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Colômbia vive um velho pesadelo

O estrondo dos tambores de uma guerra de mais de 50 anos, que parecia ter acabado com a assinatura dos Acordos de Paz em 2016, volta a tocar. Español

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5 Setembro 2019, 12.01
Captura de tela do vídeo em que líderes rearmados das FARC aparecem.

Na quinta-feira, 29 de agosto, a Colômbia acordou em um velho pesadelo. O estrondo dos tambores de uma guerra de mais de 50 anos, que aparecia ter acabado com a assinatura dos Acordos de Paz em 2016, voltou a tocar.

A declaração em vídeo da retomada de armas por vários dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que já se haviam desarmado foi um duro golpe, uma regressão ao passado.

No vídeo mencionado, reaparece o líder das negociações de paz em Havana e o número dois das FARC, Iván Márquez, que estava desaparecido desde abril de 2018.

Nove meses depois, em 15 de janeiro de 2019, Márquez publicou um vídeo clandestino no qual afirmava que "havia sido um erro" ter entregue as armas a "um Estado trapaceiro".

"Anunciamos ao mundo que a segunda Marquetalia começou", diz Márquez em um novo vídeo. Ao lado do "Paisa", outros pesos-pesados da guerrilha aparecem, entre os quais destacam-se o controverso ex-congressista Jesús Santrich, Henry Castellanos Garzón, conhecido como Romaña, e Walter Mendoza. Estão presentes todos os fantasmas do passado.

"É a continuação da luta de guerrilha em resposta à traição do Estado aos Acordos de Paz de Havana", diz Márquez com imponente solenidade, cercado pela aparência de combatentes armados, em uniformes militares.

Muitos na Colômbia se perguntariam se isso não passa de uma farsa, um "golpe de teatro" em que velhos veteranos de guerra se reúnem para lembrar os velhos tempos.

Mas para a maioria dos ex-combatentes das FARC, para os quais tem sido um esforço enorme se ajustar à nova situação, essa situação é vista como uma traição. É por isso que eles estão usando suas vozes para defender os acordos e se opor às declarações de Márquez.

Por tudo isso, apresentamos pontos chaves que você precisa saber sobre os recentes acontecimentos na Colômbia e o que a Venezuela e a atual política do governo colombiano têm a ver com o rearmamento de ex-combatentes.

Por que estaria envolvida a Venezuela?

A declaração do presidente colombiano Iván Duque, em reação à declaração de Márquez e sua gangue, não correspondeu às circunstâncias. Em vez de exigir que eles voltem à legalidade, ele acusou a "ditadura de Nicolás Maduro" de fornecer apoio e abrigo para ex-guerrilheiros dissidentes.

Para o governo, alinhado em política externa à atitude agressiva de Washington em relação a Maduro, é muito conveniente jogar a culpa no país vizinho

Para Duque, isso não passa de uma nova munição para alimentar a tensão entre os governos da Colômbia e da Venezuela. O envolvimento direto do governo venezuelano é duvidoso, mas para o governo, alinhado na política externa à atitude agressiva de Washington em relação a Maduro, é muito conveniente jogar a culpa do país vizinho.

Assim, pode desviar a atenção do fracasso retumbante do seu governo na hora de avançar os Acordos de Paz e impedir o massacre de líderes sociais, indígenas e ex-combatentes em muitos territórios colombianos.

Nesses territórios, atores criminosos impõem sua lei a sangue e fogo diante da ausência clamorosa do Estado e do descrédito de um exército envolvido dm escândalos devido a execuções extrajudiciais, eufemisticamente chamadas de "falsos positivos".

Cumprimento morno dos Acordos de Paz

Em 7 de agosto, o governo de Iván Duque fez um ano no cargo de presidente da Colômbia e, nesse tempo, impôs vários obstáculos ao desenvolvimento dos Acordos de Paz.

Duque vive na sombra de seu defensor, o ex-presidente ultra-conservador Álvaro Uribe, que promoveu o 'não' aos Acordos no referendo de 2016 e acabou aguçando a grande polarização que existe na sociedade colombiana, que ainda perdura.

A violência ainda é generalizada em muitas áreas rurais do país, onde há pouca institucionalidade e onde a manifesta falta de vontade política do governo Duque de implementar a paz abre as portas para múltiplos abusos e assassinatos

O acordo de Havana, após anos de negociações complexas com as FARC, queria pôr fim aos 52 anos de guerra civil e conseguiu desarmar os guerrilheiros, sob a supervisão da ONU.

No entanto, a violência ainda é generalizada em muitas áreas rurais do país, onde há pouca institucionalidade e onde a manifesta falta de vontade política em favor do governo Duque abre as portas para múltiplos abusos e assassinatos, que permanecem sempre em impunidade.

Sob a tutela do agora senador Uribe, Duque apresentou várias batalhas legais contra a Jurisdição Especial para a Paz (JEP). Duque, que comprou o argumento de que o JEP levaria à impunidade dos guerrilheiros, lançou uma política obstrucionista fracassada, embora tenha sido repetidamente rejeitada pelo Senado.

As tentativas de negociação com o Exército de Libertação Nacional (ELN) também falharam repetidas vezes. Dadas as dificuldades apresentadas por este grupo, muito mais desestruturadas que as FARC, Duque não conseguiu continuar o trabalho do governo anterior.

Ao colocar um carro-bomba mortal em uma escola de cadetes da polícia na capital em janeiro passado, o ELN destacou o baixo interesse que tem em estabelecer a paz e forneceu ao governo o argumento necessário para fechar a porta definitivamente.

Embora a capacidade real de Márquez, o Paisa e Santrich de reconstruir um exército combatente que ameace o governo seja praticamente nula, a mensagem que enviam é um duro golpe para um processo de paz já muito enfraquecido.

Duque assumiu apenas uma "agenda mínima de paz" que se concentra no retorno de guerrilheiros à vida civil e em alguns programas de desenvolvimento, muito pouco para uma ferida tão profunda que corre o riso de voltar a sangrar.

De qualquer forma, o anúncio de Márquez é uma notícia trágica para a Colômbia. O fato de ter permitido que a situação se deteriorasse a tal ponto que os ex-guerrilheiros dissidentes se tenham visto legitimados para voltarem a ilegalidade é um fracasso de toda a sociedade política colombiana.

Com os Acordos de Paz, que foram dificílimos de alcançar, a Colômbia tentou acordar de um pesadelo atroz. No entanto, parece que, graças ao erro de convocar um referendo usado para boicotar a esperança, e devido à incapacidade de alguns e à irresponsabilidade de outros, o pesadelo da violência chegou para ficar.

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