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Aruba: destino hostil para migrantes venezuelanos

A luxuosa ilha esconde situação que viola o direito a asilo e refúgio, que a soberania holandesa deveria garantir

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Francesc Badia i Dalmases Andrés Bernal Sánchez
22 Agosto 2022, 12.01
Após perder seu emprego na Venezuela, Ronald Blanchard chegou em Aruba em 2019 para tentar a vida
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Andrés Bernal Sánchez

Na praia, além da avenida de grandes hotéis que se estende ao longo da costa noroeste da ilha caribenha de Aruba, estão as grandes mansões de milionários, algumas delas ainda em construção. Em uma colina perto do Farol Califórnia, na ponta oeste da ilha, uma dúzia de trabalhadores, a maioria migrantes venezuelanos em situação irregular, constroem um dos exemplos mais exuberantes.

Muitos dos 17 mil migrantes venezuelanos em Aruba trabalham em construção ou serviços básicos. Apesar de representarem 11% da população da ilha caribenha, eles costumam manter um perfil discreto por medo de ações da polícia de fronteira, que podem incluir detenção e ameaças de deportação.

Localizada a cerca de 29 km da península de Paraguaná, que culmina na parte oriental do Golfo de Maracaibo, na Venezuela, Aruba é uma pequena ilha de 180 km2 e cerca de 110 mil habitantes constituinte do Reino dos Países Baixos. Semidesértica e infértil, a ilha sempre foi local de comércio e intercâmbio com o continente vizinho.

Tradicionalmente, Aruba estava entre os destinos preferidos dos venezuelanos abastados que buscavam a tranquilidade de seus hotéis de luxo, a diversão de seus cassinos e o relaxamento de suas praias de areia branca. Pescadores, comerciantes de produtos frescos e pequenos contrabandistas também mantinham forte relação com a ilha, se aproveitando da proximidade de Punto Fijo, estado de Falcón, para cruzar o mar diariamente em busca de clientes para suas mercadorias.

Mas a profunda crise política e econômica que assola a Venezuela extinguiu esse fluxo. Os venezuelanos foram, em grande parte, substituídos pelo turismo norte-americano, que vem dolarizando este pequeno território autônomo. Cada vez mais, as ruas de Aruba que levam a seus enormes resorts já remetem mais a Cancún ou Miami do que ao litoral da Venezuela.

Vista aérea da concentração de grandes hotéis

Grandes hotéis em Oranjestad, capital de Aruba

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Andrés Bernal Sánchez

O agravamento da crise venezuelana a partir de 2014 provocou um êxodo maciço. Segundo dados do governo, mais de 6 milhões de migrantes deixaram o país em busca de oportunidades, especialmente em nações da América Latina. Os venezuelanos que chegaram a Aruba são relativamente poucos, mas foram empurrados pela mesma asfixia econômica e política que os demais.

É o caso de Ronald Blanchard, oriundo de Coro, capital do estado de Falcón. Especialista em segurança industrial, o venezuelano trabalhou anos na Petróleos de Venezuela S.A. Mais conhecida como PDVSA, a estatal petrolífera continua sendo a principal indústria de um país situado em cima da maior reserva de petróleo conhecida do mundo. Após diversas crises de gestão, a PDVSA acabou nas mãos dos militares, sofreu rápida deterioração, greves e repressão e demitiu milhares de trabalhadores em ondas sucessivas, alguns deles por motivos políticos.

Com o aprofundamento da crise, a inflação alcançou níveis sem precedentes e o poder de compra dos salários despencou. Nesse processo, Ronald perdeu o emprego. O trabalhador abriu então sua própria empresa de serviços de segurança industrial, mas a deterioração da economia fez com que a iniciativa durasse pouco. Diante da escassez extrema e dificuldades que ameaçavam sua família, Ronald decidiu emigrar.

Ronald Blanchard serrando madeira

Ronald Blanchard realiza trabalho de carpintaria em Oranjestad, Aruba

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Andrés Bernal Sánchez

Em novembro de 2019, Ronald foi até o aeroporto de Riohacha, na vizinha Colômbia, para ir a Aruba, uma vez que a fronteira entre a Venezuela e a ilha já estava fechada na época.

Muitos de seus companheiros migrantes, no entanto, não tiveram a sorte nem os meios de conseguir uma passagem de avião e optaram por vias marítimas. Apesar de curto, o percurso é perigoso. O vento entre a costa sul-americana e a ilha é constante e ininterrupto, causando ondas permanentes. A corrente no canal que separa a ilha do continente muitas vezes supera o poder dos motores de popa de baixa potência frequentemente usados ​​pelos contrabandistas.

