câmara, os números vêm aumentando. Nas eleições de 2018, a quantidade de deputados negros – que é a soma de pardos e pretos, segundo critério do IBGE – cresceu quase 5% na eleição de 2018 em comparação com 2014. Entre os 513 deputados eleitos no dia 7 de outubro, 104 se reconhecem como pardos (20,27%); 21 se declaram pretos (4,09%), como mostram os dados do site da Câmara dos Deputados. Além disso, as eleições também marcaram a primeira vez que uma mulher indígena, Joênia Wapichana (Rede-RR), é eleita deputada federal.

Como inspirar as novas gerações a se envolverem em política se suas cores e seus cabelos não pertencem a esse mundo?

É muito fácil – e na verdade incontrolável – ceder ao pessimismo diante do atual cenário político brasileiro, latino-americano, e até mesmo mundial. Mas o Ocupa Política 2019 veio também como um sopro de otimismo, nos mostrando que onde existe opressão, existe resistência.

Nesse quesito, pessoas como Áurea Carolina, Andréia de Jesus (Deputada Estadual de Minas Gerais), Talíria Petrone (Deputada Federal pelo Rio de Janeiro), Marielle Franco, entre muitas outras, tem um papel fundamental. Como inspirar as novas gerações a se envolverem em política se suas cores e seus cabelos não pertencem a esse mundo?

De fato, os dois adolescentes que correram ao encontro de Áurea Carolina na Praça do Arsenal são o futuro do Brasil, e as nossas instituições precisam espelhar essa realidade.

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