Mulheres com tinta vermelha simbólica nas pernas em manifestação para exigir que a política de esterilização nos anos 90 seja abordada
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Georg Ismar/DPA/PA Images
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Rute Zúñiga, Victoria Vigo, Josefina Quispe, Francisca Llantoy são apenas alguns dos nomes das mulheres que foram esterilizadas contra sua vontade no Peru entre 1990 e 2000, durante o governo de Alberto Fujimori.
Em 2015, o caso das esterilizações forçadas foi elevado a uma "questão de interesse nacional no Peru" por um decreto emitido pelo então presidente Ollanta Humala.
A comissão do Congresso peruano que investigou os casos de laqueadura em 2002 concluiu que 314.605 mulheres foram esterilizadas sob o Programa Nacional de Planejamento Familiar do governo de Fujimori. Segundo o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), apenas 10% delas deu "consentimento genuíno".
Este mês, duas décadas depois, o Estado peruano reconheceu o direito à reparação de milhares dessas mulheres. A indenização foi oferecida graças a uma campanha promovida pela ex-congressista indígena Tania Pariona e pela organização feminista Estudio para la Defensa de los Derechos de la Mujer (DEMUS).
Protestos contra o perdão de Fujimori | Shutterstock
Durante seu mandato, Fujimori promoveu a prática como um "programa de planejamento familiar" e como uma medida de combater à pobreza. O agora ex-presidente havia anunciado que o programa seria progressivo e que ofereceria uma gama de métodos contraceptivos. Mas, em realidade, continha objetivos e cotas claras de esterilizações que os profissionais de saúde tinham que realizar.
As investigações apontam que os procedimentos foram traumáticos, muitas vezes sem anestesia e realizados tanto em homens quanto em mulheres. A maioria das vítimas eram indígenas de origem humilde e falantes de quíchua, que assinaram documentos em espanhol que nem sequer compreendiam.
Mulheres e homens reportaram sequelas físicas e, em alguns casos, complicações fatais
Após os procedimentos, mulheres e homens reportaram sequelas físicas e, em alguns casos, complicações fatais. Somam-se a isso as consequências psicológicas e o fato de que, no caso das mulheres, muitas foram abandonadas pelos maridos por não poderem mais ter filhos.
O processo legal contra Fujimori e seus ex-ministros da Saúde começou há mais de uma década. No entanto, não houve avanços significativos. No dia 1º de março de 2021 haverá audiência em que o Ministério Público deverá apresentar sua denúncia final contra o acusado. Se for considerado culpado, a pena será adicionada aos 25 anos que Fujimori cumpre por crimes contra a humanidade. O valor da indenização ainda não foi definido, mas marcará um avanço em um crime que está impune há mais de 20 anos.
Métodos coercitivos
Testemunhos e investigações de organizações como a Anistia Internacional, Cladem e o Congresso listaram os métodos usados por profissionais de saúde peruanos para forçar as mulheres a optarem pelo procedimento de laqueadura:
Chantagem às mães que haviam dado à luz recentemente por não inscrever seus filhos no registro civil
Ameaças de realizar abortos em mulheres grávidas que não concordaram em ser esterilizadas
Pressão psicológica sobre a irresponsabilidade ou instabilidade econômica dos maridos para coagir as mulheres a optarem pela contracepção cirúrgica.
Visitas domiciliares de enfermeiras que ameaçavam retornar "com a polícia" se as mulheres não concordassem em ir ao centro de saúde
Campanhas para a convencer as mulheres de que a laqueadura é o melhor método contraceptivo em vez de outros métodos não-definitivos
Ir em ambulância de casa em casa buscando mulheres
Pagamento de "incentivos" financeiros aos maridos para que assinem um termo de consentimento para que as mulheres sejam submetidas à esterilização "voluntária"
Oferecer alimentos e medicamentos como um mecanismo para recrutar mulheres de recursos limitados ou com necessidades urgentes
Uso de força física para levar as mulheres aos centros de saúde
'As esterilizações forçadas não são mitos ou erros, são crimes contra a humanidade'
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Creative Commons
Ajudar a contar a própria história
Em 2013 surgiu o Projeto Quipu para ajudar as milhares de pessoas que nunca puderam relatar ou contar suas histórias. A plataforma digital coleta relatos de esterilizações forçadas através de uma linha telefônica gratuita. O site permite que pessoas de todo o Peru contem e ouçam depoimentos de outras vítimas, permitindo até mesmo que deixem respostas.
Página principal do Projeto Quipu | Projeto Quipu
Depois de gravadas, as mensagens são traduzidas a quíchua, espanhol e inglês e colocadas no site do projeto, onde podem ser ouvidas de qualquer parte do mundo.
O nome do projeto foi inspirado pelos quipos, um antigo sistema de registro com fios e nós usados pelos incas. Assim, o Projeto Quipu cria um elo entre as vítimas que deixam, através da tradição oral, um testemunho vivo do que vivenciaram.
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