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Com a prisão de Jeanine Áñez, a tensão política aumenta na Bolívia

As ações de Luis Arce aprofundam a crescente instrumentalização política do judiciário, seguindo a tendência utilizada por Áñez.

democracia Abierta
17 Março 2021, 5.24
A ex-presidente em exercício da Bolívia, Jeanine Áñez, em um carro em frente à sede da FELCC em La Paz, Bolívia, em 13 de março de 2021
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Manuel Claure/Reuters/Alamy Stock Photo

A polarização tem definido o cenário político da Bolívia nos últimos anos. A situação tomou uma nova dimensão nas primeiras horas de 13 de março, quando a ex-presidente Jeanine Áñez foi presa por seu papel no que muitos chamam de golpe de Estado, em novembro de 2019, quando um processo eleitoral controverso resultou na renúncia forçada e no exílio do ex-presidente Evo Morales.

Áñez e outros membros de seu governo interino foram acusados de terrorismo, conspiração e sedição. No domingo, 14 de março, a juíza Regina Santa Cruz a condenou a quatro meses de prisão preventiva.

A reação a esses eventos foi imediata. Pouco antes das 3 da manhã, Áñez fez uma declaração em sua conta do Twitter, pedindo ao mundo que voltasse sua atenção para os eventos.

"Denuncio, perante a Bolívia e o mundo, que em um ato de abuso e perseguição política o governo do MAS ordenou minha prisão", escreveu a ex-presidente. "Me acusa de ter participado de um golpe de Estado que nunca aconteceu. Estou orando pela Bolívia e por todos [os bolivianos]", concluiu ela.

Em outro tuíte, Áñez acusou o Movimento ao Socialismo (MAS), o partido do atual presidente Luis Arce e de Morales, de "voltar aos estilos da ditadura".

As mensagens de Áñez são claramente de natureza política, uma vez que tenta explorar a polarização que dividiu a Bolívia desde as eleições de 2019 que puseram fim ao governo de Morales e aos 13 anos de poder consecutivos de seu partido.

Um país dividido

Os campos que acusam a direita de orquestrar um golpe e a Morales de manipular as eleições para ganhar um quarto mandato são igualmente fortes.

As ações de Arce e sua administração aprofundam a crescente instrumentalização política do Judiciário

Independentemente do resultado real das eleições de 2019, os bolivianos reforçaram seu apoio a Morales e ao MAS em outubro de 2020. Arce venceu a disputa eleitoral no primeiro turno com mais de3,3 milhões de votos, muito acima dos 1,7 milhões de Carlos Mesa e dos 862 mil de Luis Fernando Camacho, demonstrando que o apoio popular à coalizão de esquerda no país é enorme.

No entanto, milhares de pessoas saíram às ruas de diferentes cidades bolivianas na segunda-feira, 15 de março, para protestar contra a prisão de Áñez, munidos de cartazes com mensagens como: "Não foi golpe, foi fraude".

Entre os que apoiam Áñez estão o ultradireitista Camacho – que foi eleito governador de Santa Cruz com mais de 55% dos votos na semana passada e foi seu aliado na manobra que forçou a demissão de Morales em 2019 e a levou ao poder – e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que se manifestou a seu favor através de sua conta no Twitter.

"O Instituto CASLA apela ao governo de Luis Arce para cessar a perseguição, o assédio e a intimidação contra cidadãos que estão sendo perseguidos e processados sem garantias constitucionais, violando o direito à presunção de inocência, ao devido processo e ao direito de defesa", diz a declaração.

No entanto, a OEA é duramente criticada em muitas frentes por seu papel nas eleições de 2019. Através de um relatório dias após as eleições, a organização declarou que Morales havia cometido "manipulação maliciosa", uma conclusão que o Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG) avaliou haver sido baseado em uma "amostra altamente tendenciosa".

O atual posicionamento da OEA é interpretado por muitos como a implementação de sua agenda de direita para a América Latina.

A politização do Poder Judiciário

Além disso, as ações de Arce e sua administração aprofundam a crescente instrumentalização política do Judiciário. Em setembro de 2020, a Humans Rights Watch acusou Áñez de utilizar o sistema judiciário boliviano para implementar sua agenda política.

Arce prometeu reconstruir o país em união e restaurar a paz. Mas sua última manobra sugere que ele está indo na direção oposta

Durante seu mandato, o governo Áñez pressionou publicamente promotores e juízes a agirem em seus interesses, de acordo com a organização. Durante sua administração, mais de 100 pessoas ligadas ao governo Morales e seus apoiadores foram investigadas sob acusações de sedição e/ou terrorismo.

Morales, por sua vez, já era conhecido por ter o apoio do Judiciário e apresentar acusações contra rivais em casos com claras motivações políticas, como o mesmo relatório da Human Rights Watch afirmou.

Ao acusá-la dos mesmos crimes associados ao governo Áñez, Arce dá indicações de estar seguindo o mesmo caminho, embora tenha dito, após vencer as eleições, que não queria "vingança".

"Os mandados de prisão contra Áñez e seus ministros não contêm provas de que um crime de terrorismo tenha sido cometido", disse em um tuíte o diretor executivo da divisão das Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, acrescentando que "geram dúvidas bem fundamentadas de que este é um processo baseado em motivos políticos".

Vivanco também compartilhou um artigo em inglês da Americas Quarterly intitulado "As promessas não cumpridas de Luis Arce na Bolívia", tornando explícita seu posicionamento em relação ao presidente boliviano.

Quando ele ganhou as eleições em outubro, Arce prometeu reconstruir o país em união e restaurar a paz. Mas sua última manobra sugere que ele está indo na direção oposta. A reação internacional negativa deve ser suficientemente forte para dissuadi-lo de cometer os mesmos erros que seus antecessores e terminar de sepultar o Judiciário boliviano, abrindo o caminho ao autoritarismo.

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