democraciaAbierta: Opinion

Reforma eleitoral do presidente mexicano prejudica qualidade democrática

Polêmica política promovida por AMLO levou milhares a protestar contra o que consideram um atentado à democracia

democracia Abierta
14 Março 2023, 10.00
Milhares de manifestantes da oposição se reúnem para protestar contra as reformas eleitorais do partido governista na praça Zocalo, na Cidade do México, em 26 de fevereiro de 2023
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NICOLAS ASFOURI/AFP via Getty Image

Com o INE ninguém mexe. Esse foi o lema dos protestos das últimas semanas no México, provocados pelas reformas propostas pelo presidente mexicano Andrés Mnauel López Obrador ao Instituto Nacional Eleitoral (INE).

Os manifestantes protestam contra o que AMLO, como é conhecido o presidente, chamou de "Plano B", reforma do corpo eleitoral aprovada no Senado em fevereiro que visa reduzir o orçamento e funcionários do INE, instituição que organiza as eleições no México. A proposta também flexibiliza alguns aspectos do protocolo eleitoral.

Desde que assumiu o poder, em 2018, AMLO acusa o INE de não ser um órgão imparcial e de permitir fraude eleitoral. Sob esses argumentos, o mandatário prometeu modificá-lo. Essa percepção do presidente é antiga e remonta às eleições de 2006, quando acusou as autoridades de lhe terem roubado a vitória ao usar o INE (então denominado IFE) para validar uma suposta fraude eleitoral. O órgão determinou que o então candidato perdeu as eleições por uma estreita margem de 250 mil votos. AMLO também não reconheceu sua derrota em 2012, novamente alegando que a autoridade do IFE tolerou fraude eleitoral.

Agora, a aprovação do Plano B deu um fechamento legislativo à proposta presidencial. Em dezembro de 2022, algumas alterações na lei já haviam sido aprovadas. No entanto, a segunda parte da reforma havia sido adiada devido à cláusula de "vida eterna", o que gerou polêmica entre os partidos. Esse ponto polêmico permite a transferência de votos entre partidos da mesma coligação, o que favorece os aliados do Movimento de Regeneração Nacional (Morena) frente a uma oposição dividida.

Para dar continuidade ao projeto, o Senado mexicano aprovou as leis sobre as quais houve consenso, deixando o artigo "vida eterna" para ser debatido em uma discussão legislativa posterior. O que foi aprovado em fevereiro, mais o que já havia sido aprovado no ano passado, representa uma reforma que afetará a estrutura do INE.

Entre outras coisas, a reforma obriga o INE a eliminar cerca de 300 juntas distritais, que têm a seu cargo a preparação e realização das eleições. O projeto propõe substituí-las com escritórios dirigidos por uma única pessoa. Ele estabelece ainda a redução da estrutura de 32 conselhos locais, o que implica a eliminação de 262 cargos.

Responsáveis ​​por garantir os direitos à identidade, associação política, igualdade e não discriminação, voto secreto, informação e transparência nas eleições, esses conselhos são fundamentais para a qualidade da democracia

Para muitos mexicanos, tirar recursos do órgão eleitoral pode ter consequências em termos de transparência

A reforma também estabelece que o que não for rotulado no orçamento como propaganda não será considerado como tal, mesmo que sejam utilizados recursos públicos para custeá-la. Pressupõe também corte de despesas e um aumento da verba disponível para os partidos políticos. Para tal, a reforma prevê tirar o equivalente a U$ 190 milhões do INE e estabelecer mecanismos que permitam que os partidos guardem recursos, públicos ou privados, que não utilizem durante o ano para o período eleitoral seguinte.

Segundo AMLO, a reforma busca economizar milhões de dólares. O presidente mexicano descreveu os salários do INE como "estratosféricos" e argumentou que a mudança tornará as eleições mais eficientes.

Mas, para muitos mexicanos, tirar recursos do órgão que organiza todos os aspectos das eleições eleitorais pode ter consequências em termos de transparência, o que prejudicaria a qualidade da democracia em um país que, segundo o Índice de Percepção da Corrupção (CPI ), está em 126º lugar entre 180 países avaliados.

A reforma também pode limitar a autonomia e a confiabilidade das próximas eleições presidenciais de 2024. Por isso, os milhares de manifestantes liderados pela oposição pedem que a Corte Suprema de Justiça julgue a reforma como inconstitucional. O tribunal não tem muito tempo, uma vez que o prazo para qualquer reforma eleitoral termina um ano antes das eleições. Os esforços dos opositores à reforma agora se concentram em convencer o tribunal de sua inconstitucionalidade.

O governo, porém, tem defendido com unhas e dentes que o objetivo da reforma é evitar gastos injustificados e duplicidade de funções. Além disso, AMLO garante que, em seu primeiro ano de vigência, a reforma economizará o equivalente a U$ 270 milhões.

No entanto, o presidente do INE, Lorenzo Córdova, argumenta que a eliminação de cargos custará ao erário milhões de dólares apenas em indenizações. A redução de funcionários também afetará a velocidade da contagem de votos, abrindo espaço para a contestação dos resultados — o que pode incentivar importantes ameaças à democracia, como visto nos EUA com Donald Trump.

Com seu Plano B, AMLO mostra que procura moldar o INE de acordo com seus interesses

Alejandro Moreno, presidente e deputado do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país por mais de 70 anos e é atualmente um dos principais partidos de oposição, se pronunciou contra a reforma e pediu união dos defensores da democracia. “Os mexicanos e as mexicanas estão do lado da democracia, juntos façamo-nos ouvir para que as instituições democráticas do país não sejam destruídas! clamou. Sua súplica foi ecoada por Ramón Cossío, ex-juiz do Supremo Tribunal Federal, argumentando que AMLO busca “apropriar-se do sistema eleitoral”.

O presidente mexicano nega essa acusações. No entanto, com seu Plano B, AMLO mostra que procura moldar o INE de acordo com seus interesses e condicionar o único árbitro eleitoral do país. Para muitos, as ações de López Obrador representam um ataque a um pilar fundamental da democracia mexicana com a intenção de garantir a hegemonia de seu partido, o Morena.

Mas o tiro pode sair pela culatra. A reforma conseguiu reunir toda a oposição, que se divide em muitos aspectos da atuação do atual governo.

Outras vozes minimizam o impacto que a reforma pode ter nos resultados eleitorais e defendem que se trata de uma discussão entre as elites, distante das preocupações do povo.

De qualquer forma, dada a propensão de AMLO de controlar a agenda política a seu favor e reduzir continuamente o espaço de manobra dos partidos de oposição, o perigo de que a reforma impacte negativamente a qualidade democrática das próximas eleições presidenciais é real.

A batalha agora está sendo travada na Corte Suprema, que pode suspender o Plano B. A decisão deve sair até 2 de junho.

Em todo caso, para muitos o que está em jogo é a qualidade da democracia mexicana, que enfrenta problemas gravíssimos como a militarização da segurança e o crescente poder do exército diante da violência desencadeada.

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