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Estupro de crianças indígenas na Colômbia ilustra 'etnocídio' promovido pelo Estado

Envolvimento de membros do Exército na exploração sexual de crianças das comunidades Jiw e Nukak é especialmente grave

democracia Abierta
6 Fevereiro 2023, 10.00
Menina da tribo Nukak Maku
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REUTERS/Alamy Stock Photo

Situado às margens do rio Guaviare, San José del Guaviare, capital do departamento de Guaviare na Colômbia, tem sido palco de conflitos armados, com confrontos contínuos entre o governo e grupos armados. A situação de segurança no município, rica em biodiversidade e cultura indígena, tem tido efeitos devastadores na economia local, que depende principalmente da agricultura e pecuária, embora ouro, esmeralda e madeira também desempenhem um papel importante.

Além de dissuadir o turismo, a violência armada ameaça as comunidades indígenas mais vulneráveis. Os grupos Jiw e Nukak sofrem com a fome há anos. Em San José del Guaviare, esses grupos vivem em grave estado de pobreza, com níveis de desnutrição que se aproximam a 54%.

Os esforços do governo colombiano de mitigar esse nível de desnutrição entre as comunidades indígenas não foram suficientes. Em meio a fome e a miséria, os Jiw e Nukak se viram no centro de um escândalo de ​​violações dos direitos humanos.

Em 11 de janeiro, o jornal El Espectador noticiou a presença de uma chamada "zona de tolerância" em San José del Guaviare na qual crianças indígenas da comunidade Jiw e Nukak são frequentemente exploradas sexualmente em troca de comida, drogas ou dinheiro com conhecimento das autoridades locais. Segundo o portal Swissinfo.ch, 69 crianças dessas duas comunidades indígenas, que estão à beira da extinção, foram vítimas de estupro.

Essa zona em formato de L compreende duas quadras, incluindo uma área conhecida como La 40, onde é comum a prostituição de crianças indígenas a partir dos 5 anos de idade.

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A reportagem ainda aponta para o possível envolvimento de membros da força pública, incluindo de um militar dos Estados Unidos, que teria estuprado uma menina de 10 anos, de acordo com um relatório da Univisión. As autoridades negam as acusações.

Diante do escândalo, o governo colombiano foi ao local para apurar as denúncias. Em sua conta no Twitter, o presidente Gustavo Petro afirmou que aguarda os resultados de uma investigação — aberta pelo Ministério Público, em 2019, contra 118 integrantes do Exército — para tomar as medidas necessárias.

"Existe uma dignidade da pátria? Existe uma dignidade da mãe terra?", escreveu.

Uma tragédia anunciada

A situação dos Nukak e dos Jiw não é nova. O procurador-geral Francisco Barbosa explicou que, já em 2016, havia enviado uma carta, juntamente com mais de cem comerciantes de San José del Guaviare, alertando o governo nacional sobre a situação de fome e a pobreza extremas no município.

Em janeiro de 2023, Barbosa visitou o local e confirmou que crianças indígenas de ambos os grupos são submetidas a prostituição por valores que variam entre US$ 0,43 e US$ 2,15, números que ilustram os horrores da realidade dessas comunidades em San José del Guaviare.

As denúncias afirmam que as autoridades departamentais sabiam da situação

As denúncias também afirmam que as autoridades departamentais sabiam da situação e decidiram não tomar nenhuma providência para impedir o abuso. Como resultado do escândalo foi aberta uma investigação disciplinar contra Joaquín Mendieta Salguero, atual diretor regional do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar (ICBF), entidade encarregada de garantir a segurança de menores na Colômbia.

Salguero aparentemente sabia em detalhes que crianças de comunidades indígenas estavam sendo prostituídas desde 2019. Da mesma forma, o procurador-geral afirmou que mais inquéritos serão abertos a outros membros das autoridades municipais. Também confirmou que pelo menos seis militares de San José del Guaviare estariam envolvidos nos abusos.

Essas violações dos direitos humanos e das crianças não eram desconhecidas na localidade. O diretor regional da entidade encarregada de proteger as crianças sabia, os militares sabiam, a comunidade sabia e o governo, desde 2016, vinha sendo alertado sobre a situação.

Também não é a primeira vez que a mídia noticia os abusos. Em setembro de 2019, vários militares teriam estuprado uma menina de 15 anos da comunidade indígena Nukak Maku, também em San José del Guaviare, mas só agora a Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos está finalizando a coleta de provas.

Em 14 de janeiro, Petro afirmou que o estupro de crianças indígenas nessa região merece a classificação de "etnocídio". É uma afirmação que dá alguma esperança sobre sua determinação em agir, mas resta saber se isso se refletirá em ações decisivas que acabem, não só com a prostituição infantil, mas com os problemas de raiz que este e muitos municípios da Colômbia enfrentam: violência estrutural, fome crônica e pobreza extrema.

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