
Verdes por fora, vermelho por dentro: Militares no comando da fiscalização ambiental perseguem servidores
Crescimento no número de Processos Disciplinares e exonerações de fiscais do Ibama criam clima de terror e impactam fiscalização ambiental no país

No início da Verde Brasil II, operação que deu continuidade ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) da Amazônia, os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tiveram acesso a um print vazado de uma conversa de WhatsApp entre os superintendentes estaduais do órgão, recém trocados pelo presidente Jair Bolsonaro. Os novos chefes, na sua maioria policiais da Polícia Militar de São Paulo, chamavam os servidores do Ibama de "melancias", verdes por fora e vermelhos por dentro.
A expressão, comum entre militares, é uma forma de dizer que uma pessoa aparenta seguir a doutrina verde-oliva mas, na realidade, tem ideais comunistas. No caso, ao se referir aos servidores de órgão ambientais, os superintendentes, em conversa virtual com o Comando do Exército que, via GLO, manda nas operações de fiscalização do meio ambiente desde 24 de agosto de 2019, queriam dizer que por trás do serviço em defesa da natureza, os fiscais do Ibama tinham uma agenda esquerdista.
Suely Araújo, que presidiu o Ibama entre 2016 e 2019, confirma que também foi chamada várias vezes de "melancia" pelo atual comando do órgão, em referência a sua gestão.
"Isso é de uma burrice tão grande, de desconhecimento do que é gestão pública, falta de noção mesmo. Não importa em que partido você vote, os servidores fazem concurso público para exercer uma função", pondera. Suely explica que há, atualmente, 2.800 servidores do Ibama na ativa. "Tem gente de tudo quanto é ideologia do ponto de vista político partidário, mas não interessa, porque a ideologia que prevalece e une o pessoal é manter a floresta em pé, a água limpa, o ar puro", completa.
Para Araújo, que hoje é pesquisadora sênior do Observatório do Clima, há uma "miopia" no comentário dos superintendentes do Ibama, que apesar de simplista, é perigoso. "Estão colocando pessoas que não têm experiência dentro do órgão, preferem botar alguém sem preparo nenhum por ser ligado a um deputado x do PSL. Onde isso é um ganho para o bem público?", questiona.
De fato, o comentário, aparentemente inofensivo, prova a forma como o trabalho dos servidores ambientais é visto em um momento em que tiveram sua autonomia colocada debaixo das asas dos militares. Mas para além da deslegitimação dos fiscais, os servidores, que apagaram o print da conversa dos supervisores por medo de retaliações, denunciam que comentários como esse foram a origem de um movimento maior de perseguição política.
A secretária executiva da Associação dos Servidores da Carreira Especialistas em Meio Ambiente (ASCEMA Nacional), Elizabeth Uema, revela que o órgão já recebeu diversas denúncias de assédio, pressão e punições sem sentido de servidores. "Algo que eu não via desde a ditadura", afirma. "É uma doutrina ultrapassada de segurança nacional, uma mentalidade retrógrada, preto no branco".
Essa perseguição, destaca Uema, está intimamente conectada com um processo de desmonte da fiscalização ambiental no país. "A área tem essa coisa, quem trabalha com isso tem bastante compromisso com a própria questão ambiental, os servidores sempre foram bastante atuantes. Estão destruindo os poucos avanços que tivemos".
Carla*, analista ambiental do Ibama há quase duas décadas, foi uma das servidoras que teve acesso à conversa entre comandantes. Ela também denuncia como o clima de desconfiança entre supervisores, militares e servidores tem prejudicado a fiscalização ambiental nos últimos anos. "Eles acham que somos todos comunistas infiltrados, então, durante a GLO, não aceitaram a opinião dos fiscais do Ibama para fazer o combate do crime ambiental", expõe.
