democraciaAbierta: Opinion

Não há como votar pelos direitos das mulheres nas eleições presidenciais do Peru

País conhecido por esterilizações forçadas escolherá entre dois candidatos "anti-gênero" no segundo turno das eleições de junho

Diana Cariboni
Diana Cariboni
25 Maio 2021, 12.01
Marcha feminista de 2016 em Lima contra Keiko Fujimori, uma dos dois candidatos que disputarão a presidência no segundo turno de junho
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Carlos Garcia Granthon/Pacific Press/Alamy Live News

A retórica anti-mulheres permeou a política eleitoral nacional no Peru, país conhecido por sua política de esterilizações forçadas em massa de mulheres pobres indígenas há 20 anos.

“Deus criou o homem para ser o rei, o profeta e o sacerdote de sua casa. E nenhuma mulher tem o direito de privar um homem do papel que Deus lhe deu”, disse recentemente a rica pastora evangélica Milagros Aguayo, uma das fundadoras da 'Con Mis Hijos No Te Metas' (Não se meta com meus filhos, em tradução livre), movimento conservador e 'anti-gênero' que surgiu em 2017 e se espalhou pela América do Sul.

Aguayo conquistou uma cadeira no Congresso do Peru no mês passado, assim como Alejandro Aguinaga, ex-ministro da Saúde do presidente Alberto Fujimori no final da década de 1990 e um dos perpetradores da notória campanha de esterilização forçada do Peru.

Esses não são os únicos reveses para os defensores dos direitos das mulheres no Peru. Apesar de virem de lados opostos do espectro político, os dois candidatos que passaram para o segundo turno presidencial de 6 de junho são hostis à igualdade de gênero e aos direitos reprodutivos.

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Devastador para mulheres e meninas

O Peru tem um dos piores históricos do mundo no que diz respeito aos direitos das mulheres. O aborto só é permitido se a saúde ou a vida da mãe estiverem em risco. Vítimas de estupro não têm o direito de interromper a gravidez e podem ser processadas e presas se o fizerem.

Todos os dias, quatro meninas com menos de 15 anos (muitas delas sobreviventes de estupro) são forçadas a dar à luz. A cada hora, oito adolescentes entre 15 e 19 anos dão à luz; dois terços dessas gestações são indesejadas, de acordo com números de 2017.

Apenas metade das mulheres do país tem acesso a métodos modernos de contracepção, como preservativos ou pílulas.

O Peru é um importante polo para grupos latino-americanos "anti-direitos" que fazem campanha contra os direitos sexuais e reprodutivos

A pandemia da Covid-19 só piorou as coisas. O primeiro ano desta crise foi devastador para mulheres e meninas: o uso de contraceptivos modernos caiu 20%, as mortes maternas aumentaram 42% e o número de meninas menores de 11 anos dando à luz quadruplicou.

O relatório anual de 2020 do escritório de direitos humanos do Peru relatou 5,5 mil casos de mulheres desaparecidas (a maioria delas com menos de 18 anos), 138 feminicídios e 208 tentativas de feminicídios.

O número de ligações para uma linha direta de violência doméstica e sexual praticamente dobrou em 2020, em comparação com 2019.

Além disso, o Peru é, há décadas, um importante polo para grupos latino-americanos "anti-direitos" que fazem campanha contra os direitos sexuais e reprodutivos. É a pátria da crescente plataforma 'anti-gênero' 'Con Mis Hijos No Te Metas', que tentou proibir a educação sexual abrangente.

Sem boas opções em junho

Pedro Castillo atualmente lidera por pouco as pesquisas de intenção de voto. Professor, sindicalista e autodenominado “esquerdista radical” do partido Peru Livre (Perú Libre), tem apoio em áreas rurais e pobres.

Castillo promete expandir drasticamente os gastos públicos com saúde e educação, mas também se declarou “absolutamente contra” as escolas que ensinam temas como igualdade de gênero, respeito à diversidade sexual e não discriminação.

Castillo afirma que a legalização do aborto poderia ser debatida por uma nova assembleia constitucional que planeja instalar se for eleito (os pesquisas de 2020 mostram que 48% dos peruanos são a favor de legalizar o aborto, contra 40% que são contra). Sobre o assunto, Castillo advertiu: “Pessoalmente, sou contra”. Sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo: “Pior ainda; primeiro a família."

Pedro Castillo
Presidential candidate Pedro Castillo from the Free Peru party

Não está claro exatamente quais políticas Castillo e seu governo promoveriam se ganhar. O manifesto do Peru Libre contempla a descriminalização do aborto, mas adverte contra "o aborto ser usado como método anticoncepcional". Também promete um “processo de despatriarcalização”, incluindo “erradicar o machismo, mas sem que isso signifique instalar seu oposto extremista, o feminismo”.

Existem poucas dúvidas sobre o adversário de Castillo. Líder do partido de direita Força Popular (Fuerza Popular), Keiko Fujimori é uma figura pública conhecida e filha do ex-presidente Alberto Fujimori (condenado em 2009 a 25 anos de prisão por crimes de direitos humanos). Foi derrotada por pouco no segundo turno das eleições presidenciais de 2011 e 2016.

Em meados de março, Keiko Fujimori foi acusada de lavagem de dinheiro, obstrução à justiça, organização criminosa e perjúrio. (Se ganhar a presidência, receberá imunidade até o final de seu mandato de cinco anos.)

Em 2018, a Força Popular apresentou um projeto de lei (ainda pendente) para remover todas as referências a 'gênero' e 'igualdade de gênero' das leis e políticas do Peru. Os legisladores do partido também descreveram o Ministério da Educação como “Sodoma e Gomorra”, por introduzir no currículo assuntos sobre igualdade de gênero e respeito pela diversidade sexual.

Keiko Fujimori
A candidata Keiko Fujimori, líder do partido Força Popular
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ZUMA Press, Inc./Alamy Stock Photo

Em março, Fujimori disse que, se eleita, iria “reavaliar a 'ideologia de gênero ”, embora seu plano de governo não mencione saúde reprodutiva ou educação sexual.

Mas nada é mais revelador sobre a orientação do partido de Fujimori do que o fato de Alejandro Aguinaga ter conquistado uma cadeira parlamentar pela Força Popular no mês passado. Como ministro da Saúde do Peru na década de 1990, sob a presidência do pai de Keiko, Aguinaga “supervisionou esterilizações forçadas”, de acordo com acusações feitas em março.

Mais de 270 mil mulheres (e 22 mil homens) foram esterilizadas contra sua vontade no final da década de 1990, como parte de uma tentativa do governo de reduzir as taxas de natalidade entre famílias pobres. A grande maioria das mulheres vivia em comunidades rurais e indígenas empobrecidas e não foram informadas ou não consentiram com os procedimentos.

O Comitê da ONU contra a Tortura e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA têm instado o Peru a investigar esses crimes contra a humanidade e proporcionar reparações às vítimas. Em março, após décadas de espera, os casos de 1.306 mulheres foram finalmente ouvidos em uma audiência judicial.

Ainda não está claro se esses casos irão prosseguir – ou se Alberto Fujimori, Aguinaga e outros serão condenados. Mas Keiko disse que, se ganhar a presidência, perdoará o pai.

Em última análise, isso é um detalhe. O quadro geral é que os eleitores que se preocupam com os direitos das mulheres não têm boas opções nessas eleições presidenciais no Peru, o quinto país mais populoso da América Latina.

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