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A marca feminista na nova Carta Magna do Chile

As constituintes chilenas vêm aprovando normas sobre direitos sexuais e reprodutivos, que podem virar direitos constitucionais

Cecilia Román
24 Maio 2022, 12.01
Manifestação feminista em Santiago do Chile
|
Alamy Stock Photo

O dia em que a Convenção Constitucional chilena aprovou uma norma sobre direitos sexuais e reprodutivos – que inclui a interrupção voluntária da gravidez – foi marcado pela emoção da maioria dos constituintes. É o que as fotos e vídeos do momento registram: risos, gritos de alegria e abraços entre as dezenas de lenços verdes e bandeiras feministas balançando ao ritmo dos gritos e cantos de vitória.

A inclusão da norma significa um passo enorme em uma luta histórica que, junto às mulheres da convenção, começa a dar frutos: justiça com enfoque de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, educação sexual integral, igualdade substantiva e outros direitos já foram incluídos no projeto da nova Constituição, que será aprovada ou rejeitada pelos chilenos em referendo previsto para 4 de setembro.

As demandas das feministas começaram a se materializar em normas constitucionais através da organização de mais de 50 mulheres que participam de um espaço que chamaram de “Coletivo Feminista”, onde se reúnem representantes da esquerda e centro-esquerda do corpo constituinte. Apesar de existirem normas que também foram apoiadas por constituintes de direita, os conservadores de forma geral dizem não se sentirem representados pelo feminismo e suas causas.

Organização das constituintes feministas

O trabalho das constituintes feministas começou antes mesmo do início formal do processo constituinte em julho do ano passado. Uma vez eleitas em maio de 2021, já começaram a se articular por meio de grupos de WhatsApp.

Quando chegou a hora de apresentar as iniciativas, elas já tinham suas prioridades em ordem. Assim, a primeira norma que propuseram busca consagrar o direito a uma vida livre de violência.

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A norma ainda está em debate, mas outras já foram aprovadas, como o artigo que permitiria legislar sobre a interrupção voluntária da gravidez e outro que estabeleceia o direito a receber educação sexual. Além disso, o projeto da nova Constituição contempla a paridade de gênero no Judiciário.

“A origem dessas iniciativas é o Coletivo Feminista. O Coletivo Feminista é um grupo transversal de constituintes mulheres, de diversos partidos políticos, menos da direita, que se reúne aos sábados para escrever as propostas. Logo distribuímos o trabalho pelas comissões em que cada uma está. Apresentamos 14 ou 15 iniciativas e quase todas foram aprovadas”, acrescenta Ingrid Villena, integrante do coletivo Pueblo Constituente.

Abordagem transversal

No entanto, o Coletivo Feminista procura enfatizar que seus artigos abordem questões que vão além das mulheres e meninas. Para elas, é importante que as leis possam ser aplicadas também a portadores de deficiência e povos originários, abordando assuntos que vão desde o sistema de saúde e previdenciário até a descentralização do Estado.

“Devemos eliminar a caricatura do feminismo como essa ideologia que fala apenas de mulheres", explica Bessy Gallardo, constituinte independente do Chile Digno. "O feminismo é muito mais: fala de igualdade entre as pessoas. O feminismo tem como principal sujeito político as mulheres, porque são elas que sofrem mais violência, desigualdades e opressão. Mas esses aspectos podem ser aplicados a outras realidades. Todas as identidades que escapam da ideologia patriarcal são oprimidas e podem ser protegidas por políticas feministas”, afirma.

A abordagem de gênero vai além de questões de direitos fundamentais, permitindo incluir outras relações de opressão

Elisa Giustinianovich, constituinte independente dos Movimentos Sociais Constituintes, enfatiza que a abordagem de gênero vai além de questões de direitos fundamentais, como uma vida livre de violência ou direitos sexuais e reprodutivos, permitindo incluir outras relações de opressão.

“Por exemplo, na Comissão sobre a Forma do Estado, onde este centro único de impulso político, típico de um Estado unitário centralizado, viola o resto das regiões através de uma espécie de democracia tutelar", argumenta Giustinianovich. "Ou na Comissão de Meio Ambiente, na opressão exercida pelas atividades humanas sobre os ecossistemas, seres humanos e animais. Essa mudança de paradigma oferecida pela riqueza das discussões feministas tem nutrido o debate constitucional”, completa.

Dado que as constituintes também pertecem a outras causas e a seus próprios grupos políticos, o trabalho das feministas tem recebido pouca cobertura midiática, onde se vê diluído pelas demandas de ambientalistas, indígenas, regionalistas e outros grupos. Mas as feministas mostraram sua força com a aprovação dos direitos sexuais e reprodutivos, o que deve se repetir com a provável incorporação da norma sobre o direito à vida livre de violência.

“O fato de não recebermos tanta cobertura da mídia tem a ver com o machismo estrutural, com o patriarcado que nos governa", afirma a constituinte Ramona Reyes, do Partido Socialista. "Através da convenção, iniciamos uma luta histórica, porque nós mulheres temos que nos posicionar com base nas exigências das centenas de milhares de mulheres que nos precederam”, afirma.


Esta reportagem pertence à série Cartas Chilenas, produto da aliança editorial entre #NuestrasCartas e o democraciaAbierta/openDemocracy.

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