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O futuro pós-pandemia será verde ou não será

O mundo parece ter mudado com a Covid-19. Por mais que sonhemos em voltar à normalidade perdida, devemos aproveitar a oportunidade para progredir. English Español

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5 Junho 2020, 10.10
Manifestante ambiental con una máscara de gas mientras sostiene un cartel durante una protesta por el cambio climático, en noviembre 2019.
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Manifestante com máscara de gás segura um cartaz durante protesto contra as mudanças climáticas em novembro de 2019

Os grandes países da Europa que sofreram o trágico impacto da pandemia de Covid-19 estão entrando em processo de controle da propagação do vírus e de abandonar, progressivamente, as medidas de quarentena e contenção, marcando o começo do mundo pós-Covid-19.

Enquanto isso, a América do Sul é um novo epicentro da pandemia, como declarou a OMS no último dia 22 de maio. No Brasil, a propagação do vírus parece estar fora de controle, com mais de meio milhão de infecções confirmadas e números de mortes diárias que chegam a níveis não vistos nem nos piores momentos da crise na Itália ou na Espanha (na quarta-feira, 3 de junho, foram relatadas 1.349 novas mortes por Covid-19).

Ao mesmo tempo, em muitos dos estados dos EUA, um país com mais de 100 mil mortes, o pico da infecção ainda não foi atingido, embora a pressão para reabrir a economia pareça ter deixado as precauções iniciais para trás. Os protestos em massa que irromperam em todo o país após o assassinato de George Lloyd aumentam o risco de surtos em todos os lugares.

Como tal, e enquanto se aguarda a evolução da pandemia no planeta, com potenciais surtos esperados no outono, já se pode dizer que estes últimos três meses marcarão a década, se não o restante do século XXI. A Covid-19 surpreendeu o mundo em plena recuperação econômica, mas ainda arrastando as significativas consequências negativas da crise financeira de 2008-2009, incluindo o aumento da já insustentável desigualdade.

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Essa recuperação, agora abruptamente interrompida, foi marcada por uma tendência de desaceleração do comércio mundial, que foi agravada com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, trazendo políticas agressivamente protecionistas e uma guerra comercial com a China.

Na última década, também houve um declínio na governança global e no multilateralismo. Assistimos ao abandono da liderança americana, que não foi compensada por uma União Europeia em uma crise existencial capaz de salvar o Euro in extremis, mas não evitar o Brexit, nem por um espírito colaborativo da Rússia, apenas interessada em desestabilizar para se autoafirmar.

Quanto à China, observamos que está mais interessada em aproveitar o vácuo de poder para colocar seus peões, especialmente os econômicos, no tabuleiro de xadrez mundial, do que em avançar para uma nova geopolítica do bem comum para substituir a herdada da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. No entanto, com o abandono do multilateralismo americano (seu rompimento com a OMS é apenas o último episódio) a diplomacia chinesa tem visto uma oportunidade de se posicionar cada vez mais no sistema de governança internacional.

Se a globalização está recuando, o mesmo não acontece com os problemas globais, como temos visto com a pandemia nestes últimos meses, e com a crise climática, já há algum tempo

Hoje, a globalização está claramente em retrocesso em muitos aspectos – econômico, financeiro, comercial, até mesmo migratório – com fronteiras fechadas, aviões em terra e navios atracados. Mas se a globalização está recuando, o mesmo não acontece com os problemas globais, como temos visto com a pandemia nestes últimos meses, e com a crise climática, já há algum tempo. Nem conhecem fronteiras e, embora a crise sanitária possa ser superada com o avanço científico e a eventual provisão universal de tratamentos e vacinas, será difícil superar a crise climática sem medidas radicais conjuntas e globais. Nós identificamos o problema e suas possíveis soluções há pelo menos cinco décadas, mas não conseguimos chegar a um acordo sobre como implementá-las.

Salvo exceções vergonhosas feitas por alguns governos, como o de Jair Bolsonaro ou Daniel Ortega, a reação tardia do Reino Unido ou a ação errática dos EUA, o que a reação à pandemia tem mostrado é que, diante de uma crise global, uma ação conjunta é necessária e acaba funcionando.

A pandemia de Covid-19 vai ser controlada, mas a crise climática veio para ficar. Esta observação deve fazer com que a comunidade internacional entre em acordo sobre a urgência de implementar medidas como as que exigem um Novo Acordo Verde (Green New Deal). A Covid-19 nos ensinou que somos uma espécie, vulnerável aos vírus da nova geração, e que é provável que as pandemias se multipliquem nas próximas décadas, para as quais teremos que estar preparados.

