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Para aonde vai o Brasil?

A turbulência política tornou-se no novo normal no Brasil. Após a destituição de Dilma Rousseff, a condenação de Lula da Silva é mais um teste para a frágil democracia do país. English Español

Manuel Nunes Ramires Serrano
1 Agosto 2017
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Lula da Silva durante uma conferência de imprensa na sede de PT na qual afirmou que continuará a ser candidato à Presidência em 2018. São Paulo, Brasil. 13 de Julho, 2017. Rahel Patrasso/Xinhua News Agency/PA Images. Todos os direitos reservados.

“Você também, meu amigo, supunha que a democracia era apenas para eleições, para a política e para pôr nome a um partido? Eu digo que a democracia é para usar só onde pode ser transmitida, florescer e chegar a dar fruto nas maneiras, nas mais altas formas de interacção entre as pessoas, e nas suas crenças – na religião, na literatura, nas universidades e nas escolas – a democracia em toda a vida publica e privada.”

- Walt Whitman

No dia 12 de Julho, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil entre Janeiro de 2003 e Janeiro de 2011, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Este é mais um episódio do terremoto político que afecta o Brasil, um terremoto que começou em Março de 2014, continuou durante os Jogos Olímpicos e terminou com a demissão de Dilma Rousseff.

Os brasileiros estão-se a habituar a que os seus presidentes tenham problemas legais. Michel Temer, o actual presidente, foi oficialmente acusado de aceitar subornos no mês passado, tornando-se o primeiro chefe de estado em exercício do Brasil acusado de corrupção. Mas não está de nenhuma forma sozinho. Eduardo Cunha, que foi presidente do Congresso e que é membro do mesmo partido de Temer, está a cumprir quinze anos de prisão, enquanto que oito ministros e trinta e nove legisladores da câmara baixa estão a ser investigados - incluindo Aloísio Nunes Ferreira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Presidente do Senado, Eunício Oliveira.

Os brasileiros estão-se a habituar a que os seus presidentes tenham problemas legais. 

Foi neste ambiente político altamente judiciarizado - quase um terço do gabinete de Temer e um terço do Senado estão sob investigação – que Sérgio Moro, um juiz federal, emitiu uma decisão judicial condenando Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, no contexto de uma exaustiva investigação sobre a corrupção à volta da Petrobras, a companhia estatal de petróleo. A teia de corrupção e lavagem de dinheiro, conhecida como o escândalo Lava-Jato, foi descoberto por acaso em Março de 2014, quando a Polícia Federal realizou uma inspecção num posto de gasolina. O que começou como um caso isolado acabou envolvendo políticos, funcionários e empresários no que, desde então, se tornou no maior escândalo de corrupção da história do país. Segundo os promotores de justiça, empresas de construção civil como Odebrecht e Camargo Correa estabeleceram um cartel para dividir entre elas de 1 a 3% do valor dos contractos de milhares de milhões de dólares da Petrobras, ocultos como pagamentos de consultoria através de empresas fictícias.

O ex-presidente Lula da Silva - um dos políticos mais populares do Brasil, cujo índice de aprovação ao deixar o cargo era de 90% - membro fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), foi acusado de receber um suborno da OAS, uma empresa de construção. De acordo com o juiz Moro, a OAS subornou Lula da Silva para que a ajudara a obter contractos da Petrobras. O suborno – estimado em 1.1 milhões de dólares – foi supostamente destinado para renovar um triplex na cidade costeira de Guarujá, perto de São Paulo. Lula enfrenta-se também a acusações de lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça em quatro processos adicionais, mas o juiz Moro não ordenou a sua prisão imediata. Segundo ele, prender um ex-presidente é um "assunto muito sério" e Lula deve dispor da oportunidade de apelar.

É certamente uma sentença histórica: é a primeira vez que um presidente brasileiro é condenado por corrupção desde a restauração da democracia no Brasil. Mas suas implicações não terminam aqui: Lula da Silva lidera as sondagens (30%) para as eleições presidenciais do próximo no ano, à frente do candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro (16%) e de Marina Silva (15%), a candidata da Rede de Sustentabilidade. No entanto, se o Tribunal Regional Federal confirmar a condena de Lula, o antigo Presidente será inabilitado e não poderá apresentar-se às eleições. Espera-se que o tribunal, composto por três juízes, decida o caso até 15 de Agosto de 2018, data limite para inscrição de candidatos.