Aparelhamento do Ibama prejudica fiscalização ambiental
Durante as reuniões da GLO que chegou a participar, a fiscal Ana* denuncia ter ouvido comentários que deslegitimavam a gestão anterior do Ibama. "Eles ficavam repetindo que o outro governo era ligado às ONGs da Amazônia", lembra. Nesse sentido, Ana conta que foi orientada a não atender diretamente denúncias de crimes ambientais de movimentos sociais, associações camponesas ou povos indígenas.

"Eu sempre tive uma proximidade grande com as organizações sociais, sei o que o povo passa, os quilombolas, indígenas, ribeirinhos", conta. "Mas em 2019 veio uma comitiva do gabinete de segurança institucional das Forças Armadas questionar quem entre os servidores estavam envolvidos com ONGs". Era a época de "caça às bruxas", segundo Ana, quando Bolsonaro acusou as organizações que atuam na Amazônia de estarem provocando as queimadas no bioma.
"Desde esse episódio me passaram que não era mais para ouvir denúncias da Comissão Pastoral da Terra, das comunidades ribeirinhas, nada", prossegue a servidora. A partir daquele momento, só seriam aceitas denúncias de crimes ambientais que fossem feitas diretamente pelo canal Linha Verde, por telefone ou internet.
"Mas não é simples para um indígena entrar na internet e fazer uma denúncia, não era o modo como lidávamos com eles, a população mais vulnerável da Amazônia, quem mais sofre com a grilagem de terras e o desmatamento, quem a gente mais precisa defender", explica Ana.
Já a fiscal Carla descreve o que chama de "embate constante" entre o Exército e os servidores. "O clima de perseguição é absurdo, o Exército tem um embate constante com os servidores". Na prática, explica a servidora que atua principalmente no Pará, os superintendentes escolhidos por Bolsonaro se recusam a receber os servidores. "Não temos contato", revela.
Assim que a nova gestão assumiu, chegou com o "pé no peito". É o que conta o analista ambiental Maurício*, que desde 2013 atua na fiscalização do Ibama. "Já chegaram dizendo que a gente é muito ideológico, que não trabalha, que só ficamos pesquisando. Aí começaram aos poucos a tirar pessoas chaves que ocupavam grandes cargos comissionados", lembra.
Praticamente todas as superintendências estaduais do Ibama estão ocupadas com oficiais da Polícia Militar de São Paulo. Além dos superintendentes, os cargos de confiança na Diretoria de Fiscalização e na Diretoria de Planejamento do Ibama também foram, em sua maioria, preenchidos por militares.
Segundo Suely Araújo, as mudanças de cargos comissionados nunca foram feitas com a frequência em que aconteceram com a entrada de Bolsonaro. "Muito pelo contrário, quanto eu entrei eu mantive inclusive o diretor de fiscalização que já estava lá há dez anos, antigos coordenadores, diretores, deixei tudo, é o histórico do órgão ter gente de dentro da casa comandando", explica.
Ela considera que a nomeação de pessoas de fora da casa prejudica diretamente o trabalho dos fiscais em campo. "Essas atividades envolvem riscos e os servidores têm que confiar em seus chefes. Essa confiança não existe mais, as pessoas arriscam suas vidas em campo, podendo levar tiro, com um salário que não condiz e um chefe que está sempre desconfiando do que você faz", completa.
A troca de servidores de carreira por militares e outros quadros políticos impactou principalmente os responsáveis pela inteligência por trás das operações. "Eles faziam muito bem essa parte estratégica, davam diretrizes e andamento. Isso ficou debilitado porque as pessoas que tinham experiência em planejamento e logística foram sendo tiradas dos cargos até não sobrar ninguém", afirma o servidor Maurício.
Especialistas em análises espaciais, cruzamentos de dados de hot spots de crimes ambientais e Cadastro Ambiental Rural (CAR) foram trocados. "Ir para a Amazônia não é necessariamente ir para o meio do mato, tem várias atividades por trás de fiscalização, mas isso não existe mais", conclui.
