democraciaAbierta: Opinion

A Convenção Constitucional do Chile supera o centralismo

As lições aprendidas durante sessões realizadas em diferentes territórios abre a porta para maior sensibilidade regional

Cecilia Román
19 Julho 2022, 12.01
A Constituição proposta descentraliza a distribuição de poder no Chile
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Alamy Stock Photo

A Convenção Constitucional chilena encerrou suas funções no início do mês, resultando em um rascunho da nova Constituição que se esforça para sanar várias feridas do país. Entre elas está o profundo centralismo que marca a política, economia e desenvolvimento nacional. A concentração de poder na capital, Santiago, e a desequilíbrio em relação às demais regiões são uma das reivindicações mais sinceras dos cidadãos há décadas.

Com este diagnóstico em mente, o órgão constituinte se obrigou a incluir uma forte perspectiva regional e incorporou em seus primeiros regulamentos o dever de seus constituintes percorrerem todo o território para conhecer outras experiências fora de Santiago. Assim nasceram as “semanas territoriais”, que começaram como um período de sete dias por mês para que os constituintes retornassem aos seus distritos a fim de compartilhar com os cidadãos as principais ideias e responder dúvidas em relação processo.

Esse mecanismo já existe no atual Legislativo. Mas a Convenção Constitucional inovou ao estabelecer a obrigatoriedade de o plenário do órgão reunir-se em regiões distantes da capital pelo menos duas vezes — e ampliar a mesma exigência para algumas comissões, como a Comissão de Forma do Estado, responsável por produzir o “Estado regional” que substituiria o atual modelo de “Estado unitário”, caso os cidadãos aprovem a nova Carta Magna em setembro.

Lições aprendidas

A Convenção como um todo deixou a capital em duas ocasiões. Primeiro foram à região de Biobío, a 500 km ao sul do país e depois para a Região de Antofagasta, a 1.300 km. As comissões viajaram várias vezes.

Essas viagens e as atividades realizadas em cada área mostraram um Chile que se tornou invisível para muitos constituintes, oferecendo-lhes a oportunidade de conhecer os problemas que afetam os cidadãos nesses lugares específicos e de entender como integrar essas dores na proposta de uma nova Constituição.

Ingrid Villena, constituinte independente do Pueblo Constituyente, conta que uma das atividades que mais a marcou foi uma viagem a uma prisão na província de Arauco, na região de Biobío.

“Ao ver mulheres amamentando seus bebês lá, nos deparamos com a dura realidade de crianças nascem na prisão e que, depois de dois anos, se não tiverem familiares responsáveis, são encaminhados para residências do Serviço Nacional de Menores”, explica Villena. “Isso também nos motivou a considerar formas de evitar, na proposta, que crianças sejam privadas de liberdade desde o início de suas vidas”, detalha.

Movimentar-se pelo país também teve um papel importante para a Comissão Estadual de Formulários. Como conta a constituinte dos Movimentos Sociais Constituintes, Elisa Giustinianovich, quando a instância decidiu promover um “Estado regional”, os constituintes buscaram reafirmar essa decisão por meio do contato com os cidadãos.

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“Essa mudança ousada precisava ser reafirmada pelas vozes de milhares de chilenos e chilenas que tivemos a oportunidade de ouvir em todas essas visitas, que nos disseram 'precisamos de autonomia, tomar decisões em nossos territórios e recursos para executar políticas públicas',” diz Giustinianovitch.

“Podemos tomar uma decisão política aqui, neste espaço fechado, mas se não houver um forte apoio dos cidadãos, é difícil que os votos tenham sucesso no plenário”, acrescenta.

Aproximação com os cidadãos

Além disso, os constituintes consultados para este artigo consideram que essas viagens trouxeram outros benefícios, como a aproximação com outros grupos políticos e a partilha de tempo e espaço em outros contextos. Essas abordagens foram fundamentais para fortalecer as relações em um órgão que teve que finalizar centenas de acordos para aprovar normas constitucionais em apenas dez meses.

“Acho que, mais do que contar o que aprendemos nessas viagens, trata-se de como os cidadãos nos receberam. As pessoas sempre sentiram que a política está muito distante delas. Quando os cidadãos percebem que não é apenas um setor político ou um representante eleito naquele distrito que está visitando sua cidade, transmitimos uma mensagem importante”, diz a constituinte independente Alejandra Pérez
Ingrid Villena concorda. “Esse processo aproxima o Estado de cada cidadão, que se sente identificado. Várias pessoas na região de Lo Espejo, quando me conheceram, me disseram: 'Nunca nem falei com nenhum prefeito. Estou nesta comunidade há 20 anos e não sei como contatá-los'. É preocupante, porque o papel de representação dos cidadãos está bastante distorcido”, argumenta.

Ramona Reyes, do Partido Socialista, responde que também pôde ver uma grande ansiedade por parte das autoridades locais e dos cidadãos em apresentar suas necessidades e demandas à Convenção.

“Acho que as pessoas ficariam igualmente felizes se você lhes desse a chance de recebê-los em Santiago, mas a descentralização é fundamental. Nessa sentido, acredito que o compromisso da Convenção com as viagens às regiões foi muito bom”, diz Reyes.

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No entanto, ela alerta que “sair não é ideal para formalizar acordos ou fazer reuniões. Mas é fundamental para as etapas que envolvem escuta e audiências, nas quais temos a oportunidade de conhecer a comunidade.”

Expectativa para o futuro

O processo constituinte chileno inovou em vários aspectos em seu desenvolvimento. O mandato de descentralização foi um deles. Por isso, quem participou dessas experiências espera que os próximos órgãos legislativos, e até mesmo o Executivo, implementem esses mecanismos no futuro para não romper esse vínculo com os cidadãos e, sobretudo, ver e ouvir em primeira pessoa como afetam determinadas medidas administrativas ou legislativas que estão sendo promovidas.
Nessa linha, Elisa Giustinianovich observa que, embora o atual Congresso estipule "semanas distritais" para que os parlamentares retornem aos seus territórios, não aplica sanções àqueles que optam por não manter contato com os eleitores.

“Esse desengajamento é uma das rupturas produzidas pela crise institucional, o que gerou um descontentamento generalizado com nossos representantes e com os órgãos políticos. Em algum momento parece que deixaram de nos representar, porque quem ouve as demandas populares?”, questiona Giustinianovich.

“A democracia representativa funciona na medida em que você representa efetivamente um território e uma comunidade política", resume.

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