
As agendas ambientais da América Latina em 2023
2022 foi catastrófico para o meio ambiente. Com as mudanças de governo, a região precisar atuar de forma coordenada

A América Latina contém alguns dos países mais biodiversos do mundo. No entanto, sua riqueza ambiental é minada a cada ano por atividades extrativistas agressivas como a mineração (ilegal, criminosa e em grande escala), desmatamento e pecuária extensiva.
Em 2023, as principais nações latino-americanas devem implementar políticas ativas para evitar que a região se deteriore ainda mais em questões ambientais. Estes são alguns dos países com maiores desafios e ameaças.
Colômbia: desmatamento e proteção de líderes ambientais
Em junho de 2022, a Colômbia elegeu um novo presidente, Gustavo Petro, que teve como uma de suas bandeiras de campanha a proteção "absoluta" do meio ambiente. Em seus primeiros quatro meses de mandato, o novo governo se mostrou aberto ao diálogo com organizações sociais que atuam nessa área e conseguiu um importante avanço: a ratificação do Acordo de Escazú.
No entanto, persiste um flagelo que vem de governos anteriores: o assassinato sistemático de lideranças ambientais. Segundo a organização Somos Defensores, entre o dia da inauguração do Petro, 7 de agosto, e 30 de setembro, foram registrados 25 assassinatos de defensores ambientais . Entre 2020 e 2021, o país liderou os índices de assassinatos de líderes ambientais do mundo, com 33 dos 200 homicídios registrados, segundo a organização Global Witness.
Embora o Acordo de Escazú permita lançar as bases para a proteção dos defensores do meio ambiente, o governo Petro tem o desafio de garantir que a segurança de ambientalistas.
O segundo grande problema que a Colômbia terá de enfrentar em 2023 é o desmatamento. Segundo a nova ministra colombiana do Meio Ambiente, Susana Muhammad, entre 2001 e 2021 a Amazônia colombiana perdeu quase 2 milhões de hectares, o que equivale a 2 milhões de campos de futebol. Entre as razões para o desmatamento estão a mineração ilegal, pastagem de gado, incêndios e a extração maciça de madeira. O ano que vem deve ser o início de um plano que comece a acabar com as práticas que aprofundam o desmatamento no país.
Argentina: seca, incêndios e conflitos com povos indígenas
Com uma inflação anual que chegou a 92,4% em novembro, a Argentina é um país em crise — e o meio ambiente não é exceção.
As perdas econômicas com a seca foram enormes e o país deve pagar uma dívida de US$ 44 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O verdadeiro problema das secas, para além da morte de animais e do aumento das terras inférteis, é que alimentam uma proliferação de incêndios que têm produzido um impacto cumulativo. Segundo Chequeado, entre 2019 e 18 de agosto de 2022, foram registados 6.716 incêndios em todo o país que afetaram uma área de 2.360.215 hectares. Se o governo argentino não conseguir conter os incêndios, além dos enormes danos ambientais, a produtividade agrícola, pilar da economia do país, pode continuar caindo de forma alarmante em 2023.
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Outra questão complexa na Argentina é o confronto persistente com os povos indígenas devido ao deslocamento e disputas territoriais com diferentes organizações. Embora o governo tenha promovido soluções consensuais, não foram eficazes. Um exemplo foi a tentativa de lançamento, em novembro, da Frente Plurinacional Indígena, órgão que buscava ser uma mesa de diálogo para aproximar os representantes dos povos indígenas das instâncias políticas. No entanto, a iniciativa não foi bem-sucedida porque os indígenas sentem que não há garantias suficientes do Estado.
Equador: derramamentos, transparência e perseguição a ativistas
O Equador é um país onde, segundo sua Constituição, a natureza é protagonista. No entanto, em 2022, houve vários derramamentos de petróleo. De acordo com o Ministério do Ambiente, Água e Transição Ecológica (Maate), entre 2012 e 2022 foram registados 1.584 derramamentos, principalmente devido à falta de investimento na manutenção de oleodutos. Se o governo equatoriano não obrigar as empresas de petróleo a cumprirem as normas, o desastre ambiental do país pode ser ainda maior.
