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A eleição de Castillo no Peru confirma a crise da política tradicional da América Latina

As eleições presidenciais mostram que a região rejeita cada vez mais a política tradicional, optando por candidatos marginais ao sistema

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10 Junho 2021, 12.01
Pedro Castillo durante o debate presidencial de 30 de maio de 2021
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Sebastian Castaneda/REUTERS/Alamy Stock Photo

Embora a eleição do líder sindical, Pedro Castillo, para a presidência do Peru signifique uma derrota para a extrema direita na América Latina, também é um indicativo de uma fragmentação política que assola a região nos últimos anos.

Depois de três dias de contagem, o candidato do partido socialista Peru Libre lidera sobre a candidata de direita Keiko Fujimori, filha e herdeira política do ex-ditador Alberto Fujimori, com ajustados 50,2% dos votos.

Um outsider do interior do país, Castillo tem pouca experiência política e representa uma escolha política crescente entre os latino-americanos, que cada vez mais tendem a votar não em um partido ou ideologia específica, mas contra a política tradicional ou contra o establishment.

Castillo enfrentou Keiko Fujimori, cuja família domina a cena política do Peru desde o início dos anos 1990. Fujimori, que foi primeira-dama do governo de seu pai aos 19 anos, claramente representa a política tradicional e urbana.

A disputa entre dois extremos no segundo turno já é resultado de um primeiro turno marcado por enorme fragmentação. Com 18 candidatos presidenciais, os peruanos viram seu voto se diluir, de modo que Castillo ficou em primeiro lugar com menos de 20% do total, seguido por Fujimori com 13%.

De alguma forma, essas eleições fizeram com que a os peruanos tivessem que escolher entre algo totalmente novo e o que já conheciam. E eles derrotaram, ainda que por uma margem mínima, não só a direita crescente na região – como aconteceu com a eleição de Guillermo Lasso no Equador em abril – mas também os partidos tradicionais.

Quem é Castillo?

Líder sindical e professor da província andina de Chota, Castillo representa uma esquerda rural e provinciana, muito diferente dos movimentos urbanos progressistas de Lima ou de outras capitais latino-americanas. Castillo é a favor de obrigar as mineradoras e outras indústrias extrativas a investirem parte de seus lucros no país. Também se propõe a substituir a constituição do governo de Alberto Fujimori, mas é contrário aos direitos sociais que os progressistas costumam defender, como a descriminalização do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo – algo que tende a ficar fora da agenda política das regiões menos urbanas da América Latina.

Castillo enfrentará não só um Congresso fragmentado mas também um Congresso inexperiente, em que menos de 10% dos parlamentares têm experiência legislativa anterior

No entanto, durante as oito semanas entre os dois turnos eleitorais, Castillo soube tecer alianças entre as forças de esquerda, prometendo "defender os direitos humanos de todos os peruanos" em um acordo político com a ex-candidata de esquerda Veronika Mendoza. Dessa forma, Castillo focou sua campanha eleitoral, nos últimos dois meses, em questões econômicas e de bem-estar social, como a promessa de promover um sistema previdenciário público.

Diante da campanha neoliberal de Fujimori, que acusava Castillo de querer estabelecer um regime comunista, o líder sindical assinou acordos políticos em que se comprometeu a proteger as instituições e a democracia do país, além de respeitar a propriedade e as empresas privadas.

De qualquer forma, com a vitória de Castillo sobre o bloco de direita, os peruanos passarão por momentos de intensa polarização. O novo presidente enfrentará não só um Congresso fragmentado, que promete amarrar as mãos de Castillo durante seu mandato, mas também um Congresso inexperiente, em que menos de 10% dos parlamentares têm experiência legislativa anterior.

Rejeição da política tradicional na América Latina?

O surpreendente resultado das eleições presidenciais no Peru vem após uma retumbante derrota dos partidos tradicionais no Chile. Em meados de maio, os chilenos foram às urnas para eleger, além de governadores e prefeitos, os 155 deputados que irão redigir uma nova constituição. Um terço desses representantes são independentes, sem conexões com partidos tradicionais. Mais uma vez, os latino-americanos usaram seu poder de voto para mostrar sua insatisfação com as elites e o sistema político.

Os velhos problemas não resolvidos pela esquerda ou pela direita continuam a pesar sobre o futuro das nossas frágeis democracias

Apesar da vitória do ex-banqueiro neoliberal no Equador, os equatorianos também mostraram que querem algo novo ao levar o líder indígena Yaku Pérez, outro outsider anticapitalista, a um empate técnico no segundo lugar do primeiro turno. Para muitos, houve um conluio entre as elites políticas, incluindo o candidato de esquerda de Rafael Correa, Andrés Arauz, para levar Lasso para o segundo lugar com Arauz. Juntos, eles teriam tentado fraudar as eleições ao recusar uma recontagem de votos em face das múltiplas irregularidades relatadas.

Na Colômbia, que realizará eleições presidenciais em maio de 2022, os cidadãos têm demonstrado, nas ruas e nas pesquisas, sua profunda insatisfação com a política tradicional. As últimas pesquisas mostram que 25% dos colombianos optam por "nenhum" dos atuais candidatos e 11% afirmam que votarão em branco. Combinados, os votos em branco e para "nenhum" candidato superam os 25% que votariam no senador progressista Gustavo Petro se as eleições fossem realizadas hoje, de acordo com a mesma pesquisa.

Já o Brasil parece fazer o caminho inverso, depois de rejeitar a política tradicional através da escolha do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro em 2018 (que fez campanha antissistema apesar de ter passado quase 30 anos na Câmara dos Deputados). Cansados do desastre político que a eleição de um extremista trouxe ao país, os brasileiros agora se inclinam pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro de 2022. Assim como Donald Trump nos Estados Unidos, tudo parece indicar que os cidadãos querem voltar 'ao velho normal' depois de provar o desastre do 'desconhecido' anti-establishment.

Mas a política no Brasil, como na América Latina em geral, é imprevisível. Os velhos problemas não resolvidos pela esquerda ou pela direita continuam a pesar sobre o futuro das nossas frágeis democracias que, em meio a um cenário econômico, social e político tempestuoso, estão à mercê do vento mais forte.

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