
Dois anos após a eleição de Bolsonaro: o Brasil em perpétua campanha eleitoral
Bolsonaro continua se comportando como se estivesse fora do “sistema” e constantemente se distancia de qualquer evento que não pareça favorável à sua popularidade.

O dia 28 de outubro marcou dois anos das eleições nacionais que catapultaram Jair Bolsonaro para a presidência. Enquanto o governo se esforça para mostrar o trabalho que vem realizando ao longo deste período, enfatizando projetos de infraestrutura, combate ao narcotráfico e expansão do agronegócio, os brasileiros enfrentam altas taxas de infecção por Covid-19 e um aumento sem precedentes do desmatamento e dos incêndios florestais. Com a rápida aproximação das eleições municipais, Bolsonaro deu lugar à sua posição inicial de não endossar candidatos a prefeito e a vereador – temendo que uma possível derrota pudesse prejudicar sua própria imagem – e apoiou publicamente algumas candidaturas, em sua maioria nas principais cidades do país. Esta volta atrás, longe de ser uma manobra política pouco ortodoxa, é bastante congruente com a abordagem flexível do presidente à governança que parece priorizar a popularidade e as alianças estratégicas sobre as políticas e a consistência.
Como líder populista, Bolsonaro se apresentou com sucesso como um candidato “antissistema”, alguém que poderia desafiar as elites políticas e culturais e acabar com os males que assolavam a esfera política. De fato, apesar de sua longa carreira como vereador e parlamentar, iniciada em 1989, Bolsonaro não apenas conseguiu se dissociar da imagem manchada de político numa época em que o país estava abalado e profundamente irritado com a revelação de uma série de escândalos de corrupção, mas ao enfatizar seu passado militar e ao convidar o general de reserva Hamilton Mourão na sua chapa presidencial, ele efetivamente se reposicionou fora do establishment político.
No entanto, dois anos após sua eleição, Bolsonaro continua se comportando como se estivesse fora do “sistema” e constantemente se distancia de qualquer evento que não pareça favorável à sua popularidade. Determinado a manter o apoio de sua base “ideológica” mais leal e expandir seu eleitorado para além dos grupos que votaram nele em 2018, o presidente brasileiro age com agilidade para preservar sua imagem como um outsider; alguém que luta para governar com seriedade apesar das muitas adversidades e obstáculos que seus inimigos colocam em seu caminho. Em seu esforço para forjar uma imagem de um “soldado” honesto e humilde que trabalha para seu país e seu povo, Bolsonaro é rápido em renegar decisões tomadas ou evitar assumir a responsabilidade pelas consequências de suas próprias ações, preferindo em vez disso culpar os outros.
A atitude de Bolsonaro em relação à pandemia de Covid-19 é um caso em questão. Sua atitude inicial em relação ao novo coronavírus foi a de menosprezar os riscos e minimizar seus efeitos. “O pior já passou”, ele afirmou com otimismo no dia 5 de maio. No entanto, a “gripezinha” teve efeitos muito mais devastadores do que o presidente estava disposto a admitir, e, em grande parte devido à ausência de uma política de prevenção eficaz, o Brasil rapidamente se tornou um dos epicentros globais de sua propagação. Bolsonaro apresentou ao povo brasileiro um falso dilema entre salvar vidas e salvar a economia. Ele escolheu o último, alegando que era o único caminho a seguir, já que uma grande parcela da população que trabalha no setor informal não podia se dar ao luxo de ficar em casa e se isolar.
Ao invés disso, ele promoveu fervorosamente a cloroquina, um medicamento antimalárico sem eficácia comprovada contra o coronavírus. Em uma análise do de Bolsonaro no Twitter, entre janeiro e abril de 2020, foram encontradas apenas duas menções de “isolamento social” e “quarentena” - as únicas eficazes medidas de prevenção disponíveis até agora – enquanto ele tuitava 20 vezes sobre o uso “milagroso”, não comprovado, da cloroquina. Mais tarde, a cloroquina e a hidroxicloroquina foram disponibilizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) para serem usadas na fase inicial do tratamento de Covid-19 (além do uso autorizado em pacientes em estado grave e internados) com o consentimento mútuo de um médico e do paciente. O presidente optou por uma suposta bala de prata, parecendo oferecer uma solução instantânea para um problema complexo, em vez de arriscar abordagens demoradas ou menos populares com benefícios comprovados.
A introdução do auxílio emergencial não só contribuiu para a possibilidade de o impeachment parecer bastante remoto, mas levou a popularidade de Bolsonaro a 40%
Tais abordagens foram deixadas às autoridades locais para decidir. Os prefeitos e governadores podiam optar por implementar medidas de distanciamento social como achassem conveniente. Isto levou a uma rixa entre o presidente e os governadores, o que enviou mensagens mistas à população sobre as medidas de quarentena, e deu a Bolsonaro a oportunidade de colocar a culpa pela gestão catastrófica da pandemia e suas terríveis repercussões econômicas sobre as autoridades locais. Quando a culpa não era dos governadores, era da Organização Mundial da Saúde ou da China. Mas nunca do Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, o presidente tem trabalhado duro para consolidar alianças no Congresso e no Supremo Tribunal Federal. No primeiro semestre do ano, Bolsonaro chegou a ser veementemente criticado por sua postura em relação à pandemia e por ter participado de manifestações antidemocráticas e anticonstitucionais. Naquele período, os pedidos de impeachment do presidente estavam ganhando força. Além disso, a renúncia de Sergio Moro, que acusou o presidente de obstrução de justiça e de querer interferir no trabalho da polícia federal, abalou a dinâmica interna do governo e, por um tempo, praticamente monopolizou a atenção pública. Bolsonaro, que quebrou fileiras com o partido que o levou ao poder e atualmente permanece sem filiação partidária, concedeu favores a políticos de carreira de um grupo partidário de centro-direita conhecido como Centrão, numa tentativa de assegurar proteção em caso de impeachment.
