Inspirando-se no evento "Cidades sem medo" ("Fearless Cities") deste ano, a Fundación Avina e o Democracia Abierta estabeleceram uma colaboração especial para explorar algumas das experiências políticas mais interessantes que estão emergendo na América Latina.
Concersar com líderes relevantes neste campo, diretamente envolvidos na ação da inovação política a nível local, nos deu a oportunidade de buscar respostas para quatro questões principais que afetam de forma diferente, porém transversal, todos esses projetos: a) Visão de inovação; b) contexto político nacional e limitações do poder local; c) Influência do contexto político internacional e d) A questão da liderança.
Nesta página, os inovadores compartilham sua resposta ao primeiro desses temas:
TEMA 1: Em que medida você considera que sua experiência faz parte da chamada "inovação política"? São estes processos de nova criação, que contêm elementos de ruptura com processos anteriores, ou talvez contenham elementos de experimentação, teste e erro, que certificam que há inovação ou que não há inovação? Qual é o seu critério para considerar que existe uma inovação real?
Javier Arteaga Romero, Nariño (Colombia)
Eu acho que a palavra inovação, se a entendemos como é entendida no mundo dos negócios, significa que algo novo está sendo criado. Ou seja, não haveria inovação se você não conseguir criar algo completamente novo. Nesse sentido, pode haver diferentes níveis de inovação e inovações muito mais disruptivas do que outras, mas o que é necessário é que algo novo esteja sendo gerado.
No caso da política na Colômbia, pode ser que inovar seja mais fácil, porque o critério ou o padrão de política é muito baixo ao fazer coisas diferentes, ou de uma maneira diferente. Então é muito fácil quebrar os limites com coisas que às vezes são elementares para poder inovar na política.
No nosso caso, baseamos a inovação em dois fatos: Primeiro, na atuação. A atuação é um conceito-chave na inovação. Muitas vezes as pessoas confundem a inovação com a criatividade, o ato de fazer coisas impensadas. Mas nós partimos do princípio que o importante é agir, pois, se não houver ação, se as coisas não forem feitas, não há inovação.
No nosso caso, penso que a primeira coisa a dizer é que as coisas estão sendo feitas em Nariño: isto é, estamos agimos. Podemos falhar, pode ser que muitas dessas coisas ainda não tenham significado. Talvez nós escrevamos mais tarde, entraremos em teorização, porque acho que haverá muitas coisas para o resto da Colômbia, e talvez para o mundo exterior, graças ao que está acontecendo lá. Mas começamos pelo fato de que "estamos fazendo ". E, através da atuação, geramos inovação.
Em segundo lugar, acredito que no que diz respeito à política, a inovação baseia-se na centralização da cidadania. Por mais progressivo ou avançado que seja, normalmente todos eles agem da mesma maneira. Se é esquerda, direita ou central, ou que sigam ideais diferentes, a maneira de atuar na política é muito parecida. Se eles são de extrema esquerda, centro ou direita, todos estão trancados em seus escritórios, decidindo o que é melhor para os cidadãos.
Então, ser capaz de agir e provocar uma mudança para que a governança comece a partir do espaço público e ter como centro da nossa ação política os cidadãos – como foi no nosso caso – é o que dá sentido a palavra inovação.
Áurea Carolina de Freitas e Silva, PSOL, Belo Horizonte (Brasil)
Eu acredito que, ao invés de pura inovação, se trata mais de uma mistura de ruptura e inovação. Procuramos deixar as práticas de uma política desatualizada, como continuam sendo o clientelismo ou hierarquia, toda essa política que não serve à emancipação das pessoas. Porque as pessoas hoje não são agentes da construção democrática. Nós tentamos acabar com isso. Isso é crucial para esta outra política pela qual estamos lutando seja possível. Penso que a inovação tenta mudar o aspecto da política e que a política não precisa ser reduzida a um jogo de competição eleitoral.