É a primeira vez que um presidente brasileiro é condenado por corrupção desde a restauração da democracia no Brasil.

Um julgamento político?

Lula da Silva não ficou em silêncio após o anuncio da sua sentença. Diante de uma multidão de apoiantes, um dia depois da decisão, o antigo Presidente do Brasil alegou ser vitima dum julgamento político. O que não é surpreendente, tendo em conta que a cruzada contra a corrupção no Brasil – que afectou todas as forças politicas significativas do país – está a desmontar uma cultura política de práticas institucionalizadas e pondo em causa a intocabilidade dos cargos eleitos.

Pelo que políticos de todos os quadrantes estão a tentar desacreditar os juízes e deslegitimar os promotores, numa tentativa desesperada para se salvarem a si mesmos e as sua carreiras políticas. De Michel Temer a Lula da Silva - quem são, como bem sabemos, ferozes rivais - o argumento é sempre o mesmo: o Poder Judiciário tem motivações politicas e está a ir mais além dos seus poderes constitucionais.

Este argumento, no entanto, foi tirado de contexto. Ao chegar a confiança nos políticos ao nível mais baixo possível, os promotores e os juízes têm vindo a fazer uma campanha pela transparência e contra a corrupção, e, ao fazê-lo, têm recebido apoio dos cidadãos: 96% dos brasileiros querem que a investigação Lava-Jato “chegue aonde tenha que chegar, independentemente do resultado”. Os brasileiros já tiveram mais do que suficiente dum sistema partidário fracturado, onde as alianças de gabinete e os acordos secretos são a regra, e a corrupção generalizada. Muitos brasileiros têm colocado sua confiança em juízes e promotores, que agora têm bases de apoio e páginas de Facebook.

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Celebrações nas ruas de São Paulo depois da publicação da sentença que condena Lula da Silva a quase 10 anos na prisão por corrupção. 12 de Julho, 2017. NurPhoto/SIPA USA/PA Images. Todos os direitos reservados.

Um desses juízes com muitos “gostos” é Sérgio Moro. Figura controversa, cerca de metade da população considera-o um campeão contra a corrupção. A outra metade acha que ele se está a atribuir poderes que não são seus. E que está a apontar a Lula para evitar que concorra novamente à presidência em 2018. De facto, e pese a que os acusados venham de todos os partidos políticos significativos, o momento e as consequências da sentença contra Lula são, no mínimo, suspeitas. Temer é um presidente interino, não eleito – cujo índice de aprovação não excede 7% -- que se espera que abandone o poder em breve. Tendo levado a cabo um programa de contra-reforma para desfazer o que foi feito pelos governos anteriores do PT, limita-se agora a aguentar o poder para dá-lo ao próximo candidato com ideias semelhantes às suas e continue o seu programa. O reaparecimento de Lula colocaria em risco este plano, sendo entendível como muitos duvidam da imparcialidade de Sérgio Moro. 

Políticos de todos os quadrantes estão a tentar desacreditar os juízes e deslegitimar os promotores, numa tentativa desesperada para se salvarem a si mesmos e as suas carreiras políticas.

Em qualquer caso, Sérgio Moro é um herói para muitos brasileiros, especialmente para os conservadores e todos aqueles que se opõem Dilma e Lula. E isso pode ser um problema, porque Sérgio Moro é um juiz, não um político, que algumas vezes tem sido incapaz de distinguir entre uma função e outra, tomando "decisões judiciais" controversas que não tinha potestade para tomar. Por exemplo: desclassificando uma gravação de áudio de uma conversa entre a ex-presidente Dilma Rousseff e Lula da Silva, que muito possivelmente contribuíram para a demissão de Rousseff e provocaram grandes protestos nas ruas do Brasil.

A sentença contra Lula da Silva é outro exemplo da sua forma de actuar, e muito mais grave. Esta sentença é tudo menos tal. É, antes, um artigo de opinião no qual se sucedem uma serie de suposições para concluir com a decisão de condenar o presunto culpado por conveniência política. Existe evidências legais de que o triplex em questão não é nem foi propriedade de Lula, directa ou indirectamente; que nunca foi da sua esposa; que foi e é propriedade da construtora OAS; e que Lula nunca viveu lá ou se beneficiou do mesmo de forma alguma. No entanto, Lula da Silva foi condenado por beneficiar uma empresa - não há nenhuma evidência de que o tenha feito - em troca de um apartamento que não é dele - formal ou informalmente - e por lavar dinheiro sobre cuja existência não há nenhuma prova.

