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“Um violador em seu caminho”: uma forma de justiça alternativa

Entre os protestos que começaram em outubro de 2019, a performance “Um violador em seu caminho” surgiu e impulsionou uma nova onda de união poderosa. Español

Valentina Arango
31 Janeiro 2020, 12.01

Uma música que é dança e sinalização ao mesmo tempo. Uma música que sintetizou o sentimento global das mulheres. Entre os protestos que começaram em outubro de 2019, a performance “Um violador em seu caminho” surgiu e impulsionou uma nova onda de união poderosa. Procurando ser um hino e bálsamo à distorção da culpa gerada pela violência sexual e a impunidade com a qual a sociedade a trata, "Um violador em seu caminho" é uma forma de justiça feminista. Uma justiça alternativa.

Mulheres de diferentes partes do mundo percorriam as ruas de olhos vendados, em grupos cada vez maiores, e apontando ao mesmo tempo para a esquerda, entoaram e dançaram a música simples, no ritmo marcado pelo compasso de duas panelas. Tudo, com o objetivo de reverter, de maneira clara, a culpa que muitas mulheres sentem depois de serem abusadas.

Mas agora esse problema deu um salto geracional. No Chile, mais de dez mil mulheres de diferentes idades participaram da apresentação, reunidas fora do Estádio Nacional do Chile, um ícone da repressão da ditadura de Pinochet. Mulheres em 33 países em todo o mundo fizeram a performance em espaços públicos, 14 deles da América Latina e do Caribe.

Mas como surgiu a ideia dessa performance? Nascido como parte de uma obra cênica criada pelo coletivo feminista "Lastesis". Composto por quatro chilenas: Daphne, Paula, Sibila e Hylia, elas deram corpo e voz ao movimento feminista mundial, em um momento de agitação social. A música é baseada principalmente em textos da antropóloga feminista Rita Cegato e busca quebrar mitos sobre estupro e denunciar a impunidade.

Mulheres em 33 países em todo o mundo fizeram a performance em espaços públicos, 14 deles da América Latina e do Caribe

Como antropóloga, Rita Segato estuda a violência contra as mulheres há anos e defende que crimes sexuais contra elas sejam entendidos como crimes de dominação e submissão. Em seus textos, ela defende a desmistificação do estuprador como sujeito que pratica a violência por prazer sexual.

O estupro, diz a letra da apresentação, é um problema social. De fato, a letra de “Um violador em seu caminho” inclui um fragmento menos famoso, que é uma parte literal do hino dos mosquetões chilenos.

Dado o impacto maciço e global que a performance teve, é evidente que tocou em um ponto fraco. Segundo as Nações Unidas, uma em cada três mulheres no mundo sofreu violência sexual ou física. A violência contra as mulheres é a causa de tantas mortes e incapacidades quanto o câncer.

Há 87.000 mulheres assassinadas a cada ano, grande parte delas na América Latina. Não é em vão que 14 dos 25 países com a maior taxa de femicídios estão na América Latina e no Caribe.

Diante dessa situação escandalosa, é fácil entender por que a ideia de Lastesis, que busca trazer teorias feministas à prática, conseguiu levar milhões de mulheres ao redor do mundo a revindicar seu terreno. A performance é a síntese de uma investigação de um ano inteiro sobre o estupro, mas um único fragmento da música foi suficiente para dar uma injeção de energia e criatividade ao protesto social que é praticado no Chile e em muitas partes do mundo desde o final do no ano passado, e isso é transversal às demandas feministas.

“Existe um ambiente em que a justiça social não existe. E então, como você pede para que a pessoa pobre, que tem 18 anos de vida precária, se acalme? O governo tem que ser inteligente e, nesse sentido, quando nós convocamos as manifestações, por motivo algum vamos convocar a violência”, diz Paula Cometa, membro do coletivo Lastesis.

O surgimento da onda feminista neste contexto de mobilizações sociais em massa nós nunca fomos embora. Nós sempre estivemos aí. Exigimos um sistema de aposentadoria que reconheça o trabalho da criação e cuidados. Exigimos um sistema de saúde universal, mas que reconheça o aborto gratuito, legal, e seguro como uma reivindicação de saúde pública. É também uma demanda, é claro, pela autodeterminação dos nossos corpos, das nossas vidas.

A exacerbação da violência contra as mulheres, o aumento dos crimes de feminicídio e ódio que vivemos não é um fenômeno separado das condições em que a precarização é vivida. O desempenho criado por Lastesis permite que as mulheres deixem sua posição de vítimas e construam um feminismo que confronta e convida as mulheres a ocupar um lugar de liderança na justiça e na transformação social.

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