democraciaAbierta

Vacinação contra a Covid-19 no Brasil: análise panorâmica da MP 1026/21

A nova norma traz avanços essenciais para o combate da pandemia no Brasil. Faz-se necessário uma coalização nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum.

Sostenes Marchezine
Thomas Law Bruno Barata Magalhães Sostenes Marchezine Bruno Franco Lacerda Martins Clarita Costa Maia
13 Janeiro 2021, 2.52
Rafael Henrique/SOPA Images/SIPA USA/PA Images

O ano de 2021 começou e com ele a esperança da aplicação da vacina para conter uma das maiores crises de saúde pública da história da humanidade, e os mais diversos reflexos da pandemia do novo coronavírus. Para tanto, essencial que a legislação brasileira suporte a dinâmica necessária de ações a serem implementadas pelo poder público.

​Em casos de relevância e urgência, como o ora vivenciado com a pandemia da Covid-19, a Constituição Federal permite que o presidente da República adote medidas provisórias com imediata força de lei, de modo a garantir – com segurança jurídica – a efetivação de apropriadas políticas públicas que alcancem a população.​

Tecnicamente, ainda que plenamente vigentes, as medidas provisórias têm eficácia temporária e devem ser submetidas à ratificação do Congresso Nacional, tão logo sejam editadas. O Poder Legislativo Federal tem o prazo de 60 dias, prorrogável uma única vez por igual período, para apreciá-las, podendo manter ou alterar o conteúdo. Caso os deputados federais e senadores não concluam a análise no prazo estipulado, a medida provisória pode caducar, sendo ainda impedido a sua reedição na mesma sessão legislativa.

​Sendo assim, no último dia 6 de janeiro de 2021, a presidência da República Federativa do Brasil editou a Medida Provisória nº 1.026 para dispor sobre as medidas excepcionais relativas ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.

​A novel legislação autoriza a celebração, por parte do poder público, de contratos e instrumentos congêneres com dispensa de licitação, para a aquisição de vacinas e de insumos destinados a vacinação contra a Covid-19, inclusive antes do registro sanitário ou da autorização temporária de uso emergencial. Permite, nos mesmos termos, a contratação de bens e serviços de logística, tecnologia da informação e comunicação, comunicação social e publicitária, treinamentos e outros bens e serviços necessários a implementação da vacinação contra a Covid-19.

​A medida provisória em questão prevê que a sua aplicação alcançará atos praticados e instrumentos firmados até 31 de julho de 2021, independentemente do seu prazo de execução ou de suas prorrogações. A norma autoriza, ainda, o estabelecimento de cláusulas tidas como especiais nos instrumentos jurídicos necessários para aquisição ou fornecimento de vacinas contra a Covid-19, desde que representem condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço.

​São exemplos de cláusulas especiais, o eventual pagamento antecipado, inclusive com a possibilidade de perda do valor aplicado; hipóteses de não penalização do fornecedor ou prestador de serviço; e termos confidenciais. Quanto à possível perda de valores antecipados, a norma recomenda uma série de atos preventivos e ressalva casos de fraude, dolo ou culpa exclusiva da contraparte.

​Noutro ponto, a medida provisória fez constar que, apesar da dispensa de licitação, a celebração de contratos deve ser precedida de processo administrativo que contenha os elementos técnicos referentes à escolha da opção de contratação e à justificativa do preço – garantindo, ainda, efetiva e detalhada transparência, por meio da manutenção de sítio eletrônico na internet, com atualizações recorrentes.

A norma não deixa de demonstrar o objetivo de garantir ao cidadão o direito de decidir ser ou não vacinado, e a responsabilidade, ainda que moral, da sua escolha

No entanto, os procedimentos técnicos a serem adotados pelos órgãos serão simplificados, com menores exigências aos termos de referência e projetos básicos. Até porque, a medida provisória presumiu comprovadas a necessidade de pronto atendimento e a ocorrência de situação de emergência em saúde pública de importância nacional decorrentes do novo coronavírus; e dispensou a exigência de elaboração de estudos preliminares, quando se tratar de aquisição de bens e contratação de serviços comuns.

​Alguns pontos da norma deixam ainda mais evidente a sua excepcionalidade, ao permitir, por exemplo, a contratação de fornecedor comprovadamente considerado único ou exclusivo, ainda que existente em seu desfavor sanção de impedimento ou suspensão de contratar com o poder público. No caso, apesar do fornecedor ser obrigado a prestar garantia nos termos legais, que não exceda 10% do valor do contrato, tal previsão reflete a gravidade da crise pandêmica que assola o mundo, e aflige ferozmente o Brasil.

​Ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade trabalhista e previdenciária; a comprovação de não submissão de menores de 18 a trabalho noturno, perigoso ou insalubre; e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo menor aprendiz, o poder público poderá também dispensar o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação a fornecedores ou prestadores de serviço com outros tipos de restrições.

​Ainda acerca das questões procedimentais e técnicas, serão ainda reduzidos pela metade os prazos de licitações na modalidade pregão, eletrônico ou presencial – apesar de serem tipos legalmente existentes que já são, por si só, tradicionalmente mais céleres.

​Para alcançar toda a população brasileira, aos estados será possível aderir aos sistemas de registro de preços gerenciados por órgãos da União. Por sua vez, o governo federal também poderá aderir a procedimentos realizados nas esferas estadual, distrital ou municipal.

​No entanto, a aplicação das vacinas pelos entes federativos deverá observar o previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, que é elaborado, atualizado e coordenado pelo Ministério da Saúde. A aplicação das vacinas somente ocorrerá, nos termos dispostos, após a autorização temporária de uso emergencial ou o registro de vacinas concedidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

​Nessa senda, a Anvisa poderá conceder autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer vacinas contra a Covid-19, materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária, ainda que sem registro no órgão, por serem considerados essenciais para auxiliar no combate à Covid-19. Para tanto, tais itens deverão ser registrados por, no mínimo, uma autoridade sanitária estrangeira, que autorize a distribuição em seus respectivos países.

​A norma listou cinco autoridades sanitárias internacionais para a aplicação desta medida excepcional. São elas, a Food and Drug Administration – Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos; a European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; a Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; a National Medical Products Administration (NMPA), da China; e a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA), do Reino Unido.

​No que tange à operacionalização do plano nacional de vacinação, a medida provisória obriga o registro diário e de forma individualizada de dados referentes a aplicação das vacinas contra a Covid-19 e de eventuais eventos adversos, por parte dos estabelecimentos de saúde, públicos e privados, em sistema de informação disponibilizado pelo Ministério da Saúde, a fim de manter o acompanhamento da eficácia.

O Brasil carece de uma coalização nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum, que só se fortalece com a desunião institucional

Está previsto o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas, em tratamento ambulatorial ou hospitalar, ou com suspeita de infecção pelo novo coronavírus. A obrigação estende-se às pessoas jurídicas de direito privado, quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.

​A medida provisória obriga, também, que o profissional de saúde apto a administrar a vacina autorizada pela Anvisa para uso emergencial e temporário informe ao paciente ou ao seu representante legal, a depender do caso, que o produto ainda não tem registro definitivo na Anvisa, mas sim o uso excepcional autorizado pela Agência.

​Por fim, a norma – que será ainda regulamentada pelo Ministério da Saúde e, conforme detalhado anteriormente, submetida à apreciação conclusiva do Congresso Nacional – obriga também que o profissional de saúde realize uma explanação acerca dos potenciais riscos e benefícios do produto, antes de aplicar a vacina no cidadão interessado.

​Diante de tudo isto, é perceptível que a norma traz avanços essenciais para a efetividade da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Não deixa de demonstrar, portanto, o objetivo de garantir ao cidadão o direito de decidir ser ou não vacinado, e a responsabilidade, ainda que moral, da sua escolha. Tudo num contexto social desafiador, em que o número de mortes e infectados cresce vertiginosamente; a economia atrofia; os ânimos políticos internos polarizados se acirram; a geopolítica internacional descarrilha; a justiça Suprema brasileira declara constitucional a vacinação compulsória e, mais uma vez, garante autonomia normativa e executiva aos entes federados.

​Definitivamente, o Brasil carece de uma Coalização Nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum, que só se fortalece com a desunião institucional e eventual implementação de atos descoordenados.

We’ve got a newsletter for everyone

Whatever you’re interested in, there’s a free openDemocracy newsletter for you.

Assine nossa newsletter Acesse análises de qualidade sobre democracia, direitos humanos e inovação política na América Latina através do nosso boletim semanal Inscreva-me na newsletter

Comentários

Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy
Audio available Bookmark Check Language Close Comments Download Facebook Link Email Newsletter Newsletter Play Print Share Twitter Youtube Search Instagram WhatsApp yourData