Apesar da falta de apoio orgânico das forças de segurança para a via antidemocrática, não faltam indícios de que o quartel-general do Exército em Brasília agiu de forma irresponsável em pelo menos três ocasiões em que radicais acampados em frente à referida instalação buscavam truncar a transição pacífica de poder: invasão de prédio da Polícia Federal e depredação de veículos e bens públicos em 12 de dezembro de 2022 em Brasília; a instalação de explosivos em um caminhão, desativado antes de uma tentativa de atentado terrorista no aeroporto da capital, dias antes da posse de Lula; e os ataques à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, data que viverá na infâmia da história brasileira.
Considerações finais
Tendo resistido um de seus dias mais longos, a democracia brasileira pode sair mais forte, desde que os erros do passado não sejam repetidos. Após o referido Movimento de 11 de Novembro, Juscelino Kubitschek adotou uma postura conciliatória com os militares e civis que tentavam anular as eleições.
Dias depois de sua posse, em janeiro de 1956, dirigentes da aeronáutica favoráveis à ruptura institucional se rebelaram na base de Jacarecanga, no norte do país. Com o apoio de Kubitschek, o Congresso concedeu anistia a todos os que participaram da conspiração, inclusive os rebeldes de Jacarecanga, e um número inédito de militares passou a exercer funções civis no governo.
A impunidade diante da sedição e a constante interferência dos generais na política entre o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) e o conturbado mandato de João Goulart (1961-1964), foram o prelúdio do golpe militar de 31 de março de 1964.
O fortalecimento da cultura democrática no Brasil passa por desestimular a inclinação das Forças Armadas a atuarem como uma espécie de poder moderador e garantir a sanção daqueles que atentaram contra a democracia e os três poderes da República nos últimos meses.
É importante ter em mente que Bolsonaro conspirou impunemente contra o resultado das eleições, mesmo antes de sua realização; porque o procurador-geral da República, Augusto Aras, sempre atuou como capataz de seus desígnios pessoais. A primeira e única vez que Aras incluiu Bolsonaro em uma investigação preliminar por crimes contra a ordem democrática ocorreu há poucos dias, quando já estava na Flórida com o chapéu de ex-presidente.
Portanto, é essencial expurgar o partidarismo do governo e do sistema de justiça. Nesse sentido, considero inapropriado a possibilidade de Lula nomear um próximo procurador-geral da República, em setembro deste ano, fora da lista tríplice proposta pelos procuradores da República. Iniciado pelo próprio Lula em 2003, esse mecanismo de seleção foi respeitado por cada um dos presidentes que o sucederam, com exceção de Bolsonaro.
Afastar-se dos hábitos antirrepublicanos de Bolsonaro e abster-se da tentação de nomear ministros do STF e procuradores-gerais subservientes seria um exercício de autocontrole que daria uma dose de vitalidade à democracia brasileira.
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