Mas muita coisa mudou desde então, incluindo a introdução de um auxílio emergencial pago a desempregados e trabalhadores informais, o que não só contribuiu para a possibilidade de o impeachment parecer bastante remoto, mas levou a popularidade de Bolsonaro a 40% – chegando ao patamar elevado do início de seu mandato. Enquanto isso, sua decisão de nomear Kássio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal ultrajou sua base “ideológica” que esperava ver um cristão conservador de “linha dura” no lugar de Nunes Marques. Numa tentativa de apaziguar seu descontentamento, Bolsonaro lembrou seus apoiadores que logo nomearia um segundo juiz, prometeu que desta vez seria finalmente alguém “terrivelmente evangélico” como ele havia prometido, e – em tom messiânico – pediu-lhes que confiassem nele, mesmo que não concordassem com ele ou não entendessem suas motivações.
Bolsonaro jogou o Brasil numa perpétua campanha eleitoral que ameaça encolher o espaço democrático de discordância e do diálogo e banalizar a intolerância
No que muitas vezes aparece como uma campanha eleitoral interminável, Bolsonaro está constantemente acenando para questões que animam sua base – como quando falou de “Cristofobia” em seu discurso na Assembleia Geral da ONU – mantendo, dessa forma, tanto o engajamento como também o acolhimento das exigências de seu eleitorado. Embora ele não tenha retirado sua decisão de nomear Nunes Marques para o Supremo Tribunal – uma decisão majoritariamente vista como moderada por grande parte da classe política – ele desautorizou publicamente o ministro da Saúde, o general de divisão do exército Eduardo Pazuello, depois que este último anunciou um acordo entre o governo federal e o estado de São Paulo para comprar 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, atualmente desenvolvida pela empresa farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan. “Já mandei cancelar”, disse Bolsonaro, numa tentativa de assegurar sua “base ideológica” de que nenhuma “vacina chinesa” seria comprada com dinheiro público, fundindo sua obstinada retórica anticomunista com as políticas governamentais de combate à pandemia.
No entanto, Bolsonaro não só está tentando agradar sua base mais ou menos consolidada, mas está ativamente engajado em apelar para diferentes segmentos socioeconômicos da população que podem ajudar a reelegê-lo em 2022. A popularidade de Bolsonaro tem crescido especialmente nas regiões Sul e Nordeste, sendo esta última seu tradicional reduto de oposição. A ajuda do auxílio emergencial de R$ 600, que o governo apenas introduziu com grande relutância e tentou manter em R$ 200, melhorou de forma significativa as condições de vida nas áreas economicamente carentes do Brasil, e ajudou a aumentar a taxa de aprovação do presidente entre aqueles que ganham até um salário mínimo.
A relação renovada do presidente com o Nordeste se reflete em suas frequentes visitas à região, documentadas em detalhes em suas mídias sociais. Enquanto ele tenta ganhar os nordestinos e deixar para trás uma história de declarações preconceituosas contra a região e sua população, no entanto, seus esforços muitas vezes parecem desajeitados. Em recente visita ao Maranhão, cujo governador, o comunista Flávio Dino, é um conhecido desafeto de Bolsonaro, o presidente provocou mais uma controvérsia ao fazer uma piada homofóbica associando a cor rosa de um refrigerante popular maranhense a ser gay. Dino prometeu processar o presidente, que mais tarde pediu desculpas pela piada “inocente” que fez, sugerindo que ele foi (mais uma vez) incompreendido.
Navegar por uma conjuntura política extremamente difícil com vista às eleições presidenciais de 2022 pode revelar-se uma estratégia vantajosa para a candidatura de Bolsonaro à reeleição. Porém, pode ser prejudicial à estabilidade democrática do país. Com as diferenças ameaçando se tornar fatores de polarização, a campanha eleitoral contínua está promovendo a acentuação de posições políticas radicais numa urgência para tomar uma posição “conosco” ou “contra nós”. A caça às bruxas anticomunista ao estilo da era da Guerra Fria, que emergiu poderosamente durante o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e se intensificou durante a campanha presidencial de 2018, continua a ser relevante na “radicalização permanente” de que a campanha interminável de Bolsonaro depende, ao lado de questões como a estrutura familiar tradicional, valores cristãos conservadores e um “patriotismo” que considera qualquer dissidência antipatriótica.
Bolsonaro jogou o Brasil numa perpétua campanha eleitoral que ameaça encolher o espaço democrático de discordância e do diálogo e banalizar a intolerância. As instituições democráticas brasileiras devem continuar a lutar contra o clima político hostil e sua corrosão interna e provar que são mais fortes do que os desafios que estão enfrentando neste momento da sua história.
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