Mas se aprendemos que pertencemos a uma espécie particularmente frágil diante de um vírus respiratório, isso deve nos fazer refletir que também somos tremendamente vulneráveis a outro fenômeno global, talvez de evolução mais lenta, mas potencialmente ainda mais destrutivo, como a crise climática.

Com a pandemia vimos que nossa espécie, embora dominada pelo espírito individualista e predatório do capitalismo neoliberal, é também uma espécie colaborativa e solidária. Uma combinação de medo da morte, confiança de que a ciência deve orientar os governos e responsabilidade no comportamento individual diante da possibilidade de sermos agentes de contágio em massa, tem nos feito sentir como membros ativos de nossos ambientes sociais, desde a família e vizinhança mais imediatas até os mais distantes da sociedade global.

Se reconhecermos que o primeiro tsunami foi a pandemia, que o segundo já é o colapso econômico e que o terceiro é a catástrofe climática, temos que agir agora, globalmente

A evidência da fragilidade das nossas economias baseadas na velocidade do consumo que aprofunda a desigualdade deve levar a uma reflexão fundamental sobre a sociedade pós-Covid-19.

Se reconhecermos que o primeiro tsunami foi a pandemia, que o segundo já é o colapso econômico e que o terceiro é a catástrofe climática, temos que agir agora, globalmente. Vimos como os governos deixaram de lado a ortodoxia fiscal, tão sagrada para o sistema bancário e financeiro cujo negócio é a dívida, e se dispuseram a injetar enormes somas de dinheiro na economia para evitar o desastre; agora é a hora de introduzir condicionalidades climáticas nesses investimentos de bilhões de dólares. Se a crise financeira de 2008-2009 foi resolvida resgatando os bancos e com condicionalidades climáticas baixas às empresas para obrigá-las a introduzir medidas de redução da dependência dos combustíveis fósseis, a saída para esta nova crise terá que ser muito mais verde, ou não será.

Mesmo assim, por enquanto, não podemos ser muito otimistas. É verdade que as quarentenas trouxeram céus limpos, uma regeneração da natureza e uma consciência de que uma das soluções para o colapso do transporte e da poluição nas grandes cidades é o teletrabalho (estima-se que, globalmente, os trabalhadores perdem em média duas horas indo e vindo dos seus empregos). A solução, porém, não é apenas aumentar o número de ciclovias, como fazem as cidades de Nova Iorque, Paris, Bogotá e Barcelona, mas também aumentar o número de área de pedestres das cidades e promover veículos elétricos. Sabemos que as emissões geradas pelo transporte urbano, embora importantes, não são tão significativas no cálculo total das emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa. Existe a aviação comercial, por exemplo, ou a geração de energia elétrica a partir de combustíveis fósseis.

Mas as grandes corporações, que também são os grandes poluidores, estão se beneficiando da injeção de milhões para a recuperação econômica, tomando a maior parte sem se comprometerem a mudar nada. Além disso, a Alemanha apressou-se em resgatar a Lufthansa com 9 bilhões de euros, e o governo chinês aprovou a construção de usinas elétricas a carvão para acelerar sua recuperação. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados colombiana anulou um projeto de lei que limitava a extração de petróleo na Amazônia, e Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente do Brasil, instou o gabinete a aprovar decretos que relaxam as normas de proteção ambiental, aproveitando a distração midiática causada pela Covid-19.

Em toda a América Latina, a cortina de fumaça criada pela pandemia e o isolamento abriram espaços de impunidade para o aumento desenfreado do desmatamento da Amazônia, da mineração ilegal e do assassinato de líderes sociais e ambientais.

O panorama não é animador. Mas se fomos capazes de achatar a curva da pandemia, devemos ser capazes de achatar a curva do aquecimento global.

Até mesmo o The Economist, uma publicação historicamente desconfiada do esquerdismo verde, argumentou a favor de usar a pandemia para lidar com as questões climáticas, em um editorial recente entitulado: "Os países devem aproveitar o momento para achatar a curva climática". Esta crise tem mostrado como são frágeis os fundamentos da prosperidade global e como é urgente repensar todo o sistema e mudar o paradigma. Mesmo um influente editorial do Financial Times, no início da pandemia, fez um apelo sobre a urgência de uma mudança de rumo em direção a uma economia muito mais verde e com muito mais ênfase social, se quisermos evitar uma catástrofe climática que poderia aniquilar a espécie humana.

Parece que a consciência ecológica saiu de seus nichos progressivos de resistência para avançar na agenda dos grandes centros de pensamento, influência e poder. Agora precisa chegar até as corporações extrativistas, começando pelas empresas de petróleo, assim como da indústria militar e da economia financeira.

O mundo parece ter mudado com a Covid-19. Por mais que sonhemos em voltar à normalidade perdida, devemos aproveitar a oportunidade para progredir.

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