Desde a troca de cargos nos órgãos ambientais e o decreto da GLO, os indicativos de crimes ambientais não param de subir. Neste ano, a Amazônia teve o 1º semestre mais devastador desde 2015 – 3.325,41 km2 de floresta tiveram alerta de desmatamento pelo DETER/INPE. Em compensação, o número de autuações ambientais caiu drasticamente e os servidores relatam indícios da ineficiência de fiscalizações sob o comando dos militares.
No dia 19 de maio, Eduardo Bim, presidente que assumiu o Ibama em 2019 por indicação do ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles, foi afastado do cargo por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Bim foi um dos alvos da operação Akuanduba, uma das operações que investiga a corrupção de gestores, como o próprio Salles, por meio do contrabando ilegal de madeira.
Lei da Mordaça e Instrução Normativa tiram autonomia de servidores
Uma das primeiras decisões tomadas por Ricardo Salles em seu período à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi a chamada "Lei da Mordaça", que impede o posicionamento público por parte de servidores de órgãos ambientais.
Cientistas pesquisando desde a diferença de um lambari para outro até a relação de uma comunidade extrativista no mangue não podem mais mandar artigos para revistas acadêmicas
A orientação, dada no início de maio de 2019, se estende inclusive para redes sociais oficiais dos órgãos, como a página do Instituto Chico Mendes de biodiversidade (ICMBio) no Twitter. No dia 26 de maio, a censura começou a envolver também as redes sociais pessoais dos servidores, por meio de uma Nota Técnica elaborada pela Comissão de Ética do Ibama, que advertia contra "condutas inadequadas" como manifestações políticas.
Além de coibir qualquer tipo de manifestação dos servidores, a normativa do MMA tem consequências inclusive para os estudos desenvolvidos pelos órgãos ambientais. Ricardo*, servidor do ICMbio que atualmente trabalha na área de pesquisas do órgão, revela que até mesmo artigos acadêmicos na área da biologia atualmente têm que passar pelo crivo da diretoria do órgão.
Um policial militar paulista é responsável por autorizar, ou não, toda a divulgação científica do ICMBio, explica Ricardo. "Cientistas pesquisando desde a diferença de um lambari para outro até a relação de uma comunidade extrativista no mangue não podem mais mandar artigos para revistas acadêmicas. Em muitos casos, parceiros universitários optam por não assinar mais pesquisas em conjunto com a gente, publicam sozinhos para reduzir a burocracia, o que é muito ruim para o órgão", avalia.
Desde a lei da mordaça, outros decretos vêm tirando a autonomia de servidores dos órgãos ambientais. No dia 14 de abril deste ano, a Instrução Normativa nº 1/2021 burocratizou o processo administrativo federal para apuração de crimes ambientais estabelecendo, entre outros critérios, que toda autuação de infração seja precedida por um relatório a ser aprovado pela diretoria dos órgãos.
Suely Araújo considera a instrução "absurda". Ela destaca que o processo prejudica a autuação em campo de criminosos ambientais em flagrante. "Não dá para fazer um relatório desse e ter autorização de uma autoridade superior dentro da floresta", afirma.
O servidor Ricardo acredita que a instrução é uma "inversão do papel do Estado" e que facilita a interferência política na fiscalização ambiental. "Você inverte a fiscalização, que era para ser papel do Estado, e agora passa a ser atribuição do governo", explica. Se antes quem era responsável pela autuação eram servidores concursados do Estado, agora, quem decide sobre sua validade são representantes do governo, segundo Ricardo, "menos refratários às pressões políticas".
Servidores denunciam abertura descabida de processos disciplinares
Ao longo dos últimos dois anos, a Lei da Mordaça foi utilizada para coibir denúncias de servidores, por meio do que a secretária executiva da Ascema Nacional chama de "assédio institucional". "Quem tentou fazer algo nos últimos anos está, de alguma forma, sofrendo as consequências hoje", afirma Uema.
É o caso do servidor Saulo L. Gouveia, que sofreu negligência por parte do Ibama e pelo Comando do Exército em um hotel no interior do Amazonas, após positivar para Covid-19 durante uma operação. Um colega de Gouveia chegou a ficar internado na UTI com 50% do pulmão lesionado e ele e seus colegas denunciaram a total falta de suporte por parte do Ibama e dos militares. Como consequência, o instituto abriu um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o servidor.
