democraciaAbierta: Interview

O Equador precisa decidir entre a barbárie e a solidariedade

Yaku Pérez, líder indígena e candidato presidencial, fala sobre o processo eleitoral e os principais desafios do Equador.

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Francesc Badia i Dalmases
5 Fevereiro 2021, 4.20
O candidato Yaku Pérez (centro) em Carita de Dios, norte do Equador, durante sua campanha presidencial em 4 de fevereiro de 2021
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Yaku Pérez/Twitter

Em entrevista exclusiva, Yaku Pérez, líder indígena e candidato presidencial pelo partido Pachakutik (Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik-Novo País) nas eleições do Equador no próximo domingo (7), conversou com o diretor do democraciaAbierta/openDemocracy sobre o processo eleitoral e os principais desafios a serem enfrentados pelo próximo presidente.

Francesc Badia i Dalmases: Em meio a uma profunda crise econômica e a severidade da pandemia Covid-19, os equatorianos irão às urnas no próximo domingo, 7 de fevereiro, para eleger um novo presidente e uma nova Assembleia Nacional. Vimos tensão na campanha e preocupação com as garantias democráticas e a transparência nas eleições. Quais são as chances de sua candidatura?

Yaku Pérez: Na verdade, tivemos um crescimento exponencial. As pesquisas, é claro, nos colocam em terceiro lugar e não temos o talão de cheques para pagar as pesquisas e fazer com que elas nos coloquem nos primeiros lugares. Mas vimos como cresceu o entusiasmo em torno de nossas candidaturas, o que nos dá um otimismo enorme.

Há dois anos, fui candidato à prefeitura de Azuay e nenhuma das pesquisas me colocava entre os cinco primeiros. Mas eu sentia que íamos ganhar e ganhamos. Acabamos com 10 pontos de diferença do segundo lugar. Agora a sensação é a mesma e estamos convencidos de que vamos vencer. Se não terminarmos em primeiro, ficaremos em segundo, mas espero até chegar em primeiro.

O grande problema é o controle eleitoral. O que ganhamos nas urnas pode ser perdido na mesa do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), porque não temos garantias. Não há nenhum representante do nosso partido, Pachakutik, na CNE. Todos os outros partidos têm, exceto nós.

A injustiça começa aí, porque somos a segunda ou terceira força política do país e não temos um único representante. E se não temos um representante a nível nacional, também não temos nas 24 províncias – ainda mais considerando que o CNE imprimiu seis milhões de votos e depois dizem que são falsas. E poderia adicionar outro candidato e estragar tudo para nós. A isso soma-se a experiência do “apagão informático” durante a contagem das eleições anteriores. Todo este processo de altos e baixos que o CNE vem vivendo não nos dá a menor garantia.

FBD: Você se apresenta como o líder indígena do Partido Pachakutik. Vamos falar um pouco sobre a origem desse partido e o seu papel na política equatoriana, que tem sido dominada pela extrema polarização entre o correísmo e o anti-correísmo, negando espaço mediático a outros movimentos. Fale um pouco sobre a origem do Pachakutik e a trajetória desse partido.

YP: O Pachakutik surgiu como braço político do Movimento Indígena da CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que nasceu em 1995 e participou do primeiro processo eleitoral em 1996. Não tivemos um alcance forte, tivemos uma margem de voto de 4% ou 5%. Talvez faltou abrirmos um pouco mais para outros setores.

Mas desta vez será diferente. Essa vai ser a exceção. Desta vez, vamos mudar essa história. E talvez seja porque o movimento indígena tem a reserva moral. Aprendemos a andar, estamos maduros. Temos bons candidatos para a Assembleia, para a vice-presidência, para tudo. E eu acho que nossas propostas, nossa trajetória teve um grande alcance no país, porque representamos a honestidade da mudança, o respeito aos direitos, às liberdades, à reconciliação. Ter mostrado honestidade nestes anos, no nosso caso como defensores da água e da natureza há 30 anos, nos torna fortes.

Fui prefeito de Azuay, fui professor em três universidades do Equador, escrevi sete livros, tenho quatro pós-graduações. Nossos opositores procuraram alguma mancha no meu passado por todas as partes. Não encontraram nada. Acho que é uma imagem nova e revigorante que a população equatoriana viu de forma favorável.

FBD: A dívida externa total é estimada em mais de 45 bilhões. Uma questão importante no debate público equatoriano é o acordo do atual governo com o Fundo Monetário Internacional, que aumenta ainda mais esse montante. Como você vê o futuro dessa dívida com o FMI? O governo assinou um novo acordo de 6,5 bilhões até 2022. Uma renegociação dessa dívida é viável?

YP: O governo atual está saindo das dificuldades resultantes do legado do correísmo, que nos deixou no vermelho. O governo gastou US$ 70 bilhões em dez anos, uma quantia monstruosa. Há uma razão pela qual o ex-presidente (Rafael) Correa é um fugitivo da justiça. Se ele viesse para o Equador, seria preso por suas manobras com a Odebrecht e outros acordos. E Lenín Moreno então, no desespero, foi ao FMI, que forneceu recursos e prometeu fornecer mais, mas em troca da privatização de empresas nacionais, da diminuição do Estado e dos impostos, como o aumento do IVA de 12% para 15%. E não concordamos com isso, porque isso vai contra o povo equatoriano.

