
Nayib Bukele acumula poder em El Salvador
Com uma vitória não vista desde 1992, Bukele e seu partido agora controlam todos os poderes em El Salvador.

Os candidatos do partido do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, conquistaram uma vitória sem precedentes nas eleições locais e legislativas de 28 de fevereiro. Com 66% dos votos, seu partido, Nuevas Ideas (NI), varreu as eleições para deputados. Com o controle da Câmara, Bukele não precisará do apoio de outros partidos para executar seus projetos. Sua enorme vitória também ilustra o colapso dos partidos tradicionais em El Salvador: a Frente Farabundo Martí (FMLN), de esquerda, e a Aliança Nacional Republicana (Arena), de direita, foram praticamente tirados do mapa político salvadorenho.
Após a guerra civil (1980-1992), El Salvador adotou um modelo democrático bipartidário no qual o poder era disputado pela FMLN e a Arena. Durante décadas, os dois partidos alternaram poderes sem conseguir resolver os principais problemas do país: desigualdade, corrupção, violência, pobreza e desesperança. Além disso, com exceção do último presidente, Salvador Sánchez Cerén, os três chefes de Estado anteriores foram presos ou fugiram por saquearem as contas públicas.
Em 2018, o Latinobarómetro mostrou que, para 54% da população, viver em democracia ou ditadura não fazia diferença
Uma pesquisa do Latinobarômetro de 2018 mostrou que El Salvador era o país das Américas que menos dava importância à democracia. Também mostrou que, para 54% da população, viver em democracia ou ditadura não fazia diferença.
Nesse contexto, Bukele, um populista de 39 anos que se colocou à margem do bipartidarismo, construiu o poder midiático que o levou à presidência em 2019 e o colocou esta semana como líder absoluto de El Salvador. Construir seu poder nas redes sociais, mirando os jovens e vendendo uma idea de desprezo ao passado. Usando do estilo do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ele descreve os Acordos de Paz após a guerra, em 1992, como uma "farsa".
Da mesma forma, Bukele mostra que não precisa do maquinário do Estado. Para ele, basta um telefone celular para passar decretos ou demitir ministros publicamente no Twitter. Com isso, ele replica a tática de Trump de manter a tensão midiática e fazer com que todos, incluindo seu círculo próximo, o adorem e temam ao mesmo tempo.
Essa estratégia é o que analistas políticos chamam de "telecracia moderna", em que líderes de governo baseiam seus movimentos na medição das emoções dos cidadãos em tempo real, a fim de responder a suas demandas através de promessas de serviços de primeiro mundo, sem medir as possibilidades reais do país. Bukele, por exemplo, construiu em poucos meses um hospital no centro da capital, San Salvador, com um número de UTIs que supera o total do país, com um claro propósito de propaganda.
Seu apelo da mídia é tal que, embora a economia do país que lidera seja a 117ª mundial de um total de 196, em 2019 Bukele foi escolhido para encerrar o fórum econômico de Doha, baseando seu discurso em proclamações demagogas para humilhar seus adversários e se dissociar do bipartidarismo reinante em seu país.
Bukele passará a contar com a grande maioria na Assembleia e poderá tomar unilateralmente decisões que necessitem de consenso entre partidos
Bukele, como nenhum outro presidente da região, passará a contar com a grande maioria na Assembleia e poderá tomar unilateralmente decisões que necessitem de consenso entre partidos, como a nomeação do procurador-geral e a renovação de um terço dos juízes do Supremo Tribunal.
Bukele esbanjou seu capital político democrático em fevereiro de 2020, quando invadiu a Assembleia Nacional junto com membros do Exército para pressionar os deputados a aprovar um empréstimo para a compra de equipamentos de segurança, em um gesto autocrático claro que foi recebido com espanto pela comunidade internacional. No início da campanha para essas eleições municipais e legislativas, ele também foi acusado de ser o idealizador do ataque contra dois membros da FMLN.
Esses antecedentes indicam que Bukele, com suas formas populistas desinibidas, pode elevar essa tendência para uma figura ditatorial, acentuando seu perfil de caudilho salvador do povo salvadorenho, como ele mesmo proclama.

Parte de sua popularidade foi construída sobre suas habilidades de fazer clientelismo, de comunicação carismática e redução dos índices de violência que herdou de seus predecessores. Agora, Bukele muito provavelmente continuará sua controversa política "mano dura" (punho de ferro) contra as gangues. Em 2020, ele autorizou a polícia a matar membros de facções criminosas em El Salvador e decretou estado de emergência máxima nas prisões após um massacre que durou 72 horas, no qual pelo menos 40 pessoas foram supostamente mortas pelas maras, como são chamadas as facções criminosas de El Salvador, conhecidas por sua extrema violência. Embora as estatísticas mostrem um declínio na violência no país, suas práticas abusivas o colocaram na mira das organizações internacionais de direitos humanos.
Outras atitudes do presidente, como os ataques aos meios de comunicação críticos a seu mandato, como o prestigiado meio digital "El Faro", são sintomas preocupantes de deriva autoritária. Agora, o principal receio da oposição é que crie uma Assembleia Constituinte, a fim de ampliar ainda mais o poder de sua presidência. Como a Controladoria de Contas já está em suas mãos, teme-se que a falta de transparência nos gastos públicos se intensifique, a corrupção aumente e que a retração da economia coloque o país em situação crítica (em 2020, o PIB despencou 8,6% e mais de 80 mil empregos foram perdidos).
Sua salvação virá dos Estados Unidos, de onde vem a principal fonte de renda de El Salvador: remessas de emigrantes. Com a saída de Trump da Casa Branca, Bukele perdeu seu aliado no país, e a administração Biden já mostrou sinais de desconforto com a maneira como o presidente salvadorenho governa. Existem questões delicadas que podem gerar tensões, principalmente se os pedidos de extradição de membros de facções criminosas forem efetivados, o que poria em risco a pacificação das ruas que Bukele exibe tanto quanto uma conquista pessoal.
O presidente salvadorenho não deveria confundir o retumbante apoio popular de seu partido nas urnas com carta-branca para exercer o poder com vocação absolutista. A América Central guarda péssimas lembranças dos autocratas do passado e não quer que surja um novo, mesmo que chegue disfarçado de millennial.
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