Acreditamos que a política pode ser um espaço de convivência; deve ser democrática, integrando a possibilidade de que nossas diferenças sirvam para tornar-nos cidadãs cheias. Se a política se tornar em um negócio de igual para igual, mesmo que sejamos muito diferentes, aí estamos inovamos e produzindo processos de cooperação, colaboração, experimentação. Para inovar, devemos mudar não apenas as práticas, mas também as pessoas que estão na vanguarda das políticas e dos processos. O perfil das pessoas mais visíveis é importante. Temos que ter mulheres, mulheres negras, indígenas, pessoas LGBT, pessoas que não são percebidas como agentes convencionais da política.
O conteúdo da política também deve ser alterado. É importante perguntar honestamente quais são as nossas necessidades mais importantes. É por isso que uma política feminista é essencial, porque é uma política que coloca a vida comum como uma prioridade. Prioriza o cuidado de todas as criaturas no espaço comum. A vida com qualidade que buscamos depende do conteúdo que associamos a essas novas práticas.
Caio Tendolini, Update Politics, SÃO PABLO (Brasil)
Penso que uma questão central da inovação tem a ver com a experimentação. Com tentar algo e cometer erros. Para colocá-lo em um contexto mais amplo, acredito que estamos vivendo, não só na política (embora haja mais e mais manifestações), uma crise de referências. O repertório de soluções e ações que temos até agora, acumulado após experiências de todos esses anos, parece não ser mais suficiente para a realidade, para os problemas que enfrentamos como humanidade. Começando com a educação, os formatos de educação, saúde e fome, e terminando com a construção de infraestrutura e serviços. Qualquer coisa, não importa o tema: parece que nosso repertório de políticas é muito limitado. Então, não há escolha senão experimentar.
Mas acredito que, quando falamos sobre inovação política, é importante definir o que é e o que não é inovação. Porque há uma sinapse importante, meio automática que o conceito de inovação gera que nos faz pensar sobre tecnologia e penso que é muito importante deixar claro que não estamos falando de tecnologia, mas de processos que podem ou não usar tecnologia. Sabemos que não são os aplicativos que vão salvar o mundo. Não acho que a inovação política seja isso.
Também não estamos falando de uma questão meramente geracional. Nem tudo o que vem do velho é ruim e tudo o que vem dos jovens é bom. Também não acredito que seja uma negação do passado. Não é isso: "Ah, nada disso é bom e temos que começar tudo de novo". Quando se trata de inovação política, é importante falar sobre o que não é inovação política.
Acima de tudo, como vemos em projetos como Update ou Bancada Activista, a inovação está relacionada com a ideia de diminuir as distâncias que existem hoje entre os representantes e os representados. Essencialmente, é isso que estamos vendo através de práticas de participação, transparência, responsabilidade, mídia independente, inovação pública no que é governo e cultura política.
Em geral, para que a democracia funcione melhor, devemos ter uma cidadania mais forte, cidadãos mais informados, mais educados, mais capacitados, capazes de acessar o poder, capazes de questionar o poder. Penso que quando estamos falando de inovação política, estamos nesse lugar. E, finalmente, chegamos a uma coisa que, na rede de inovação política, falamos muito, que a descentralização do poder. Que não é apenas uma disputa para nós obtenhamos o poder. Se partíssemos de um posicionamento arrogante e estivéssemos no poder, seria melhor negar o sistema de incentivos que facilita o acesso ao poder e seu controle?
Como economista, acredito em sistemas de incentivo e sanções. Mas os sistemas de incentivo e sanções que temos hoje levam ao resultado negativo que temos. Portanto, não basta se considerar muito limpo e transparente, mas, na realidade, ser fechado e não praticar participação, responsabilidade, comunicação... Se fizermos isso, e uma vez no poder nos fechamos, cometeremos os mesmos erros.