A servidora Ana*, colega de Gouveia, que se recuperou da Covid-19 mas segue respondendo ao processo, se indigna com o caso. "Ele pediu socorro, pediu para ser tirado do hotel, e como não teve nenhum apoio e foi para a mídia denunciar, está respondendo PAD. Nunca tinha acontecido de colegas responderem tantos processos desse jeito", afirma
A reportagem solicitou ao Ibama, via Lei de Acesso à Informação, acesso ao número de PADs abertos nos últimos anos, bem como o motivo para a abertura de processos. Inicialmente, o órgão respondeu que, nos últimos cinco anos e meio foram instaurados 231 PADs e aplicadas 102 penalidades, sendo 66 demissões, 11 suspensões, 5 advertências e 3 destituições de cargo em comissão. O órgão respondeu também que as investigações disciplinares são, "necessariamente, resguardadas pelo caráter sigiloso".
Após recurso, o órgão respondeu que os processos poderiam ser acessados por meio da plataforma de dados abertos da Controladoria Geral da União (CGU). A soma do número de PADs nos últimos anos é diferente da conta apresentada pelo Ibama.
O número de PADs abertos contra servidores do Ibama vinha caindo entre 2011 (115) e 2017 (30). Em 2018 foram instaurados 34 PADs contra servidores, em 2019, 23, e em 2020 o número voltou a subir, chegando a 49. Neste ano, até o dia 10 de julho, já haviam sido abertos 24 PADs.
Segundo Suely Araújo, o Ibama sempre teve uma tradição de rigidez com o comportamento dos servidores, principalmente os acusados por corrupção. Entretanto, chegaram à ex-presidente do órgão informações denunciando o aumento desproporcional dos processos.
A reportagem conversou com a ex-corregedora do Ibama, Anette Consuelo, que por uma década coordenou a área disciplinar responsável por analisar a abertura de PADs na autarquia. Consuelo afirma que, em razão de amizades construídas com servidores durante toda sua gestão, foi procurada por eles algumas vezes desde sua exoneração, em janeiro de 2019, para ajudar com "orientações acerca do procedimento disciplinar e em busca de legislações para fortalecimento de defesa".
Durante os contatos com os fiscais, Consuelo afirma ter ouvido comentários denunciando perseguição política por parte da atual gestão do instituto. "Porém, podem ter sido somente desabafos", releva. Segundo a ex-corregedora do Ibama, o número de PADs vinha caindo na última década por conta de uma "conscientização disciplinar dos servidores" mas também por conta da "reduzidíssima mão de obra qualificada" do órgão.
Exonerações de cargos de confiança marcaram período da GLO
A servidora Ana não sofreu abertura de PAD, mas logo depois de ter marcado uma reunião com o Comando do Exército, em 2020, para apontar incoerências na estratégia dos militares, perdeu um cargo comissionado. A servidora, que atua há mais de uma década no Ibama, já ocupou diversos espaços de chefia no órgão, mas com medo de maiores retaliações, pediu para os cargos e estados onde atuou não serem mencionados na reportagem.
Ela conta que, com a frustração de perceber que a operação Verde Brasil I não estava rendendo resultados no combate ao desmatamento e queimadas na Amazônia, aproveitou a conversa para "solicitar sutilmente alguns apoios necessários". "Não foi bem visto pelo Comando do Exército local, o comandante da Amazônia estava presente e eu fui trocada por alguém que concordasse com o que estavam fazendo, que era nada, basicamente, coisas para inglês ver", denuncia.
Os casos mais emblemáticos de exonerações de cargos de confiança foram os dos fiscais Renê Luiz de Oliveira e Hugo Ferreira Netto Loss, retirados dos seus cargos em abril de 2020 após uma operação coordenada por ambos na Terra Indígena Trincheira Bacajá, no Parque Nacional do Xingu, aparecer em reportagens do Fantástico. O fiscal Henrique* também participou das operações na TI e lembra o clima dentro do órgão na ocasião.
