democraciaAbierta: Opinion

Ataques a políticas trans negras no Brasil: o que faz o Estado?

Os recentes ataques a políticas trans no Brasil mostram que o descaso do Estado com essa população incita o crime.

Manuella Libardi
5 Fevereiro 2021, 3.01
Carol Iara, Érika Hilton e Samara Sosthenes sofreram ataques e ameaças na mesma semana
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Sul21

Os recentes ataques e ameaças à políticas LGBT, todos negras, em diferentes partes do Brasil trazem à tona que o descaso do Estado com essa população incita o crime e impulsiona as cifras que fazem do Brasil o país mais perigoso para pessoas transgênero do mundo.

Se o governo não é responsável pelos ataques a Carol Iara e Samara Sosthenes, ou pelas ameaças a Érika Hilton, então é cúmplice direto.

Carol Iara, que se tornou a primeira mulher intersexo eleita no Brasil ao assumir o cargo de co-vereadora pela Bancada Feminista do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de São Paulo, além de ser trans e conviver com HIV, estava com a mãe e o irmão na madrugada da terça-feira (26) quando um carro disparou duas vezes contra sua casa. Segundo conta, um carro branco com vidros escuros ficou parado na frente de sua casa por cerca de três minutos.

Alguns dias depois, na madrugada de domingo (30), outra co-vereadora foi vítima de um ataque semelhante. Samara Sosthenes, que também é trans e negra, foi eleita no ano passado como parte do mandato coletivo Quilombo Periférico. Samara também estava em casa quando viu um homem em uma moto atirar.

Érika Hilton, vereadora negra e trans do PSOL de São Paulo, na mesma terça-feira denunciou às autoridades ameaças e ataques transfóbicos e fascistas que sofreu dentro da Câmara de SP na semana anterior.

Para Carol Iara não há dúvida. Ela foi vítima de violência política, como escreveu no Twitter.

"Sofri atentado político ontem, com tiros disparados na madrugada, em frente de casa. Eu e minha família estamos bem, mas uma covereadora travesti foi ameaçada! Mas não vão me calar. Tô bem e agradeço a solidariedade de todes pelo grande apoio.

Não mexe comigo, q eu não ando só!"

O país da violência

Entre 2015 e 2017, a população LGBT no Brasil sofreu 24 mil casos de violência, de acordo com um estudo recente da Fundação Oswaldo Cruz. Segundo dados do Transgender Murder Monitoring (TMM) para 2020, 152 pessoas transgênero foram assassinadas no Brasil, que registrou a grande maioria dos casos no mundo, 43% do total, seguido pelo México, com 57 mortes, e os Estados Unidos, com 28.

Mas a violência é certamente muito maior, uma vez que as agências estatais raramente incluem a causa subjacente dos casos de violência contra pessoas LGBT.

Entretanto, há evidências anedóticas suficientes para sugerir que a violência contra grupos LGBT aumentou com a popularização da retórica radical de extrema-direita, em ascensão em todo o mundo e liderada no Brasil por Bolsonaro.

Um reporte da Gênero e Número mostrou que 50% dos entrevistados sofreram algum tipo de violência devido a sua orientação sexual durante ou após as eleições presidenciais de 2018. Além disso, 92,5% afirmaram que a violência aumentou após a campanha de Bolsonaro.

A resistência traz visibilidade

O Brasil lidera os rankings ano sim, ano também. As notícias de assassinatos e violência contra pessoas trans e LGBT em geral quase nunca viralizam ou chegam ao mainstream.

Mas tamanha violência também vem levando pessoas LGBT a se envolverem mais na política

Quase três anos após o assassinato não solucionado da vereadora Marielle Franco, uma mulher negra e lésbica, fica claro que a estratégia do Estado brasileiro em relação à população LGBT é a mesma que a estratégia historicamente empregada contra a população negra no Brasil. Ignorá-las, criminalizá-las e transformá-las em vítimas de todos os tipos de crimes para depois exercer seu poder e deixar esses crimes em absoluta impunidade.

Carol Iara, Samara Sosthenes e Érika Hilton, felizmente, não tiveram o mesmo final trágico que Marielle. Mas, mais uma vez, chamam nossa atenção para a negligência e o papel do Estado em sua vitimização.

Mas tamanha violência também vem levando pessoas LGBT a se envolverem mais na política. Movimentos como o Ocupa Política, que promove redes e encontros para encorajar minorias a "ocupar" a política, e iniciativas de inovação política que permitem que grupos de pessoas se candidatem a cargos como um coletivo, vem empoderando esses grupos e abrindo caminhos.

A última eleição viu um número recorde de candidatos LGBT, 70 dos quais foram eleitos, um número sem precedentes. Estes números mostram que as comunidades LGBT estão se organizando para responder à violência estrutural e à discriminação no Brasil.

A sociedade brasileira como um todo deve reagir e exigir responsabilidade das autoridades que agem com total desrespeito e encorajam a violência, fazem vista grossa e se escondem na impunidade.

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