No final da sentença, começamos a pôr em causa as intenções do juiz Moro e o seu compromisso é só para com a justiça. Um juiz com uma agenda política própria é uma combinação perigosa e estas especulações só servem para desacreditar ainda mais a lei que se supõe que deve defender. Desta forma não se consegue mais transparência. Pelo contrário. 

Dois Brasis, uma democracia

A turbulência política tornou-se no novo normal no Brasil. Após a destituição de Dilma Rousseff e acusação de corrupção que paira sobre Michel Temer, a imputação de Lula da Silva é mais um teste para a frágil democracia do país. O Brasil, que foi um exemplo para o mundo e para a América Latina, atravessa actualmente uma grave crise económica. E una crise institucional ainda mais grave; uma crise que vai mais além da política e dos negócios e que permeia todas as estruturas do poder.

Para piorar as coisas, os principais meios de comunicação não são nem imparciais nem independentes. Promovem uma agenda específica e deixaram de esconder que o fazem. A Rede Globo, a rede de televisão líder no Brasil, é um exemplo claro disso mesmo, como evidenciado pela campanha realizada contra Dilma Rousseff. No contexto dos meios de comunicação no Brasil, a verdade não importa e cobertura dos meios de comunicação favorece claramente aqueles que lutam por um Brasil mais desigual, onde o interesse de uns poucos se sobrepõe ao interesse de muitos.

Para piorar as coisas, os principais meios de comunicação não são nem imparciais nem independentes. 

Lula da Silva disse em 1988 que no Brasil "quando um pobre rouba vai para a prisão, mas quando rouba um rico, tornam-no ministro." Estas palavras voltam agora para o assombrar. Lula pode ser culpado ou inocente – não sabemos. Mas o homem que tirou 20 milhoes de pessoas da pobreza, que construiu o Brasil de hoje e foi seu presidente durante dois mandatos, não pode desprezar o poder judicial, e dizer, como disse, que se “pensam que com essa sentença me tiraram do jogo, eu estou no jogo”. Porque é o futuro da quinta democracia mais populosa do mundo que está em jogo.

Sérgio Moro invocou após a sentença Lula, a famosa citação de Thomas Fuller: “não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima”. E tem razão: Lula não deve receber um tratamento especial por ser um ex-presidente. Mas deve receber um tratamento a que todo cidadão tem direito e ser julgado de acordo com a lei, não em função de interesses políticos. E Sérgio Moro deveria ter isso em mente.

Não se trata duma disputa ideológica ou de escolher lados. Mas sim de determinar o que vai sair desta crise. Se Lula for culpado, obviamente deve ser condenado. Se Sérgio Moro estiver errado, o tribunal deve resolver o recurso em favor de Lula. A luta contra a impunidade não deve interferir com um julgamento justo e imparcial, da mesma forma que a reputação dos acusados não deve interferir na luta contra a corrupção

O futuro da democracia no Brasil está em perigo, porque está em perigo o Estado de Direito. Os meios de comunicação são tendenciosos. As empresas estatais e as grandes corporações estão infectadas pela corrupção, tal como as duas câmaras do Parlamento. Um presidente ilegítimo governa o país. E a polarização dos cidadãos vai em crescendo, enquanto Jair Bolsonaro, provável candidato da extrema direita para as eleições presidenciais do próximo ano, representa uma séria ameaça para os direitos civis e para a liberdade.

Não se trata duma disputa ideológica ou de escolher lados. Mas sim de determinar o que vai sair desta crise.

A crise brasileira exige uma reinvenção da sua forma de fazer política. A corrupção é um assunto sério, mas os problemas não terminam com as elites, com os partidos do governo e com as grandes empresas. Um poder judicial independente é tão ou mais importante. Quanto mais anónimos sejam os juízes, melhor será para o país. As eleições do próximo ano serão uma oportunidade para um novo começo. Mas, para que isso aconteça, os brasileiros devem ser capazes de olhar mais além das suas diferenças, mais além dos bons e dos maus, mais além dos políticos e dos juízes, e ser capazes de olhar para si mesmos.  

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