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Revisão da política de drogas dos EUA pode beneficiar toda a América Latina

O Congresso dos Estados Unidos divulgou um importante relatório detalhando a potencial luta contra o crime organizado durante a administração do presidente eleito Joe Biden.

Max Radwin
16 Dezembro 2020, 2.20
Um agricultor espalha folhas de coca para secá-las ao sol em Cruz Loma, Los Yungas, a região mais importante desse cultivo na Bolívia
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Marcelo Perez del Carpio/DPA/PA Images/All rights reserved

O Congresso dos Estados Unidos publicou um extenso relatório sobre a política de drogas nas Américas, no qual estabelece uma longa lista de recomendações para acabar com o tráfico de drogas e abordar os problemas de saúde pública criados pelo uso de drogas. O relatório detalha a potencial luta contra o crime organizado durante a administração do presidente eleito Joe Biden.

Publicado pela Comissão de Política Antidrogas do Hemisfério Ocidental da Câmara dos Deputados em Washington, o relatório pede mudanças profundas e sistemáticas na forma como os Estados Unidos combatem o tráfico de drogas. Também propõe uma maior coordenação internacional, uma abordagem mais holística para a formulação de políticas e uma revisão das ultrapassadas penalizações impostas aos países que não cumprem as metas anuais.

"Podemos nunca parar o comércio ilegal de drogas, assim como não podemos eliminar o abuso de substâncias", diz o documento. "Mas podemos administrar melhor estes graves problemas através de uma estratégia abrangente."

O relatório recomenda que os Estados Unidos estabeleçam "acordos plurianuais de assistência externa" desenvolvidos por embaixadores com líderes políticos e de segurança nacionais. Diz que tais acordos permitiriam maior compartilhamento de informações, bem como maior transparência entre países e soluções mais econômicas para questões como o crime organizado, a reforma da justiça criminal e os direitos humanos.

O que um país como a Colômbia precisa é muito diferente do que um país como o México, El Salvador ou Honduras pode precisar

Os planos também poderiam incluir a sincronização de esforços para evitar transações digitais ilícitas, que, segundo o relatório, estão sendo cada vez mais utilizadas por grupos do crime organizado para lavar os lucros das drogas.

"O que um país como a Colômbia precisa é muito diferente do que um país como o México, El Salvador ou Honduras pode precisar", disse Shannon O'Neil, presidente da Comissão, referindo-se à proposta durante uma reunião sobre o relatório realizada em 3 de dezembro.

"Nesse sentido, economiza dinheiro e evita implementar políticas que são ineficazes para um contexto particular", acrescentou ela.

O relatório rejeita as abordagens tradicionais à formulação de políticas de drogas, que se provaram limitadas no passado, e propõe não sucumbir a escolhas falsas como "segurança pública versus saúde pública", o que pode dificultar estratégias mais eficazes, holísticas e multifacetadas, o relatório enfatiza. O relatório fez amplo uso das pesquisas e análises do InSight Crime.

O que os formuladores de políticas precisam fazer, o relatório continua, é tomar os melhores aspectos de ambos os lados do debate: continuar a investir em estratégias tradicionais, como o financiamento para treinamento policial e a destruição de laboratórios de drogas, mas complementá-las com planos para melhorar a saúde pública, os direitos humanos e o desenvolvimento econômico alternativo.

Através de títulos de terra, os agricultores podem ter acesso a crédito e a serviços governamentais, e assim atrair investimentos para se afastarem de cultivos ilícitas

Tudo isso exigiria cooperação entre a comunidade internacional e o setor privado a fim de discutir formas criativas de provocar mudanças a longo prazo, diz o relatório. Por exemplo, menciona a titulação de terras em áreas rurais da Colômbia onde o cultivo de coca está aumentando. Através de títulos de terra, os agricultores podem ter acesso a crédito e a serviços governamentais, e assim atrair investimentos para se afastarem de cultivos ilícitas.

O relatório também exorta as autoridades a reverem o que é conhecido como processo de certificação e classificação, através do qual a Casa Branca publica uma lista anual de países produtores e de trânsito que "fracassaram" em deter o crime relacionado às drogas. Os países que aparecem na lista podem ser penalizados, embora isso seja raro.

Este processo equivale a uma lista de "bons e maus", com uma apresentação teatral que desnecessariamente afasta os parceiros latino-americanos e faz pouco para prevenir a corrupção. O processo também é frequentemente acusado de ter motivações políticas, observou o relatório, já que certos aliados americanos às vezes são deixados de fora da lista sem uma explicação adequada.

Análise do InSight Crime

O relatório contém recomendações sólidas que há muito foram negligenciadas e que, se devidamente implementadas, poderiam melhorar os problemas do tráfico e do uso de drogas que são atualmente endêmicos na América Latina.

Primeiro, o relatório desconstrói antigos debates entre falsas dicotomias como "segurança pública versus saúde pública", duas estratégias que só fazem sentido se aplicadas em conjunto.

Não podemos controlar a oferta de drogas perigosas sem também reduzir a demanda e não podemos diminuir a demanda sem também limitar a oferta

Na Colômbia, por exemplo, a pulverização aérea de plantações ilícitas de coca é cara e aliena as comunidades rurais. No entanto, os esforços de erradicação da coca podem desempenhar um papel importante como parte de uma estratégia mais ampla para resolver o problema, se combinados com 'incentivos positivos', como a construção de estradas e maiores oportunidades agroindustriais para ajudar os produtores na transição para a economia legal.

“Não podemos controlar a oferta de drogas perigosas sem também reduzir a demanda e não podemos diminuir a demanda sem também limitar a oferta”, afirma o relatório.

Em segundo lugar, as ações de boa-fé coordenadas pelos Estados Unidos, como sugerido pelo relatório, são geralmente positivas, conforme demonstram os bons resultados do trabalho de coordenação em andamento. Apesar de muitas deficiências, trabalhar junto com os Estados Unidos levou a uma reforma legítima da justiça criminal e a uma recuperação econômica da qual outros países poderiam se beneficiar.

No México, por exemplo, a Iniciativa Mérida parece ter ajudado a reduzir as taxas de homicídio como resultado de uma reforma da polícia apoiada pelos EUA, como indica o relatório. A aplicação de estratégias semelhantes – melhoradas com base em erros anteriores – pode ser construtiva se forem concebidas de acordo com as necessidades específicas e o contexto sociopolítico de cada país. No mínimo, isso seria mais lucrativo do que muitos dos esforços atuais.

Finalmente, a decisão do relatório de questionar a eficácia do processo de certificação e classificação em questões de drogas poderia criar uma mudança profunda na luta internacional contra o tráfico de drogas. Incluir um país na lista dos que “fracassaram” pode parecer uma ameaça e dificulta desnecessariamente as relações com países que já são frágeis. Também faz os Estados Unidos parecerem insensíveis às necessidades da região, interessados ​​apenas em manter o controle do cenário político.

Talvez o melhor exemplo deste último seja a Bolívia, que aparece na lista todos os anos desde 2008, quando o ex-presidente Evo Morales exilou o embaixador americano e expulsou a Administração de Controle de Drogas (DEA) dos Estados Unidos.

Enquanto os Estados Unidos tinham e têm motivos para duvidar da gestão do cultivo da coca no país, como a implementação de um mercado legal de coca em nível nacional, sua decisão de incluir a Bolívia na lista em um momento em que o Peru e a Colômbia produzia muito mais coca foi tida como algo politicamente motivado, e aumentou ainda mais a distância entre os dois países.


Este artigo foi originalmente publicado em InSightCrime. Leia o original aqui.

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