democraciaAbierta: Opinion

Leis anti-aborto: guerra contra mulheres pobres

Dada a vasta evidência científica que mostra quão ineficazes são as leis punitivas para prevenir abortos, é difícil imaginar que elas tenham outra razão, senão a intenção de manter as mulheres fora da força de trabalho e em absoluta pobreza

Manuella Libardi
28 Janeiro 2020, 8.06
ESTADOS UNIDOS - 24 DE JANEIRO: Ted Gentile de Farmingdale, Nova York, mantém um crucifixo em frente ao Russell Building durante a manifestação anti-aborto da March for Life na sexta-feira, 24 de janeiro de 2020.
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Tom Williams/CQ Roll Call/Sipa USA/PA Images. Todos os direitos reservados.

A luta política por trás das legislações anti-aborto também é uma luta de classes.

A realidade é que o aborto é ilegal apenas para mulheres pobres. Mulheres com recursos sempre podem interromper a gravidez indesejada. Ou conhecem um médico que realiza abortos medicamentosos por um preço exorbitante para a maioria, ou têm os recursos para viajar para um local onde o aborto é legal, ou têm meios para comprar uma pílula, em seu próprio país ou em outro lugar.

A restrição do acesso ao aborto seguro mantém as mulheres pobres em situação de pobreza, perpetua o ciclo que as impede de mobilidade social e permite que a riqueza permaneça nas mãos dos ricos, principalmente dos homens brancos.

Decidir se e quando ter um filho é essencial para o bem-estar psicológico, mas também econômico, de uma mulher: a maternidade tem implicações para sua educação, seu ingresso na força de trabalho ou permanência nela e para o desenvolver de uma carreira profissional.

Em um estudo de 2018 baseado em entrevistas com 813 mulheres nos Estados Unidos por cinco anos, os pesquisadores detectaram que as mulheres que tiveram o direito de abortar negado tinham maior probabilidade de se encontrar em situação de pobreza seis meses depois de dar à luz em comparação com as mulheres que conseguiram interromper a gravidez.

As mulheres que não puderam abortar também tinham menor probabilidade de ter trabalho em período integral e maior probabilidade de depender de alguma forma de assistência pública. Ambos os efeitos "permaneceram significativos por 4 anos".

O estudo conclui que "mulheres que tiveram um aborto negado tinham maior probabilidade do que mulheres que foram capazes de interromper a gravidez de passar por dificuldades econômicas e insegurança por anos. Leis que restringem o acesso ao aborto podem significar piores resultados econômicos para as mulheres afetadas".

América Latina

Na América Latina, esse cenário é exacerbado pela enorme desigualdade na região, que torna as mulheres pobres ou minoritárias invisíveis perante as políticas públicas. As mulheres indígenas, por exemplo, são desproporcionalmente afetadas pelas consequências adversas que afetam sua saúde sexual e reprodutiva.

A América Latina tem seis países que criminalizam o aborto totalmente, mesmo em situações em que a vida da mulher está em risco

As taxas de gravidez indesejada e gravidez na adolescência são altas nas populações indígenas. As mulheres indígenas enfrentam maiores riscos de complicações relacionadas ao aborto e à morte do que o público em geral.

São as mulheres pobres, jovens e de minorias étnicas que sofrem a maior parte dos custos físicos e sociais impostos pelas leis restritivas contra o aborto da América Latina.

A América Latina tem seis países que criminalizam o aborto totalmente, mesmo em situações em que a vida da mulher está em risco. Em El Salvador, República Dominicana, Haiti, Honduras, Nicarágua e Suriname, as mulheres são forçadas a levar suas gravidezes até o fim, mesmo que isso signifique sua morte, o que constitui uma violação explícita dos seus direitos humanos.

Isso faz da América Latina a região do mundo que possui a mais rigorosa legislação anti-aborto. Os únicos outros dois lugares que criminalizam a interrupção da gravidez, mesmo que o procedimento seja clinicamente necessário para salvar a vida da mulher, são Malta e o Vaticano.

El Salvador foi notícia mundial en 2019 quando Evelyn Hernández foi absolvida de uma condenação por assassinato pela morte de um feto. Ela havia sido condenada a 40 anos de prisão por dar à luz um bebê morto.

Em El Salvador, pelo menos 159 mulheres receberam sentenças de entre 12 y 40 anos de prisão por violar as leis antiaborto do país centro-americano. Umas 20 continuam presas.

Nenhuma dessas mulheres são de família privilegiada. Todas são pobres.

O fator raça

A ordem político-econômica é composta de muitas variáveis, mas a raça é uma das principais. Nos Estados Unidos, as taxas mais altas de aborto no país acontece entre as mulheres negras. Isso é uma consequência da grave lacuna de riqueza entre famílias brancas e negras, que existe até mesmo entre famílias pobres.

Mientras que todas las mujeres sufren las consecuencias de la batalla contra el aborto, las mujeres de color sienten los efectos de forma desproporcionada

Uma família branca que vive perto da linha da pobreza geralmente possui cerca de US$ 18.000 em riqueza. Ao mesmo tempo, famílias negras em situações econômicas semelhantes costumam ter uma riqueza média próxima de zero.

Enquanto todas as mulheres sofrem as consequências da batalha contra o aborto, a realidade de classe mostra que as mulheres entre as minorias sentem os efeitos desproporcionalmente.

Um vasto número de de estudos mostra que legalização do aborto nos Estados Unidos teve efeitos positivos mais visíveis entre as mulheres negras. Após a mudança na legislação, a entrada de mulheres negras na força de trabalho aumentou 6,9 pontos percentuais, em comparação com 2 pontos percentuais no número total de mulheres.

A legalização do aborto nos Estados Unidos reduziu a gravidez na adolescência entre todas as mulheres. No entanto, mulheres e meninas negras tiveram um aumento na taxa de conclusão do ensino médio e na admissão na faculdade, enquanto a legalização não melhorou os resultados educacionais para mulheres e meninas brancas. Essa é outra indicação de como a desigualdade afeta desproporcionalmente as mulheres negras.

Las leyes restrictivas no disminuyen los abortos

As maiores taxas de aborto são encontradas nos países em desenvolvimento, especificamente na América Latina. O líder da lista é o Caribe, com uma taxa de 59 em cada 1.000 mulheres em idade reprodutiva, seguido pela América do Sul, com 48.

Como esperado, as taxas mais baixas são encontradas na América do Norte, com 17, e na Europa ocidental, com 16 e 18 por 1.000, respectivamente.

Dada a quantidade de evidência científica resultantes de pesquisas que mostra como as leis punitivas são ineficientes para conter o número de abortos, é difícil imaginar que existam por outra razão, senão a intenção de manter as mulheres sistematicamente discriminadas, fora de força trabalho e na pobreza absoluta.

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