Sâmia Bonfim, Bancada Activista, SÃO PAULO (Brasil)
Considerando como a política está no Brasil, acredito que a nossa candidatura na Bancada Ativista possui elementos de inovação. Mas, no que diz respeito à forma de fazer política, acho que mais do que inovação, é a ruptura, porque é algo absolutamente novo. Porque a relação habitual com a política é muito fraudulenta. E o poder financeiro e econômico domina completamente os relacionamentos. Esse poder compra a representatividade, a posição política, as pessoas que são escolhidas. Eles escolhem as causas que defendem e as que. Nesse sentido, acredito que a Bancada representa uma ruptura completa com o que é usual na política brasileira.
Entendemos a necessidade de reconstruir a política, eleger representantes, parlamentares e pessoas que fazem parte de causas específicas, de movimentos sociais, de nichos específicos, de grupos sociais organizados para algo concreto e que exigem mudanças na sociedade. Nesse sentido, nossa escolha representa uma ruptura.
Mas também é verdade que, em certos aspectos é também uma evolução. Na história da humanidade, as pessoas sempre foram organizadas, juntaram-se para tentar transformações, e é isso que estamos tentando fazer agora. É unir as pessoas para que possam reivindicar seus direitos. Só que desta vez queríamos fazê-lo dentro das instituições políticas. E é aqui que podemos falar sobre inovação, porque o que fazemos é tentar trazer o que já existe na sociedade para espaços que não chegavam antes. Nesse sentido, podemos considerar que nossa opção política tem sido uma mistura de ruptura e inovação.
Susana Ochoa, Wikipolítica, Jalisco (México)
Eu acredito que a inovação é o resultado de uma necessidade de encontrar respostas para problemas para quais obviamente não temos resposta. Há muita conversa sobre inovação, mas quando você faz campanha, não pode falar sobre inovação. Você não pode, por exemplo, mencionar em seu discurso a palavra "experimentar".
Nós a usamos uma vez na campanha, em dois eventos eleitorais, e a mãe de uma das pessoas com quem fazíamos campanha nos disse: "Não usem essa palavra, as pessoas não querem saber que você vai experimentar e menos com o dinheiro público. Claro que você tem que comunicar que você está inovando e que está experimentando na campanha, mas sem usar palavras como experimentar ".
Eu também acredito que, em questões de inovação política, se pensa automaticamente no uso de aplicativos ou de tecnologia, mas muitas vezes descobrimos que um aplicativo não resolve o problema da participação cidadã. No final, pode ser um aplicativo perfeito, mas se as pessoas não usam, é obsoleta. Consequentemente, acredito que a inovação não tem necessariamente a ver com a tecnologia, mas sim com as diferentes maneiras criativas que se pode usar para ser disruptivo. Mas não só ser disruptivo por ser disruptivo – porque qualquer um pode fazer coisas loucas – mas, na verdade, fazer coisas que fazem sentido para as pessoas, para que possam dizer "eu também poderia ter pensado nisso". São coisas de senso comum, um sentido que eu acho que falta a classe política.
Jorge Sharp, Movimiento Valparaíso Ciudadano, Valparaíso (Chile)
O processo político que começamos em Valparaíso é, de certa forma, disruptivo. E nesse sentido, também é inovador. Em que medida isso significa uma ruptura de algo? Ou é simplesmente uma evolução de algo que já estava em andamento e nós simplesmente catalisamos isso? Eu acho que o processo tem algo de ambos os componentes, alguma continuidade e alguma mudança.
O que aconteceu em Valparaíso com o triunfo do Movimento Valparaíso Cidadão é, por um lado, o ponto culminante de uma longa jornada de luta pela cidade, de luta pela educação, de luta pela igualdade de gênero, de lutas sociais em geral centradas no questionamento do modelo econômico chileno, que se expressa na cidade de Valparaíso com toda sua dureza.
Estamos falando de pelo menos uma década de maturação constante. Mas também é uma mudança, já que conseguimos entrar no cenário político a partir de uma nova prática política, diferente, como foi a "primária cidadã", que era o instrumento através do qual os cidadãos definiram quem eles queriam que fosse o candidato que representasse toda essa gama de organizações, para competir contra os partidos tradicionalistas.
