democraciaAbierta: Opinion

Conmebol toma posicionamento político sobre protestos na Colômbia

Ao manter as partidas da Libertadores em Barranquilla, a Conmebol não foi apenas insensível – foi conivente com a violência do governo Iván Duque.

Manuella Libardi
14 Maio 2021, 6.18
Protestos contra o governo de Iván Duque em 12 de maio, mesmo dia em que a Conmebol decidiu manter jogos da Libertadores
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Long Visual Press/Alamy Live News

Esta semana, a Conmebol escolheu um lado. Tanto na quarta-feira (12) quanto na quinta-feira (13), a Confederação Sul-Americana de Futebol demonstrou que, além de incompetente – algo que nós, sul-americanos, já sabemos de longa data –, é também partidária e cúmplice de violações de direitos humanos na Colômbia.

O demonstrou na quarta-feira, quando permitiu que o jogo pela Libertadores entre Junior e River Plate acontecesse em Barranquilla, um dos principais palcos das manifestações que vêm sendo brutalmente reprimidas na Colômbia desde o começo do mês. Já são pelo menos 40 cidadãos mortos pela polícia. Pelo menos 313 vítimas de violência física nas mãos das forças públicas. Pelo menos 1003 detenções arbitrárias. Já são duas semanas de uma greve nacional que não dá sinais de acabar. A Colômbia está em chamas, e essas chamas se espalhavam ao redor do estádio Romelio Martínez, onde os times colombiano e argentino se enfrentavam pela fase de grupos.

As bombas ecoaram através dos alto-falantes da transmissão da Fox Sports. O gás lacrimogêneo invadiu o campo enquanto os atletas tentavam implementar suas estratégias de jogo e esfregar os olhos ao mesmo tempo. Até aí, podemos dizer que a Conmebol foi incompetente, incapaz de tomar a decisão certa em um momento confuso. Não seria a primeira vez que a confederação esportiva organiza um evento e é incapaz de implementar medidas de segurança apropriadas, como vimos em 2018 na final entre River Plate e Boca Juniors, que teve que ser transferida para Madrid em meio a situações de violência em Buenos Aires.

Mas quando a Conmebol deu luz verde para os times de América de Cali e Atlético Mineiro entrarem em campo, de novo no estádio Romelio Martínez, em Barranquilla, na noite seguinte, já não podemos dizer que suas ações carregam somente incompetência. Na quinta-feira, a Associação Colombiana de Futebolistas Profissionais (Acolfutpro) pediu pela não realização dos jogos da Libertadores no país até que a situação se resolva. Informou, também, que apoia os protestos e que está com o povo. “Juntamo-nos às vozes que pedem um país mais justo, equitativo e inclusivo, no qual todos tenham garantidas, sem distinção, as condições mínimas para viver com dignidade,” afirmou em comunicado.

Transferir sede jogos ou até mesmo adiar partidas não é nenhum bicho de sete cabeças. No dia 5 de maio, por exemplo, a Conmebol transferiu, de última hora, a sede de Junior e Fluminense de Barranquilla para Guayaquil, no Equador, quando o time do Fluminense já estava inclusive na Colômbia.

Mas o jogo entre o América de Cali e o Atlético Mineiro aconteceu do mesmo jeito. Mais uma vez, 22 profissionais se enfrentaram enquanto cidadãos eram agredidos do lado de fora. Ambos os times pediram ao árbitro uruguaio, Andrés Cunha, para encerrar o primeiro tempo antecipadamente. Cunha se recusou e os jogadores tiveram que, por conta própria, enrolar até dar o tempo do intervalo. Defensores e o goleiro do Cali tocavam a bola entre eles diante de atleticanos estáticos. Os atletas voltaram ao gramado 15 minutos depois para disputar o segundo tempo e concluir a partida.

Naquele momento, a atitude da Conmebol já não podia mais ser interpretada como outra coisa a não ser uma atitude política. A Conmebol não foi apenas insensível – foi conivente. Ela disse, com todas as letras figurativas, que apoia o governo de Iván Duque e sua violência contra a população colombiana. Os dirigentes talvez tenham acreditado que realizar as partidas da Libertadores envolvendo dois grandes times colombianos – dois times de duas das cidades mais afetadas pela violência policial durante as manifestações, Cali e Barranquilla – tiraria o foco dos protestos. Se essa era a intenção, o tiro saiu pela culatra.

Para os dirigentes da Conmebol, a vida não vale nada. O povo colombiano não vale nada e tampouco a integridade física dos atletas que disputam o principal torneio do continente

Se alguma coisa que pode ser chamada de positiva saiu desse vexame da Conmebol foi exatamente trazer a atenção total do resto da região à situação na Colômbia. Os jornais e noticiários estavam cobrindo os acontecimentos de certa forma, mas a atenção trazida pelas duas partidas de futebol levou o assunto para o mainstream, com comentaristas populares de gigantescos meios de comunicação falando sobre a situação. Se, até quarta-feira, apenas pessoas interessadas em questões políticas latino-americanas estavam acompanhando os acontecimentos na Colômbia, agora a grande população também está a par.

Só no Brasil, jogos da Libertadores chegam a ter audiência de mais de 5 milhões de espectadores, dependendo do time e da fase da competição. Para milhões de brasileiros, os protestos na Colômbia já não são apenas fatos acontecendo no quintal do vizinho. O lateral-esquerdo do Atlético, Guilherme Arana, eleito melhor do jogo na partida de quinta-feira, iniciou sua entrevista pós-jogo enviando sua solidariedade ao povo colombiano. “Foi uma partida muito difícil por conta da situação que a Colômbia está passando. A gente fica muito triste com isso”, disse Arana antes de falar do jogo.

Diferentemente de Arana, os dirigentes da Conmebol não estão tristes com a situação. Para eles, a vida não vale nada. O povo colombiano não vale nada e tampouco a integridade física e emocional dos atletas que disputam o principal torneio do continente.

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