democraciaAbierta: Opinion

Manobras autoritárias frente às eleições de novembro na Nicarágua

As reformas eleitorais de Ortega foram interpretadas pela oposição e pelo Norte Global como tentativas de impedir eleições livres e justas.

democracia Abierta
28 Maio 2021, 12.01
Candidata presidencial, Cristiana Chamorro, logo de ser notificada de uma investigação contra ela, em Manágua, Nicarágua, 20 de maio de 2021
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REUTERS/Carlos Herrera/Alamy Stock Photo

As eleições de 7 de novembro na Nicarágua são importantes – e muito. Do contrário, o presidente Daniel Ortega não estaria atraindo a atenção mundial nas últimas semanas por suas reformas eleitorais e seus ataques à mídia, que a oposição e países do Norte Global vêm criticando como manobras autoritárias para impedir a realização de eleições livres e justas.

No final do ano, os nicaraguenses irão às urnas para votar para presidente e vice-presidente, cargos hoje ocupados por Ortega e sua esposa, Rosario Murillo. Na semana passada, o governo anunciou que abriria uma investigação de lavagem de dinheiro contra a candidata presidencial Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro, um processo judicial que os oponentes dizem ser uma perseguição política para abrir caminho para que Ortega ganhe um quarto mandato. As investigações também incluem jornalistas.

No início do mês, Ortega, que assumiu a presidência pela segunda vez em 2007 depois de liderar o país entre 16 de junho de 1979 e 25 de abril de 1990, aprovou uma reforma eleitoral que dificulta a participação da oposição, além de entregar o controle das campanhas políticas à polícia nacional.

No mês anterior, Ortega já havia imposto um entrave democrático através da Assembleia Nacional, que ele controla, quando os deputados nomearam dez magistrados leais ao presidente ao Tribunal Eleitoral, manobra que a oposição afirma tentar “consumar uma nova fraude nas eleições presidenciais e parlamentares”. Com apenas 24% de apoio popular, segundo pesquisas de 2020, o sandinista mostra estar ameaçado.

O Norte global se manifestou com força

Ambas as reformas “claramente dão uma vantagem absoluta ao partido oficial”, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) liderada por Ortega, afirma a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Para partidários dos sandinistas, a forte rejeição internacional mostra que os Estados Unidos estaria tentando realizar um "golpe suave" para retirar Ortega do poder

Por meio de comunicado, a União Europeia declarou que tanto a reforma eleitoral quanto a nomeação de magistrados próximos ao presidente, quase todos sandinistas, “não cumprem as recomendações da Missão de Observação Eleitoral da UE 2011 e as recentes resoluções da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Conselho de Direitos Humanos”.

O governo dos Estados Unidos, através de Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, declarou que “o país e a comunidade internacional estão alarmados com a decisão do governo Ortega de ignorar o apelo do povo nicaraguense por reformas eleitorais significativas. Apoiar a democracia significa realizar eleições livres e justas”.

A oposição nacional também se manifestou, incluindo a União Renovadora Democrática (Unamos), Unidade Nacional Azul e Branca e Aliança Cidadã. O Centro de Direitos Humanos da Nicarágua (Cenidh) também criticou a reforma, afirmando que "ela atropela os direitos constitucionais e consolida as estruturas para dar continuidade à fraude eleitoral que tem caracterizado o regime Ortega-Murillo".

Para partidários dos sandinistas, por outro lado, a atenção gerada e a forte rejeição internacional mostram que a presença de um governo pró-América Latina na América Central contraria as intenções dos Estados Unidos para a região, que estaria tentando realizar um "golpe suave" para retirar Ortega do poder.

Forte apoio à FSNL e oposição fragmentada

Apesar da queda no apoio popular a Ortega nos últimos anos, motivada pelas sangrentas mobilizações brutalmente reprimidas de 2018 e acentuada por sua gestão da pandemia de Covid-19, seu partido mantém ampla superioridade nas pesquisas. De acordo com uma pesquisa pré-eleitoral realizada pela M&R Consultores, o FSNL poderia ter até 71,6% dos votos nas eleições de 2021. Já a oposição combinada alcançaria um máximo de 23,1%.

Nessas condições, os nicaraguenses não terão a oportunidade de realmente demonstrar suas reais preferências políticas nas eleições de novembro

Em 2020, de acordo com uma pesquisa Cid Gallup publicada pela Voz de América, a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia tem apenas 1% de aprovação popular, o Partido Liberal Constitucionalista (PLC), que já governou o país 3%, e a Unidade Azul e Branco 5%.

No entanto, o ex-guerrilheiro e ex-aliado da FSLN, Hugo Torres, disse à Voz de América que muitos nicaraguenses podem ter respondido favoravelmente à FSLN nas pesquisas por medo de represálias. "Acredito que a base de Ortega tenha se desgastado muito nos últimos anos, especialmente desde abril de 2018, quando ocorreu o massacre contra os manifestantes", disse ele.

Em qualquer caso, a fragmentação da oposição também tem um papel grande na polarização política da Nicarágua. Segundo a mesma pesquisa, 64% da população se declarou "indecisa" ou "sem partido". Para José Pallais, integrante da Aliança Cívica, a oposição precisa se unir para conquistar os votos da população insatisfeita com os dois lados. “Temos que mobilizar esses 60% que se consideram independentes. A população não quer mais divisão”, disse Pallais à Voz de América.

A batalha pela informação também é fundamental para eleições verdadeiramente justas e livres na Nicarágua. No entanto, os recentes ataques de Ortega à liberdade de expressão e à mídia independente foram descritos como uma onda de repressão sem precedentes. O jornalista Carlos Chamorro, diretor da plataforma digital independente Confidencial, recentemente premiado com o prestigioso prêmio Ortega y Gasset de jornalismo 2021, denunciou a agressão policial contra o Confidencial em 20 de maio, em uma segunda tentativa de fechar o meio de comunicação independente. “Mais uma vez, não há nenhuma ordem judicial ou qualquer justificativa para fechar um meio de comunicação independente além do desespero de Ortega de esmagar a liberdade”, afirma Chamorro.

Com mais de 120 presos políticos, o cerco policial que mantém mais de 80 cidadãos em suas casas, incluindo vários candidatos da oposição, a repressão à liberdade de imprensa, o processo judicial de opositores e os ataques à independência do judiciário, o regime Ortega mostra até onde está disposto a ir para se manter no poder.

Nessas condições, os nicaraguenses não terão a oportunidade de realmente demonstrar suas reais preferências políticas nas eleições de novembro. As coisas precisam mudar muito nos seis meses que faltam para que a Nicarágua recupere o exercício da democracia e da justiça que o governo Ortega-Murillo vem tirando do país.

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