
Precisamos de uma resposta à Covid-19 construída pelas comunidades indígenas

A investida de doenças como varíola e gripe trazida pelas potências europeias do século XV, combinada à escravidão e ao genocídio, dizimou as populações indígenas em todas as Américas. Hoje, estima-se que existam 826 grupos indígenas na região, com uma população total de 45 milhões de pessoas. Infelizmente, o contínuo descaso aos povos indígenas por parte de muitos governos em suas respostas ao novo coronavírus poderia colocar os que ficaram à beira da extinção.
Enquanto já enfrentam a falta de informação linguisticamente acessível e de cuidados de saúde culturalmente apropriados, muitos grupos indígenas continuam a lutar com ameaças às suas terras e meios de subsistência durante esta crise de saúde. No Brasil, o desmatamento na Amazônia está aumentando, apesar da pandemia.
Enquanto isso, os casos de coronavírus têm aumentado e recentemente tiraram a vida de um líder indígena. Na região amazônica transfronteiriça da Colômbia, Equador e Peru, por exemplo, as indústrias extrativistas continuam a saquear os exuberantes recursos naturais muitas vezes encontrados dentro e protegidos por territórios nativos. Apesar das quarentenas ativas nos centros urbanos, os governos dos três países ainda não emitiram moratórias sobre as atividades extrativistas. O Equador e a Colômbia, inclusive, vêm incentivando empresas a perfurar petróleo e gás para apoiar suas "contribuições essenciais" para as economias nacionais.
Empresas menores, como a extração ilegal de madeira e a mineração, também continuam sendo uma ameaça, poluindo os cursos de água e destruindo a cobertura arbórea vital sobre grandes áreas de terra. Enquanto isso, grupos armados ilegais que se deslocam entre a Colômbia e o Equador têm aumentado sua presença em várias reservas, tentando tomar conta do território, envolvendo-se em confrontos agressivos com as comunidades e, simultaneamente, colocando os povos indígenas em maior risco de exposição ao vírus.
Além da Amazônia, outros grupos indígenas estão unidos por respostas inadequadas à pandemia. No Paraguai e no Chile, grupos são incapazes de utilizar plenamente seus territórios e recursos naturais devido à ameaça representada pela floresta e pelo agronegócio, além da falta de recursos básicos como alimentos e água. Esses fatores ameaçam sua capacidade diária de aplicar medidas de saúde.
Para muitas comunidades mapuches do Chile, o fato de o trânsito de veículos continuar atravessando seus territórios levou vários grupos a criarem bloqueios de estradas, arriscando descumprir leis e possível contágios.
Na Nicarágua, cujo governo tem estado entre os mais omissos da região, não há informações disponíveis sobre como a Covid-19 está afetando a comunidade Miskito e outros grupos indígenas marginalizados ao longo da costa do Caribe. Como muitos deles têm enfrentado níveis consistentes de violência de madeireiros e colonos, bem como a falta de acesso a serviços básicos de saúde e humanos, a falta de resposta do Estado faz de sua situação uma bomba relógio.
Se considerarmos que 22% dos territórios indígenas possuem quase 80% da biodiversidade mundial, vemos que os povos indígenas são fundamentais para garantir nossa saúde planetária
A estrutura de abandono e exposição varia de país para país. Em toda a região, a pandemia serve como um lembrete vivo da carga histórica imposta desde que as primeiras ondas de colonização tocaram as costas das Américas por patógenos, violência e indiferença às populações indígenas.
Além disso, a Covid-19 oferece uma visão de como nosso mundo poderia acabar se os governos não levassem a sério a destruição ambiental. Há evidências crescentes de que o desmatamento e a perda da biodiversidade levam à propagação de doenças zoonóticas. Os exemplos mais contemporâneos incluem o HIV/AIDS, a síndrome respiratória aguda grave (SARS), Ebola e Covid-19. Se não forem implementados mecanismos para impedir a invasão humana no mundo natural, pandemias resultantes da interação inadequada entre homem e vida selvagem podem se tornar um fenômeno recorrente.
Mas há esperança: se considerarmos que 22% dos territórios indígenas possuem quase 80% da biodiversidade mundial, vemos que os povos indígenas são fundamentais para garantir nossa saúde planetária. Eles são muitas vezes a primeira linha de defesa contra a destruição ambiental. Nesse sentido, garantir a saúde da humanidade e do planeta exige um esforço consolidado que reconheça e incorpore a visão daqueles que há tanto tempo protegem a natureza, ao mesmo tempo em que abordam conscientemente as disparidades que lhes são impostas através de séculos de racismo, desigualdade e ganância.
Dada essa necessidade urgente, o Centro de Justiça e Direito Internacional trabalhou com diversas organizações e indivíduos representando comunidades em todo o hemisfério para emitir uma série de recomendações aos Estados que atendem às necessidades específicas das comunidades indígenas, com plena consideração das necessidades das mulheres, crianças e idosos; suas necessidades e restrições alimentares; seu acesso a serviços básicos como água, alimentação e assistência médica; e se vivem ou não em isolamento voluntário; bem como sua visão de mundo e busca por uma existência vivida em equilíbrio com a natureza e o meio ambiente.
No futuro, governos e organizações devem trabalhar com as comunidades indígenas com a máxima urgência para desenvolver respostas regionais e multilaterais que considerem as necessidades intersetoriais e diferenciais dentro dos territórios para enfrentar a pandemia e evitar qualquer dano futuro ao meio ambiente que possa gerar uma crise de saúde semelhante. Sua participação ativa é essencial no desenho de todas as estratégias de médio e longo prazo para apoiar sua sobrevivência, limitar o desmatamento e promover um ambiente saudável, fortalecendo assim os pilares de nossa saúde planetária e a sobrevivência da humanidade.
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