democraciaAbierta: Opinion

A Colômbia não para e não parará de protestar

Depois de 16 dias de desemprego, duas coisas estão claras: Iván Duque perdeu o país e há um colapso social impossível de ignorar.

democracia Abierta
17 Maio 2021, 12.01
Agentes do Esmad em enfrentamento com manifestantes em Santa Marta, Colômbia
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Gus Peppervisuals/Alamy Stock Photo

Na América Latina, futebol é rei. Pouco, se nada, une o povo da América do Sul como o culto do esporte em que 11 jogadores definem a vida em 90 minutos. Em 12 de maio, no entanto, essa história mudou. Em meio aos protestos que assolam a Colômbia, se disputou a partida da Copa Libertadores entre Junior, de Barranquilla, e River Plate, de Buenos Aires. Dois minutos depois de começar, Leonardo Ponzio, meio-campista do River, parou com a bola no meio do campo para ouvir, como todos os presentes, uma explosão seguida de uma série de disparos. Minutos depois, gás lacrimogêneo invadiu o campo, a tal ponto que o jogo teve que ser interrompido.

Os barranquilleros, habitantes da cidade onde se realizou o jogo, não ficaram calados: saíram para manifestar o seu descontentamento com a indolência de um jogo que não deveria ter sido disputado, justamente pela complexa situação que o país atravessa. Este episódio é uma metáfora precisa do que está acontecendo na Colômbia hoje: enquanto o povo pede saúde, educação, proteção e igualdade, seus líderes permanecem impassíveis, jogando um jogo sobre uma poça de sangue.

Desde a última vez que o openDemocracy relatou o que estava acontecendo na Colômbia, há exatamente uma semana, as coisas não melhoraram. Os confrontos entre manifestantes e a força pública não param. E o governo continua tentando encontrar uma forma de acabar com a greve, sem sucesso.

Durante o fim de semana, as cidades continuaram protestando, especialmente Cali. No domingo, La Minga, guarda indígena ancestral do Cauca, foi acusada de violência contra civis. De noite, vídeos circularam nas redes sociais mostrando como civis de Cali saíram de caminhões e carros com as placas cobertas e começaram a atirar em membros da Minga, deixando oito indígenas mortos.. Isso, na melhor das hipóteses, deveria preocupar o governo e as organizações internacionais que zelam pelos direitos humanos, já que se trata de um ato inaceitável de paramilitarismo.

Nesse mesmo dia, após os acontecimentos narrados, o Noticias Caracol, um dos dois maiores noticiários do país, divulgou uma notícia em que diziam que “cidadãos e indígenas se enfrentaram”, promovendo uma divisão que não faz sentido. Embora as diferentes etnias indígenas tenham suas próprias leis e vivam em territórios isolados das cidades, seus integrantes são cidadãos colombianos e destacar essa divisão só enfatiza a estigmatização que os povos indígenas sofrem há anos. Da mesma forma, o presidente Iván Duque disse que voltassem às suas “reservas”, já que não podia garantir sua proteção. Além disso, o presidente do Partido Conservador, Omar Yepes Alzate, exaltou que as organizações indígenas estavam deixando seu “habitat natural” para perturbar o calma dos cidadãos. Essas posições indicam o racismo estrutural que se tornou normal na Colômbia.

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Dos manifestantes caminan, con los brazos arriba, hacia la policía. | Gus Peppervisuals.

O tratamento dado à Minga atiçou os sentimentos dos manifestantes, que reagiram mantendo-se nas ruas, apesar do apelo de políticos e organizações que acompanham as marchas de que a violência aumenta durante à noite. Na madrugada, Duque foi a Cali para tentar acalmar os ânimos, mas aparentemente só agravou o sentimento dos colombianos que cobraram por ele não ter ido antes, por ter sitiado Cali e por ter ido apenas algumas horas. O presidente havia dito que não queria "atrapalhar os processos da força pública”.