Nossa abordagem envolveria uma reestruturação integral da dívida externa com as organizações multilaterais

Não é que não queiramos pagar. Queremos honrar as dívidas, mas primeiro queremos cuidar do mais importante, que é a pandemia, a educação, a saúde de nosso povo. E quando nos recuperarmos, o que não creio que leve mais de três anos, então poderemos começar a pagar a dívida. Nossa abordagem envolveria uma reestruturação integral da dívida externa com as organizações multilaterais. Nossa abordagem seria adiar as dívidas, ou seja, alongar o prazo.

FBD: Você sempre lutou pela justiça climática e ambiental. Mas a pressão da indústria petrolífera e de mineração no Equador ainda é enorme. Vemos a atribuição de lotes o tempo todo, embora existam alternativas de energia renovável, que não estão progredindo muito. Como você vê esta questão para o próximo mandato?

YP: Nossa proposta é passar do extrativismo para a fase de pós-extrativismo. Isso implica uma transição. Agora é um pouco difícil dizer: vamos fechar a válvula de petróleo. Temos que continuar a exploração nos poços que já estão abertos, melhorar, fortalecer e fazer algumas exceções, se for necessário. E se não for, parar o avanço da fronteira petrolífera. E no caso da mineração, vamos realizar uma consulta popular para que o Equador possa decidir nas urnas se quer apostar no ouro ou na água.

FBD: Estamos preocupados com o crescente desmatamento. A pressão sobre a Amazônia continua aumentando. O que você pode nos dizer sobre isso?

YP: Para nós, o aquecimento global não é mais uma ameaça, é uma realidade e é por isso que temos que parar os processos de desmatamento. E ao invés de desmatar, temos que reflorestar. Temos que cuidar do planeta e para isso temos um conjunto de políticas e ações a serem implementadas para evitar a derrubada indiscriminada que quer acabar com a Amazônia equatoriana.

Propomos um pacto eco-social para evitar este suicídio coletivo que estamos cometendo todos os dias ao contaminar a água da floresta e destruir a biodiversidade

Na Amazônia, primeiro vêm os madeireiros e depois as empresas de petróleo e mineração. Todo esse extrativismo deve ser interrompido. Para isso, devemos estar muito claros de que nossas políticas serão sempre sócio-ambientais. É por isso que propomos um pacto eco-social para evitar este suicídio coletivo que estamos cometendo todos os dias ao contaminar a água da floresta e destruir a biodiversidade.

FBD: O poder da explosão social outubro de 2019 impactou o mundo, inclusive pela capacidade de negociação dos povos indígenas. Mas agora há um enorme desafio com a Covid-19 e as consequências econômicas e sociais desta crise global. Como você vê a saída para a pandemia no Equador?

YP: É complexo. Esta já é uma questão global, mas tentaremos fazer uma minga [reunião] com todas as forças políticas, sociais e populares do país para combater a pandemia e não pouparemos esforços para obter a vacina para preservar a saúde de nosso povo. Esta será a prioridade.

FBD: E, finalmente, gostaria de lhe perguntar sobre a comunidade internacional, que está observando o que está acontecendo no Equador com alguma preocupação. A mobilização dos povos indígenas tem sido importante nos últimos anos, assim como sua luta contra o extrativismo. Se você tivesse que escolher uma, qual seria a mensagem que você enviaria à comunidade internacional latino-americana e a seus companheiros de outros povos?

YP: No Equador, aspiramos ser uma luz no cuidado com a natureza, não apenas para ter a constituição mais verde e manter ações locais com impactos globais e convidamos a comunidade internacional:

Primeiro, temos que mudar os paradigmas, substituir o mercado-centrismo pelo biocentrismo. A vida deve estar no centro da equação. Se quisermos garantir a vida no planeta, a vida de nossos filhos e netos, é importante apostar na ecologia.

Em segundo lugar, há tantos interesses que nos unem. Devemos começar com a cooperação internacional ajudando aqueles que mais precisam dela. A comunidade internacional deve procurar exercer pressão para pagar a dívida ecológica dos países desenvolvidos com os países que foram explorados por seus recursos naturais.

E terceiro, buscar uma reconciliação com a natureza, com a Mãe Natureza, com a Pachamama, e uma reconciliação não só em nível nacional, mas em nível planetário, para que não haja mais guerras, não haja mais deslocamentos, não haja mais violência. Esta violência patriarcal, esta violência segregacionista, racista, que nos faz tanto mal.

É por isso que faço minhas as palavras de Martin Luther King, que um dia disse: "Ou vivemos todos juntos como irmãos, ou morreremos todos juntos como idiotas". E acredito que o que está em jogo aqui é o triunfo da barbárie ou o triunfo da solidariedade e espero que a solidariedade se torne planetária.

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