Mais uma vez, lenços e cartazes verdes e roxos inundaram a Convenção Constitucional chilena quando após a aprovação de uma norma que abre caminho para a paridade e a abordagem de gênero no Judiciário. A inovação política pode servir de exemplo para a América Latina. Apesar da maioria dos países da região terem cotas para mulheres na política, ainda carecem de igualdade de gênero nos sistemas judiciais.
Se os chilenos aprovarem a nova Constituição este ano, todos os órgãos do Sistema Nacional de Justiça terão que se reger pela paridade e pela perspectiva de gênero, além de garantir a igualdade substantiva. A norma chegou ao anteprojeto da nova Carta Magna com o apoio de 115 constituintes, contra 24 que votaram contra e 13 que se abstiveram.
Esta norma traduz-se em duas ações concretas: primeiro, prevê que o Estado deve garantir que as nomeações no Sistema Nacional de Justiça respeitem o princípio da paridade em todos os órgãos da jurisdição, incluindo a nomeação das presidências; e segundo, que os tribunais devem incluir uma perspectiva de gênero em suas decisões.
Bárbara Sepúlveda, advogada e constituinte do Partido Comunista, argumentou perante o plenário da Convenção que este último ponto era necessário porque "das poucas mulheres que podem aceder à justiça por razões econômicas, a maioria tem suas causas de violência de gênero transformadas em julgamentos sobre sua vida íntima, comportamento sexual, sobre suas escolhas e erros pessoais. O foco, que deveria estar na agressão, é desviado para o julgamento moral.”
A constituinte independente Ingrid Villena completa: "Isso significa que, dentro da função de administrar a justiça, não apenas juízes, mas também funcionários públicos, e também qualquer outro operador de justiça, da polícia a garçons, todos devem tratá-lo com respeito. Que vítimas de violência doméstica, por exemplo, não precisem passar por agressões cinco ou seis vezes; evitar que o sistema não dê credibilidade a suas histórias, ou insultem as vítimas com comentários como, 'E você estava bêbada?' ou 'Por que você estava na rua?".
A perspectiva de gênero e sua aplicação
Nesse contexto, a aprovação dessa norma empolgou as constituintes feministas e acadêmicos e juristas, que qualificaram o evento como "histórico". Isso porque, embora a abordagem de gênero na justiça já exista no Chile e tenha sido aplicada em muitos casos, ainda depende dos critérios de cada magistrado.
Desde 2017, o Judiciário chileno conta com uma Secretaria Técnica para a Igualdade de Gênero e a Não Discriminação, que inclusive emitiu um "Caderno de boas práticas para incorporar a Perspectiva de Gênero nas sentenças". Em 2021, houve até uma disputa judicial com essa perspectiva, à qual se aplicaram 34 sentenças.
No primeiro caso, o juiz reconheceu que duas mulheres eram mães de uma criança e ordenou que o Registro Civil o registrasse como tal. No segundo, o juiz condenou um homem em um caso de violência doméstica em que a mulher sempre voltava para seu agressor, pois levou em consideração que a mulher não podia terminar o relacionamento devido à "disparidade de poder [que] a impede de enfrentá-lo e de se afastar de sua influência.”