Os dias que se seguiram foram marcados por uma notícia de dor e surpresa: Lucas Villa, um jovem de 37 anos que se destacou por de manifestar pacificamente, cantando e dançando, teve morte cerebral de receber oito tiros, em 8 de maio, disparados de um carro que ainda não foi identificado. No dia seguinte, 12 de maio, Duque viajou a Cali para tentar dialogar com os líderes da greve nacional e anunciou que os alunos dos estratos 1, 2 e 3 terão acesso à educação universitária pública gratuita. É uma notícia que a Colômbia esperou por anos. No entanto, polarizou a população, que acredita que a decisão é apenas uma estratégia do governo de pôr fim às manifestações e não uma tentativa real de resolver os problemas do país.

Mas por que tanta indignação? Definitivamente, não é apenas por causa da reforma tributária que deu início à greve atual. Os colombianos denunciam um problema estrutural que se aprofundou devido à narrativa que tanto os políticos quanto a mídia tradicional construíram: a de que o povo é violento e que qualquer tipo de protesto é equivalente a vandalismo. Como diz a professora do mestrado em Filosofia da Universidade de los Andes, Laura Quintana, em entrevista ao openDemocracy, “Embora seja uma economia que teve estabilidade internacional, ela gerou grandes dívidas com a população. Os programas econômicos reduziram o Estado a um instrumento que garante estabilidade ao investimento estrangeiro, mas que tornava o povo mais precário”.

Iván Duque é o símbolo da incompetência, da falta de confiança nas instituições, da crise de representatividade e, em suma, dos fracassos do atual governo

O grito que ressoa nas ruas hoje é a expressão de uma crise social e política que se explica no esgotamento de um modelo de desenvolvimento extrativista fracassado, prevalente nos últimos 30 anos; no fracasso do governo em implementar os acordos de paz de 2016, que trouxe um vislumbre de esperança para os diversos atores envolvidos na guerra; na exacerbação de problemas sociais como a fome e o desemprego; na incompetência do governo em administrar a pandemia, a corrupção, as formas de protesto social dos jovens; na tentativa de impor reformas que só pioram a situação dos colombianos, já atingidos pela pandemia; e, por fim, na reformulação de visões sociais atávicas que definiram a cidade como centro e o campo como periferia que não é mais suficiente ou aceitável para um país formado por diversas comunidades que reivindicam seu lugar de direito nas decisões sociais, econômicas e sociais.

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Policía del Esmad se enfrenta a manifestantes en Santa Marta, Colombia. | Gus Peppervisuals.

São jovens que ecoam os protestos que tomaram a América Latina em 2019, liderados pelo Chile, onde os cidadãos pediram soluções ambientais, apoio para diferentes causas sociais, como a comunidade feminista ou LGBTQIA +, e soluções para a desigualdade crescente que assola a região.

E em tudo isso, onde está Iván Duque? Duque é o símbolo da imcompetência, da falta de confiança nas instituições, da crise de representatividade e, em suma, dos fracassos do atual governo, que apostou em um presidente sem experiência em cargos públicos, eleito pelas elites econômicas e políticas, especialmente os uribistas como fórmula de continuidade de sua forma de governo, que é a corporativização e o autoritarismo.

Embora esteja em Cali, é evidente que seu diálogo com o comitê da greve será longo e que, enquanto continuar a priorizar a força pública em dez dos colombianos, os organismos de verificação internacional e entidades territoriais terão que intervir para garantir que esses espaços de diálogo sejam eficazes e consigam conter os números que continuam a afligir a Colômbia hoje: 1.956 casos de violência policial, 1.003 prisões arbitrárias contra manifestantes, 418 intervenções da força pública, 313 vítimas de violência física por parte da polícia, 129 casos de disparos de arma de fogo pela polícia, 40 vítimas fatais da polícia, 28 vítimas de agressão visual e 12 vítimas de violência sexual pela força pública.

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