Outra questão pendente é a falta de dados atualizados sobre o desmatamento no Equador. Até o momento não há cifras atualizadas nos órgãos governamentais, o que não nos permite compreender a verdadeira situação da Amazônia equatoriana. Por fim, é urgente que cessem os ataques e perseguições aos líderes ambientais. Somente em outubro de 2022 houve três ataques armados contra defensores, com várias outras denúncias de perseguição.
Bolívia: incêndios e mineração
A Bolívia terá dois grandes desafios ambientais em 2023: frear o avanço do desmatamento, que colocou o país como o segundo com maior perda florestal da América Latina, e deter o aumento da mineração de ouro em áreas naturais protegidas, que em muitos casos coincidem com territórios indígenas.
Para isso, o governo terá que repensar as políticas que beneficiam as grandes mineradoras de ouro.
México: impunidade e falta de fundos
Em 2022, o México é o país onde mais líderes ambientais foram assassinados, superando até a Colômbia. Segundo o último relatório da Global Witness, publicado em setembro de 2022, 54 defensores morreram no país em 2021.
Sem planos de ação climática coordenados e estruturados, os países latino-americanos não conseguirão amenizar a crise já em curso
Abril de 2022 marcou o primeiro ano da entrada em vigor do acordo de Escazú no México, embora não pareça ter surtido efeito sobre a violência que se vive nos territórios.
O setor ambiental no México tem um orçamento insuficiente. Em 2022, o governo federal destinou 40.795 milhões de pesos (quase 2 milhões de dólares) ao setor ambiental, uma cifra muito inferior aos 67 bilhões de pesos que tinha em 2015. A falta de recursos resultou em um setor debilitado, que não tem como proteger áreas de conservação ou como realizar investigações aprofundadas sobre a situação ambiental do país.
Brasil: desmatamento e violação dos direitos indígenas
O Brasil, o país mais diverso do mundo, sai de um governo particularmente agressivo com o meio ambiente e enfrenta um ano complexo em 2023.
Após o mandato de Jair Bolsonaro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta dois desafios: o maior desmatamento da região e a constante violação dos direitos dos povos indígenas.
Durante sua campanha, Lula prometeu acabar com os dois problemas com a nomeação da líder ambientalista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente e a criação de um ministério dos povos indígenas.
Regionalmente, o maior desafio é o desmatamento na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e uma das reservas naturais e de biodiversidade da humanidade. Se não forem criados planos estruturais e baseados em políticas públicas efetivas de defesa do meio ambiente, não haverá como frear essa dinâmica. As consequências serão catastróficas para o planeta e principalmente para a crise climática.
Crise climática em uma região surda, cega e muda
Secas prolongadas, incêndios gigantescos, desmatamento desenfreado e derretimento das geleiras andinas marcaram a agenda ambiental da América Latina em 2022. Segundo novo relatório do Banco Mundial, ações climáticas são urgentes na região para acelerar uma transição efetiva para economias resilientes e de baixo carbono.
O relatório do Banco Mundial, intitulado Roteiro para Ações Climáticas na América Latina e no Caribe: 2021-2025, afirma que os desastres e eventos relacionados ao clima, como secas, deslizamentos de terra e inundações, entre outros, se tornarão mais frequentes e intensos. O órgão estima que os custos causados por esses desastres em termos de infraestrutura, energia e transporte equivalem a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) regional e até 2% em alguns países centro-americanos.
O relatório também mostra que, até 2030, até 5,8 milhões de pessoas só na América Latina podem cair na pobreza extrema como resultado dos efeitos da mudança climática e que, até 2050, 17 milhões serão deslocados pelo clima. Após os mornos resultados da COP27, fica claro que se os países latino-americanos não criarem planos de ação climática coordenados e estruturados, não conseguirão amenizar uma crise que já está tendo efeitos irreversíveis na destruição do habitat de muitas espécies, incluindo a nossa.
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