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Pressão migratória na fronteira dos EUA: solidariedade e inteligência como solução

Entre novembro e março, 95 mil centro-americanos embarcaram em uma caminhada de mais de 2 mil km até os EUA. Por quê?

democracia Abierta
26 Março 2021, 12.01
Caravana de migrantes centro-americanos
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Shutterstock

Para muitos cidadãos da América Central, não há futuro em seu próprio país e o presente está se tornando insuportável. A precariedade econômica, a corrupção governamental, a criminalidade, a violência extrema e a absoluta impotência diante das mudanças climáticas foram agravadas por uma pandemia que devastou o Triângulo Norte – El Salvador, Guatemala e Honduras – e fez com que seus habitantes decidissem encarar um caminho incerto em direção a uma luz no fim do túnel: os Estados Unidos.

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Migrantes centro-americanos atravessando a fronteira do México para os Estados Unidos | Alamy

Por semanas a fio, sem calçados ou roupas apropriadas, atravessando o vasto território mexicano muitas vezes baixo temperaturas acima de 30ºC, com pouca água ou comida, os migrantes chegam à fronteira norte exaustos e desamparados.

De acordo com a Secretaria de Governo do México (SEGOB), mais de 95 mil migrantes centro-americanos cruzaram a fronteira norte-americana entre novembro de 2020 e março de 2021. Entre janeira e novembro de 2020, foram cerca de 81 mil. Mais de 90% desses migrantes vieram do Triângulo do Norte.

De acordo com um estudo da Universidade de Havana em Cuba, a maioria dos países da América Central tinha infraestruturas sanitárias fragmentadas e disponibilidade limitada de leitos hospitalares para lidar com o vírus. Da mesma forma, um estudo da Secretaria de Integração Econômica Centro-Americana (Sieca) e do Sistema de Integração Centro-Americana (Sica) sobre os impactos econômicos da Covid-19 na região projeta uma diminuição da economia regional de 1,4% em 2021, com uma taxa de inflação estimada de 1,9%.

Se aprovada, a reforma seria histórica, apenas comparável ao do presidente Ronald Reagan em 1986

Além dessas questão, a região também é assolada pelas facções criminosas que exercem seu poder homicida enquanto a população tenta se recuperar de uma série de furacões que cruzou a região no ano passado, deixando um rastro de destruição e milhares de desabrigados. Portanto, para o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), as pessoas que decidem migrar desses países podem ser consideradas refugiadas.

Diante dessa situação, que impacta o dia a dia das pessoas mais vulneráveis ​​desses países, milhares de centro-americanos vêm optando por unir-se em caravanas de migrantes. E desde a vitória de Joe Biden, a esperança de que a política de imigração do novo governo os beneficie de alguma forma é mais um incentivo para embarcar no doloroso caminho.

Mas a reforma da política de imigração dos EUA está apenas na fase inicial. Muitos migrantes chegam com a ideia de que o novo presidente representa a possibilidade de entrar e permanecer no país com mais facilidade, mas não é o caso. Eles devem presumir que, até que a reforma seja aprovada, continuarão a enfrentar os enormes obstáculos de qualquer indocumentado.

Uma reforma histórica

Em suas primeiras horas como presidente, Biden enviou ao Congresso dos Estados Unidos um projeto de reforma de imigração que representa uma mudança radical em relação à política de seu antecessor, Donald Trump. Biden deixou claro que essa será uma questão prioritária durante sua gestão e que buscará resgatar os valores dos Estados Unidos como nação de migrantes.

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Presidente dos EUA, Joe Biden, com líderes da América Central em 2015 | Alamy

O mais importante sobre este projeto de lei é que abre caminho para cidadania para mais de 10 milhões de imigrantes indocumentados já nos Estados Unidos. Portanto, seria um processo histórico, apenas comparável ao do presidente Ronald Reagan em 1986, que possibilitou a quase 3 milhões de pessoas obter seus papéis. Se aprovada, a reforma permitiria que imigrantes indocumentados que estão no país há quase 15 anos finalmente tenham acesso a benefícios básicos, como proteção legal, empregos mais bem pagos e cobertura social e de saúde.

A reforma também propõe um plano de ajuda de US$ 4 bilhões por ano para El Salvador, Honduras e Guatemala

De acordo com essa mesma reforma, todos os migrantes que chegaram aos Estados Unidos antes de janeiro de 2021 poderão solicitar residência temporária e, após cinco anos, residência permanente se cumprirem certas normas, como o pagamento de impostos e não ter antecedentes criminais. Outro ponto importante da reforma é o que diz respeito aos chamados dreamers, como são conhecidos aqueles que chegaram ao país indocumentados ainda crianças – que hoje somam cerca de 700 mil. Eles poderiam solicitar diretamente o green card, ou residência permanente e, após três anos, processar seu pedido para obter a cidadania americana.

A reforma também propõe um plano de ajuda de US$ 4 bilhões por ano para El Salvador, Honduras e Guatemala. Esse dinheiro seria usado para combater o crime e a corrupção nesses países para aliviar dois dos fatores que impulsionam a migração. Além disso, Biden planeja reunir famílias e as 154 mil crianças que foram separadas de seus pais na fronteira com o México.

Biden também aposta no que ele chama de "fronteira inteligente", que consiste em instalar tecnologia de ponta para monitorar as fronteiras e fazer da migração um processo ordenado e de acordo com a lei, ao contrário da política de repressão e o muro que seu antecessor implementou durante seu mandato.

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Cruz em homenagem os migrantes que morreram tentando atravessar a fronteira através do Rio Grande | Alamy

A reforma, entretanto, está nas mãos do Congresso dos Estados Unidos, que conta com uma pequena maioria dos democratas, partido de Biden. No entanto, se o presidente não conseguir controlar a onda migratória que pressiona a fronteira, as repercussões políticas e sociais podem ser negativas para seus interesses eleitorais nas eleições de meio de mandato de novembro de 2022. Trump fez a construção do muro a marca registrada de seu mandato, que teve êxito em diminuir a migração aos EUA, junto com as negociações com as autoridades mexicanas. Além disso, durante a pandemia de Covid-19, Trump fechou a fronteira e congelou os requerimentos de asilo.

O destino dos mais de 90 mil migrantes centro-americanos que chegaram às fronteiras dos Estados Unidos nos últimos seis meses permanece em suspenso e depende das políticas de imigração no Congresso americano. Esta é uma questão humanitária muito complexa, em que não é fácil desenhar uma política justa sem gerar uma força de arraste. Para resolvê-lo, é preciso que o atual governo mostre solidariedade e inteligência, algo que não existia no passado recente.

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