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O que podemos esperar do multilateralismo de Biden?

O presidente eleito Joe Biden prometeu ter a política externa como uma das prioridades de sua administração e retornar os Estados Unidos ao mundo e ao multilateralismo.

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Miguel González Palacios
7 Dezembro 2020, 12.01
Na véspera da convenção de Iowa, Joe Biden realiza um evento de campanha na Hiatt High School
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Phill Roeder/Flickr

O presidente eleito Joe Biden prometeu ter a política externa como uma das prioridades de sua administração e retornar os Estados Unidos ao mundo e ao multilateralismo.

Foi o que disse em 24 de novembro ao anunciar os nomes que apresentará ao Congresso para formar seu gabinete de segurança, depois que Trump finalmente deu luz verde para iniciar a transição de poder – embora ele ainda não tenha reconhecido sua derrota nas urnas e continue semeando incertezas sobre sua saída da Casa Branca.

Biden é um político de longa data, reconhecido por promover a participação ativa dos Estados Unidos em organizações multilaterais e conflitos internacionais como membro do Comitê de Relações Internacionais do Senado e como vice-presidente de Barack Obama (2009-2017). Os eleitos para seu gabinete compartilham esta visão e já trabalharam com ele tanto no Congresso quanto no Executivo.

Entre eles está Antony Blinken, número dois da pasta de relações exteriores durante a administração Obama e nomeado para o cargo de secretário de Estado. Blinken é um conhecido defensor do multilateralismo e da liderança global que seu país deve exercer para alcançar soluções conjuntas para problemas globais.

Outro dos indicados pelo presidente eleito é Alejandro Mayorkas, um imigrante nascido em Cuba que se tornará chefe do Departamento de Segurança Interna (DHS) e terá em suas mãos questões sensíveis, como imigração, estratégia antiterrorista, segurança de fronteiras e cibernética.

Como secretário assistente e diretor de Cidadania e Imigração do DHS durante a administração Obama, Mayorkas liderou a assinatura dos primeiros acordos entre Washington e Havana em 2015, após a normalização das relações bilaterais. Embora o impacto de sua posição na política externa seja limitado, sua experiência com Cuba poderia facilitar a obtenção de uma solução negociada para a crise na Venezuela.

Existem fortes razões para duvidar da agenda da política externa de Biden e da possibilidade de uma mudança radical na relação da potência dos EUA com o resto do mundo

Biden também prometeu que seu país voltará a aderir ao Acordo de Paris nos primeiros 100 dias de sua administração e nomeou John Kerry, ex-secretário de Estado de Obama (2013-2017) e negociador do acordo como enviado especial para o combate às mudanças climáticas, um novo cargo que fará parte do Conselho Nacional de Segurança.

Otimismo

A chegada de Biden à Casa Branca gerou otimismo sobre o ímpeto que ele poderia dar ao diálogo internacional e à ação coletiva, que hoje é mais urgente do que nunca para enfrentar as atuais crises sanitárias e ambientais. Os Estados Unidos, apesar do retrocesso nos últimos anos, continuam ocupando um lugar central no mundo e têm a capacidade de influenciar e inspirar outros países e atores do cenário internacional a caminharem na mesma direção.

No entanto, também existem fortes razões para duvidar da agenda da política externa de Biden e da possibilidade de uma mudança radical na relação da potência dos EUA com o resto do mundo.

Por um lado, a China preencheu rapidamente parte do vazio deixado pelos Estados Unidos no cenário multilateral, conforme ilustra o caso da Organização Mundial da Saúde (OMS), e consolidou considerável influência em países historicamente alinhados com Washington, incluindo grande parte da América Latina.

Da mesma forma, a política externa de Biden responderá ao clima da opinião pública norte-americana, marcada pela polarização e desconfiança da China compartilhada por democratas e republicanos. De fato, durante sua campanha, Biden prometeu fazer a produção industrial voltar a ser "Made in America" e poderia dar continuidade a iniciativas como o America Cresce, criada por Trump para contrariar o avanço geopolítico do gigante asiático no hemisfério.

Por outro lado, os quatro anos do America First de Donald Trump deixaram uma marca no resto do mundo. Trump gerou simpatia e apoio de outros líderes que se identificam com seu discurso nacionalista e seu estilo populista intransigente. Entre eles estão Xi Jinping, Putin, Erdoğan, López Obrador e Bolsonaro, que hesitaram em reconhecer oficialmente a vitória de Biden. Eles provavelmente se mostrarão relutantes em apoiar iniciativas multilaterais que possam ir contra suas ambições nacional-populistas e agendas políticas pessoais.

O "retorno" dos Estados Unidos também poderia implicar em uma maior intervenção nos conflitos de guerra que persistem em todo o mundo

Internamente, Biden e sua equipe também terão que trabalhar de mãos dadas com os peões que Trump conseguiu posicionar em órgãos multilaterais latino-americanos para garantir a continuidade de sua agenda de política externa, como Mauricio Claver-Carone na direção do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Luis Almagro como secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O retorno dos EUA ao cenário mundial

Por último, o "retorno" dos Estados Unidos também poderia implicar em uma maior intervenção nos conflitos armados que persistem em todo o mundo, uma vez que Biden e os indicados para integrar sua equipe apoiaram, em grande parte, as guerras do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003), a intervenção na Líbia em 2011 e a entrega de armas aos rebeldes na Síria em 2012.

Nesse mesmo sentido, a política externa de Biden poderia ser altamente influenciada pela proximidade de seu gabinete a think tanks e grupos de lobby financiados pela indústria militar. O próprio Blinken argumentou no passado que "a força pode ser um complemento necessário para uma diplomacia eficaz".

Em todo caso, apesar de Biden ter garantido que o seu não será "o terceiro governo Obama", as nomeações que anunciou até agora também não incluem nenhum representante da ala mais progressista do Partido Democrata. Isso parece indicar que, além das divergências com seu antecessor, a política externa de Biden pode acabar sendo mais uma tentativa de retornar ao status quo que existia antes da irrupção de Trump e sua agressiva agenda anti-multilateral. Ou seja, poderemos ver mais o retorno a um certo business as usual da hegemonia americana do que o início de uma nova era marcada pela liderança pró-ativa de que o mundo precisa para defender a democracia, os direitos humanos e o multilateralismo inclusivo.

Esperemos que à grande experiência internacional de Biden se junte uma nova diplomacia que saiba ver, para além da geopolítica clássica, a urgência de lançar um grande pacto global pela justiça climática, muito mais poderoso que o Acordo de Paris. Essa é a grande questão em que a humanidade está apostando seu futuro e cuja gestão será multilateral ou não.

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