"O Hugo fez um vídeo que parou no Fantástico e óbvio que desagradou muito, porque não era a mensagem que queriam que fosse passada, de combate ao desmatamento e garimpo dentro de terras indígenas, então eles foram exonerados", resume. Os servidores do Ibama denunciam também que o comando do Exército evitou fiscalizar garimpos em terras indígenas para não confrontar o posicionamento do governo Bolsonaro, a favor da legalização do garimpo em territórios protegidos.
"Foi um claro ato de retaliação contra uma ação completamente legal. Foi essa mensagem que chegou para a gente, que quando realizamos ações contundentes e com bons resultados, podemos sofrer algum tipo de represália", afirma Henrique.
Além das exonerações, os entrevistados apontam que, desde o início do governo Bolsonaro, servidores foram aleatoriamente trocados de cargos e, algumas vezes, reposicionados em funções aleatórias para as quais não tinham expertise. É o caso de uma servidora que exercia há anos o cargo de advogada sênior da inteligência do Ibama, mas foi realocada, em 2019, no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do órgão.
Outro caso emblemático foi o do oceanógrafo e biólogo marinho José Martins, do ICMBio, que há 30 anos vivia e trabalhava em Fernando de Noronha, mas foi realocado, em agosto de 2019, para chefiar a Floresta Nacional de Negreiros, no meio do sertão de Pernambuco. Martins entrou na justiça para questionar a decisão e, por esse motivo, um PAD foi aberto contra ele. Ele chegou a ficar 60 dias afastado do cargo.
O Ibama dispõe, atualmente, de seu menor quadro de profissionais desde 2001
Segundo o servidor Mário*, do ICMBio, o órgão teve menos exonerações do que o Ibama no atual governo porque seus servidores vivem e atuam de forma mais capilarizada no interior da Amazônia. "Temos servidores locados nas regiões, então não encontrariam com facilidade alguém para ficar no nosso lugar", afirma. Ele denuncia, no entanto, uma série de remoções não comunicadas "publicadas do dia para a noite e depois decididas na justiça".
Mário não foi um dos servidores realocados no ICMBio. Porém, mesmo sendo o servidor mais experiente da unidade de conservação onde atua, não é o atual chefe da unidade. Isso porque é considerado "comunista" pelo gerente regional da região. "Tem eu e mais dois servidores na Resex [Reservas Extrativistas], ambos entraram no instituto em 2014, são mais novos do que eu. Quem mais conhece a unidade, o plano de manejo, sou eu. Meu chefe me indicou para o cargo de chefe substituto e o gerente regional relutou mas acabou cedendo, afirmando que já tinha bancado outros comunistas", afirmou.
O servidor afirma que há casos no ICMBio de pessoas que deixaram de assumir cargos depois de a gerência regional ver, em suas redes sociais pessoais, que participaram de manifestações contra o governo Bolsonaro.
Elizabeth Uema revela que, ao longo dos últimos dois anos, a Ascema Nacional recebeu uma série de relatos de servidores denunciando perseguição política. A associação tem atuado na defesa de alguns agentes que "ficaram na mira do governo". Porém, por ser pequena, Uema afirma que a associação tem trabalhado mais com pedidos de esclarecimento. "Quando entramos com ação tem que ter um responsável claro e os relatos são dispersos, é difícil sustentar juridicamente uma ação", explica.
Neste ano, os advogados que trabalham no projeto Cala a Boca Já Morreu começaram a reunir informações para atuar na defesa dos servidores dos órgãos ambientais que estão sofrendo PADs, em parceria com a Ascema Nacional. O projeto foi criado pelo youtuber Felipe Neto para auxiliar na defesa da liberdade de expressão de brasileiros investigados criminal ou administrativamente por expressar ideias ou criticar autoridades. A assessoria do projeto, contatada pela reportagem, afirmou que a equipe está evitando entrevistas no momento.