Éramos cinco candidatos, e cada candidato tinha um projeto específico. As pessoas votaram por nós, e isso foi extremamente disruptivo, porque não era foi uma primária como um exercício legal e quase simbólico de votar: não. Era uma prática política, autogerida, sem a intervenção do Estado, com todos os padrões de transparência. Então, acho que, neste caso, a inovação é a combinação da continuidade de um processo, que vem de muito tempo, com uma dinâmica de mudança, que acaba materializando.
Caren Tepp, Ciudad Futura, Rosario, Argentina
Nós usamos há alguns anos uma frase de Simon Rodriguez que diz: "Ou inventamos ou erramos". Nós, militantes, tentamos muitas vezes adaptar a realidade à nossa teoria e não fazer o contrário, isto é, construir a teoria da prática e entender e incorporar o que o próprio território estava alocando. Por isso, acredito que, dentro de Ciudad Futura, a característica mais distintiva é essa nova concepção sobre o Estado e a sociedade e, sobretudo, o futuro e o presente. Como construímos hoje a sociedade que desejamos para amanhã? Como fazemos para não só permanecer simplesmente denunciando ou desafiando o que está ruim, mas como podemos dar mostrar aos cidadãos – pedacinhos da Cidade do Futuro como dizemos – que sociedade é essa que nós queremos desenvolver e isso é possível de ser realizado?
Os vários partidos de esquerda são muito bons em denunciar o sistema capitalista, o neoliberalismo ou o imperialismo a nível internacional. Agora, se não pudermos oferecer uma visão do futuro e traçar um caminho para esse futuro, ninguém acreditará em nós. Ninguém vai ficar entusiasmado com a nossa proposta. E por isso, nós desenvolvemos o que chamamos de Projetos Prefigurativos, projetos que existem aqui e agora, nos territórios, principalmente começamos na periferia da cidade de Rosario. São projetos que não só dizem: "Bom, a educação e o trabalho são importantes", mas eles provam isso. Temos, por exemplo, duas escolas de gestão social que permitem que jovens e adultos nos bairros de Rosario completem seu ensino secundário. São jovens da periferia que, talvez, não tenham a possibilidade de um futuro; que talvez haviam passado por escolas públicas ou privadas, mas que, de alguma forma, acabaram abandonando, acabaram deixando, porque essas escolas não as continham. E hoje eles têm uma chance. Durante sete anos, esses jovens não só conseguiram terminar seus estudos, mas também construir um espaço de identidade coletiva e criar um projeto para o futuro.
Hoje aqui na Argentina esse modelo é como uma resposta em termos de reformas do sistema educacional. Quando começamos a estudar quais foram as chaves dessas reformas do sistema, percebemos que era igual ao da cidade de Rosario. Que a chave porquê as crianças completam a educação em nossas escolas tem a ver com a maneira como o conteúdo é abordado: através de fenômenos sociais, fenômenos políticos e não apenas através de ensino de matérias como se fazia antes, mas através da construção horizontal da educação.
Quando esses alunos entram na escola de gestão social, o poder, de alguma forma, é distribuído horizontalmente. Existe uma apropriação coletiva. O poder não é mais um poder sobre, mas um poder com. É um poder onde professores e alunos constroem, não só a maneira de abordar os conteúdos pedagógicos, mas também o gerenciamento da própria escola: limpeza, horários de funcionamento... Agora também funciona nesse mesmo espaço um jardim de infância pela manhã para crianças de 4 anos. Então aí existe uma apropriação do projeto, que é uma das chaves. Conseguir que um projeto político garanta, em dois bairros populares, que mais de 100 jovens por ano completem seus estudos secundários e que comecem a sonhar com um projeto de vida diferente, sem ser Estado, isso é para nós uma chave para a inovação política.
Leia mais!
Receba o nosso e-mail semanal
Comentários
Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy