
América Central já sente as consequências das mudanças climáticas
Em 2020, os furacões Eta e Iota destruíram mais de 200 mil hectares de alimentos e safras comerciais no Triângulo Norte

Em abril de 2016, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21) em que o Acordo de Paris foi adotado, 175 países se comprometeram a reduzir suas emissões de CO2 e fazer parte de uma transição para uma economia de baixo carbono lutando para fazer frente às mudanças climáticas. Outros 20 países se uniram ao grupo desde então.
Mas cinco anos depois, o cenário não é nada promissor. Em seu último relatório, publicado na segunda-feira, 9 de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, advertiu que a demora em reduzir as emissões de combustíveis fósseis tornou impossível evitar um aumento da temperatura global nos próximos 30 anos. A temida catástrofe está aqui.
À luz dessas informações alarmantes, analisamos o caso das populações da América Central, que já viram como o aquecimento global está se somando aos múltiplos fatores que as empurram para uma migração muitas vezes desesperada.
Refugiados do clima: a nova migração
Nos últimos meses, os países do Triângulo Norte – El Salvador, Guatemala e Honduras – viram milhares de pessoas se dirigirem à fronteira com os Estados Unidos em busca de melhores oportunidades de vida.
A migração nesses países ocorre por múltiplas causas: pobreza extrema, falta de governança, insegurança jurídica, impunidade e violência. Um fator adicional às causas dessas migrações, nos últimos anos, têm sido os efeitos devastadores das mudanças climáticas.
Nos três países do Triângulo, os furacões Eta e Iota de 2020 causaram danos irreversíveis que se somaram a anos de seca e clima extremo e imprevisível. Em fevereiro de 2021, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU estimou que a fome atingiu cerca de 8 milhões de pessoas em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua, das quais 1,7 milhão estão na categoria de emergência, a pior de quatro.
De acordo com o PMA, os furacões destruíram mais de 200 mil hectares de alimentos básicos e safras comerciais nos quatro países e mais de 100 mil hectares de fazendas de café em Honduras e na Guatemala.
Mesmo se os países começarem a reduzir suas emissões hoje, a temperature global aumentaria cerca de 1,5ºC nas próximas duas décadas
“Diante da destruição de casas e fazendas, escassez de alimentos e diminuição das oportunidades de emprego, quase 15% das pessoas entrevistadas pelo PMA em janeiro de 2021 disseram que estavam fazendo planos concretos para migrar”, disse o órgão. Esse percentual era o dobro do que o PMA havia registrado em 2018, depois de uma seca prolongada.
O PMA afirmou que “as comunidades urbanas e rurais da América Central atingiram o fundo do poço” e que, somados à insegurança alimentar, Eta e Iota deixaram centenas de desabrigados.
Embora existam outros motivos para migrar, quem sai do Triângulo Norte também o faz devido a situações diretamente relacionadas ao aquecimento global que agravaram as já precárias condições de sobrevivência em seus países.
Este é apenas um exemplo latino-americano dos chamados refugiados do clima, que aumentam ano após ano no mundo e que, se os governos não se unirem para fazer algo radical em breve, serão bilhões nos próximos anos.
Evitar a catástrofe fica cada mais difícil
Evitar um futuro ainda mais catastrófico requer um esforço coordenado entre os países para impedir a emissão de dióxido de carbono na atmosfera até o ano de 2050. Para isso, seria necessário um rápido abandono dos combustíveis fósseis, bem como uma decisão radical por parte de diferentes indústrias de remover os gases de efeito estufa do ar. Esses esforços poderia estabilizar o aumento da temperature média global, que permaneceria estável em torno de 1,5ºC, diz o relatório.
Sem esses esforços, o IPCC afirma que a temperatura global continuará subindo e poderá subir de 2ºC a 3ºC ou mesmo chegar a 4ºC. Cada grau adicional implica consequências catastróficas mais intensas: ondas de calor, piores secas, inundações, elevação dos mares e acidificação dos oceanos.
Quanto mais o planeta aquece, mais perto ficamos de cruzar limites perigosos como o colapso irreversível da Antártica Ocidental, o derretimento total do Pólo Norte Geográfico, o desaparecimento de geleiras e perdas irreparáveis para o futuro da Terra e da humanidade.
O relatório garante que a atividade humana já aumentou a temperatura do planeta em cerca de 1,1ºC desde o século 19. Grande parte do aumento da temperatura se deve a atividades como a queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás para a produção de energia. Apenas neste verão, as intensas ondas de calor causaram a morte de centenas de pessoas nos Estados Unidos e Canadá e inundações catastróficas na Alemanha e na China.

O panorama é muito complexo e difícil. Mesmo se os países começarem a reduzir suas emissões hoje, a temperature global aumentaria cerca de 1,5ºC nas próximas duas décadas – um número assustador.
Cientistas do IPCC afirmam em seu relatório, aprovado por 195 governos com base em mais de 14 mil estudos, que se o aquecimento global chegar a 1,5ºC, as catástrofes serão inevitáveis: centenas de milhões de pessoas começarão a lutar pela água devido à seca, quase 100 milhões de pessoas sofrerão ondas de calor que ameaçam a vida, centenas de espécies animais e vegetais desaparecerão, os recifes de coral morrerão em massa e a acidificação dos oceanos atingirá níveis que colocarão em perigo o oxigênio que geram vida, incluindo a dos seres humanos.
O IPCC afirma que os seres humanos são os responsáveis absolutos pelo aquecimento global atual. Os cientistas dizem que a última década é a mais quente do planeta em 125 mil anos e que os níveis de dióxido de carbono na atmosfera não eram tão altos em pelo menos 2 milhões de anos. Da mesma forma, muitos dos eventos meteorológicos catastróficos que ocorreram nos últimos anos, como inundações, incêndios e furacões, devem-se a este aumento da temperatura do planeta.
O Relatório do IPCC é conclusivo: as mudanças climáticas não são uma possibilidade futura, mas uma realidade atual e, se a ação dos governos para reduzir as emissões não for radical, as consequências para nossa espécie serão apocalípticas.
Mesmo assim, não parece que os governos latino-americanos apoiados pelas elites econômicas estejam determinados a assumir sua parcela de responsabilidade, limitando drasticamente a extração em massa e a exploração intensiva dos recursos naturais dos quais extraem as rendas, aplicando um enfoque desenvolvimentista e de curto prazo que pertence a séculos passados. A terceira década do século 21 exige uma mudança drástica no modelo econômico e já estamos atrasados.
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