No último 28 de maio, servidores associados da Ascema Nacional publicaram um vídeo repudiando uma fala de Bolsonaro atacando o ICMBio. "Os índios detestam a pressão do ICMBio, mas tem quem goste da pressão do ICMBio. Eu não vou falar de que lado eu fico, né? Fico do lado daquele pessoal que não é muito chegado no ICMBio, que fique bem claro aí, tá?”, afirmou o presidente, em visita ao município de São Gabriel da Cachoeira (AM).
“Queríamos dar uma resposta de pronto à fala de Bolsonaro, que ataca rotineiramente os órgãos ambientais e seus servidores", afirmou o diretor adjunto da organização, Pablo Saldo, sobre a iniciativa. No vídeo, os servidores afirmam ter orgulho de servir o órgão.
Editais de convocação pressionaram servidores a trabalharem com GLO
O Ibama dispõe, atualmente, de seu menor quadro de profissionais desde 2001. O órgão, em março de 2021, tinha 2.480 servidores, sendo que apenas cerca de 500 trabalham na fiscalização ambiental de todo o país. Em 2009, para se ter uma ideia, o quadro de empregados do instituto estava em 4.208.
Desde 2010, o Ibama, ICMBio e o MMA sofreram uma redução de 947 analistas ambientais, técnicos ambientais, analistas administrativos e auxiliares administrativos alocados na Amazônia Legal. Em dezembro de 2010, 1.780 desses servidores estavam em situação ativa na região. Em maio deste ano, o número caiu para 833, de acordo com dados do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Economia.
Desde que Bolsonaro assumiu o poder, o Ibama já perdeu 17,7% dos seus funcionários, seja por exonerações ou aposentadorias. Em maio do ano passado, o Ibama já havia pedido ao MMA a realização de um concurso público para contratação de outros 970 analistas ambientais.
O órgão não abre concurso público desde 2013 e os servidores na ativa, cada vez mais sobrecarregados, denunciam que a GLO da Amazônia teve que abrir dois editais pressionando-os a atuarem nas operações em campo, algo até então inédito para o órgão. A decisão se deu, segundo o fiscal Henrique*, porque muitos servidores se recusaram a participar das missões comandadas pelo Exército.
"Mas agora existe uma desmotivação misturada com medo de punições", afirma. Já o servidor Maurício soma quatro casos de servidores convocados obrigatoriamente para a GLO mesmo sem experiência em campo."É quase um assédio moral mesmo. Se não for para a Amazônia atuar na GLO abrem PAD e, dependendo como for configurado, a pessoa pode ser demitida", afirma.
A fiscal Ana explica que os servidores do Ibama sempre foram "voluntariosos". "Sempre quisemos muito ir a campo, a gente ia até sem diária garantida, queríamos que a fiscalização fosse para frente", coloca. Mas com a experiência da Verde Brasil I, a situação mudou. "O desmatamento disparou e a gente não queria levar crédito pela incompetência deles", afirma.
Em vez de um novo concurso para o órgão, existe a possibilidade de que mais cargos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) sejam militarizados. O Projeto de Lei nº 6.289/2019, aprovado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável no dia 6 de julho, prevê a inclusão de Policiais Militares no sistema, que reúne Ibama, ICMBio, além de órgãos municipais e estaduais de fiscalização e licenciamento ambiental.
O PL, de autoria do deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), é a reedição de um projeto anterior enviado à Comissão pelo próprio Bolsonaro enquanto ainda era deputado federal. Caso aprovado, o projeto, que precisa ainda passar pelas comissões de Segurança Pública e de Constituição, Justiça e Cidadania, e depois ir à plenária na Câmara dos Deputados, possibilitaria a policiais e bombeiros militares lavrar autos de infração ambiental.
*Errata: Depois da publicação da matéria, fomos procurados pelo advogado de Saulo L. Gouveia, Sávio Cavalcante, que retificou algumas informações. O texto foi atualizado.
Esta reportagem faz parte do especial 'Cinzas da Verde Brasil', desenvolvido por Julia Dolce para o openDemocracy.
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