Uma viagem que no papel pode ser feita em quatro ou cinco horas pode se transformar em uma odisseia mortal. Alex Medina, amigo de Ronald que também migrou do estado de Falcón, conhecia o caminho porque nos bons velhos tempos, quando a Venezuela era um país próspero, ele vendia peixe e frutas na ilha. Quando a situação na Venezuela se agravou, ele migrou para Aruba, onde passou um tempo indocumentado até ser deportado pelas autoridades locais.

A ameaça de prisão e deportação é uma realidade diária para os migrantes em Aruba. Muitos solicitam asilo por motivos de perseguição política, um direito humano que as autoridades, no entanto, concedem com parcimônia. Mas até mesmo o asilo não oferece garantia de sobrevivência, uma vez que não concede o direito a autorização de trabalho. Assim, os asilados são obrigados a entrar no mercado irregular e se proteger no anonimato.

Praia ao sul da ilha de Aruba

Praia ao sul da ilha de Aruba, a 29 km da Venezuela

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Andrés Bernal Sánchez

Algumas ONGs internacionais, como a israelense HIAS, atuam em Aruba através de alguns fundos de agências da ONU, cooperação internacional e algumas outras organizações que atendem refugiados em todo o mundo.

Segundo a HIAS, cerca de 2 mil venezuelanos solicitaram asilo em Aruba, mas a grande maioria teve seu pedido negado. A rede de solidariedade com os 17 mil refugiados se estende a outras organizações como a Fundação Venearuba/Casa do Venezuelano, que agora recebe fundos da Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento (PADF) e ajuda os migrantes mais vulneráveis ​​com apoio humanitário, treinamento e assessoramento jurídico.

Há também algumas iniciativas pessoais como a de Mallory Medina, venezuelana nacionalizada que vende roupas por US$ 1 a peça para arrecadar fundos com o fim de distribuir refeições entre os mais necessitados.

Mallory está especialmente orgulhosa do trabalho que ela conseguiu fazer pouco antes da pandemia de Covid-19. Ela conta como conseguiu coordenar com as autoridades de Aruba e com o ACNUR alguns voos humanitários para repatriar voluntariamente refugiados venezuelanos que, diante das enormes dificuldades de se estabelecer na ilha e com a angústia de uma situação ilegal e precária que se tornaram permanentes, decidiram voltar. A pandemia e o fechamento da fronteira com a Venezuela frustraram o projeto de continuar repatriando os mais desesperados.

A determinação de retornar, urgente ou não tão urgente, é compartilhada por grande parte dos migrantes venezuelanos em Aruba, diz Ronald. Como ele, muitos conseguem ganhar um bom dinheiro que enviam para suas famílias na Venezuela, mas as condições precárias, a virtual impossibilidade de obter autorização de trabalho e de residência e o medo das autoridades muitas vezes impedem o projeto de morar na ilha.

Ronald Blanchard canta entre amigos

Ronald Blanchard canta em uma celebração privada diante de colegas venezuelanos em Palm Beach, Aruba

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Andrés Bernal Sánchez

O sonho da ilha feliz (One Happy Island é o lema oficial de Aruba) se transforma em pesadelo. Existem barreiras de todos os tipos, desde a língua (o impossível papiamento, como língua local, inglês como língua de trabalho e holandês como língua da metrópole) à burocracia de um governo que não quer acolher os migrantes.

A apenas 29 km de uma terra que sistematicamente expulsa seus cidadãos, os arubanos e holandeses (o governo de Haia mantém controle sobre a política externa e de segurança da ilha) temem relaxar sua política de dissuasão de imigração. Em sua visão, os venezuelanos são um obstáculo para seu sistema econômico baseado em areia, sol e mar que garante os "180 km2 de felicidade", como diz a propaganda oficial.

Na economia informal que se esconde atrás de hotéis de luxo, mansões e navios de cruzeiro, Ronald continuará exercendo suas habilidades de carpintaria redescobertas na indústria da construção, que faz bom uso dessa mão de obra venezuelana altamente qualificada, mas precária, ilegal e muito barata.

Se não conseguir legalizar sua situação até novembro, quando completa três anos na ilha, Ronald retornará à Venezuela. Este é o destino mais provável para o profissional e músico amador, que se reconecta com sua pátria através da diáspora que sofre com ele as consequência desta terra hostil.

Acompanhado por seu cuatro venezuelano (um violão de quatro cordas), diante do mar adverso que o separa de sua família e amigos, Ronald canta: "... , ainda não estou resignado. Deixe-me continuar lutando, que meu desejo é vencer...”. É sua música favorita.


Este artigo faz parte da série "Caminhantes na fronteira da migração", que conta com apoio da Fundação Ford. Leia a parte 1, parte 2, parte 3 e parte 4.

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