
Túmin: a moeda que desafia o capitalismo no México
Pessoas em todo o país usam cada vez mais o Túmin para apoiar negócios locais e desafiar capitalistas monopolistas

No sul do México, Itzel Castro passa boa parte do dia atrás do balcão de uma pequena loja de artesanato em uma colorida rua lateral. Ela dá as boas-vindas aos clientes enquanto eles exploram as prateleiras cheias de comida, livros e acessórios. Quando os clientes pagam, Castro oferece troco – não em pesos, mas em Túmin.
Túmin, que significa dinheiro entre os indígenas da etnia Totonaca, é uma moeda alternativa que surgiu em Veracruz, no México, em 2010. Do tamanho de um cartão de crédito, as notas de Túmin são impressas com ilustrações coloridas que variam de estado para estado. Cada nota de Túmin equivale a um peso, um minuto de trabalho ou até um dólar americano. É uma unidade de câmbio e uma moeda que vem em notas de 1, 5, 10 e 20.
Castro trabalha na Túmin Tienda em San Cristóbal de las Casas, no estado de Chiapas. É um espaço dedicado ao apoio aos produtores locais e à conscientização sobre a moeda. Castro vende sua farinha e queijos caseiros na loja. Ela é uma das dez túministas que abriram o espaço no mês passado – fazendo dela uma das mais de 350 vendedoras que usam a moeda na cidade, de cerca de 2,5 mil em todo o país.
As comunidades ao redor do México estão cada vez mais se voltando para a moeda alternativa para promover a solidariedade em meio à instabilidade econômica e à inflação causadas pela pandemia de Covid-19. Hoje já está presente em 24 dos 32 estados do México – com 723 vendedores no estado costeiro oriental de Veracruz e 567 em Oaxaca.
Como a moeda não é aceita por grandes empresas, Túmin incentiva o consumo de produtos locais. E como os bancos não o reconhecem, ele não pode acumular juros. Dessa forma, os usuários são incentivados a circular a moeda em vez de acumulá-la.
“Esta moeda comunitária não irá para grandes lojas transnacionais para nunca mais voltar; ela continuará circulando e evitará a escassez na comunidade”, explica o acadêmico e ativista do Túmin Juan Castro (sem parentesco com Itzel). “O objetivo é satisfazer as necessidades das comunidades, permitindo que produtos e serviços sejam pagos com Túmin. Dessa forma, a economia é diversificada e o dinheiro oficial, que agora é menos necessário, fica sem poder”, afirma.

A moeda – que geralmente, mas nem sempre, é usada junto com o peso nas transações (por exemplo, clientes podem optar por pagar metade em cada moeda ou receber 20% de troco em Túmin) – foi ideia de pesquisadores da Universidade Intercultural de Veracruz, durante realização de projeto nas comunidades rurais. Eles observaram que o crescimento dos mercados locais no estado de Veracruz estava sendo prejudicado por sua incapacidade de competir com grandes empresas.
Produtores de frutas e hortaliças da cidade de El Espinal, em Veracruz, onde vivem cerca de 25 mil habitantes, em sua maioria indígenas, logo se uniram para imprimir e usar Túmin para enfrentar a escassez de dinheiro local e o aumento dos preços.
Eles também buscaram estimular as vendas por meio de custos mais baixos. Os túministas geralmente vendem a preços mais baratos para clientes que pagam em Túmin como um gesto de solidariedade.
Moeda contra o capitalismo
Mais do que nada, no entanto, os criadores da moeda queriam se posicionar contra o tipo de capitalismo que extrai e acumula riqueza. Sem surpresas, o banco central do país, o Banco do México, reagiu, argumentando que o Túmin é inconstitucional uma vez que o Estado tem o monopólio de cunhar moeda e emitir notas bancárias.
Mas os túministas sustentam que estão protegidos por direitos que permitem aos povos e comunidades indígenas autonomia para moldar suas economias, e que a moeda não procurava substituir o peso. O furor passou.
Agora, em alguns municípios, como El Espinal ou Papantla, foi relatado que aluguel, água e outras contas podem ser pagas – pelo menos em parte – em Túmin.
O desejo de que o Túmin seja usado para ajudar a construir um tecido social que favoreça o escambo e empréstimos sem juros, principalmente diante do crescimento do mobile e internet banking que veio com a pandemia, é central para seus idealizadores.
“Quando você começa a usar o Túmin, você deixa de ser cliente e se torna parceiro”, explica Castro. “Quando isso acontece, toda a dinâmica capitalista entra em colapso,” agrega.
Ele acrescenta que a moeda representa um problema para o governo mexicano, já que os impostos não podem ser cobrados sobre os lucros obtidos em Túmin. A moeda de papel oferece uma alternativa aos modelos econômicos centralizados baseados em dívida e representa uma espécie de retorno aos métodos pré-capitalistas de escambo e troca.
“É um mercado alternativo que só funciona comunitariamente no espírito de um por todos e todos por um”, diz Castro. “É apenas uma parte de uma nova cultura que está desenvolvendo cada vez mais estruturas sociais autônomas fora do controle do governo,” conclui.
Castro disse ao jornal mexicano Proceso: “Este projeto não pode repetir os esquemas do capitalismo; não é uma moeda para lucrar, nem para especular. Não é para gerar riqueza ou criar pobreza; é uma moeda que sustenta as pessoas, mas não resolve tudo. Você tem que ser realista, não é uma moeda ideal.”
De volta a San Cristóbal de las Casas, a taxista Laura Mendoza aceita Túmin há quase um ano. No entanto, apenas um punhado de clientes paga regularmente em Túmin. A maioria deles não sabe nada sobre a moeda, o que não é incomum. Apesar do crescente número de vendedores que agora o usam, os túministas de fora de Veracruz lutam para que os trabalhadores o adotem, pois a moeda é tida – perversamente – como um conceito estrangeiro e até um pouco burguês. Os detratores também sugerem que seria mais fácil falsificar Túmin do que notas mexicanas.
“Eu digo a eles que posso oferecer troco em Túmin, mas muitas pessoas não querem”, diz Mendoza. “Eles têm medo do que é diferente. Ou pensam que estou tentando enganá-los,” pontua.
Mas quando as pessoas estão interessadas, ela fica feliz em explicar como o sistema funciona. Como consumidora, procura fazer as suas compras em lojas que aceitem Túmin ou entrando diretamente em contato com outros túministas.
“Temos um grande grupo no WhatsApp em San Cris. Posso perguntar lá se alguém está oferecendo um determinado serviço ou se alguém está vendendo frutas ou legumes,” explica.
Com o interesse crescente, ela fica intrigada com o potencial da moeda para fortalecer a economia e a sociedade local.
“As pessoas estão sempre falando sobre as remessas que chegam ao México, mas não falam sobre as enormes quantidades de dinheiro que saem do país por meio de grandes lojas como o Walmart”, diz Mendoza. “Túmin é uma necessidade se quisermos reinvestir em nossa comunidade.”
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